Educação através dos celulares

Educação através dos celulares

“A educação será oferecida através dos celulares”

Luis Von Ahn - Por Rafael Ciscati - Revista Época - 23/07/2014 - São Paulo, SP


O Duolingo, o aplicativo que ensina idiomas brincando, lança, nesta quarta-feira (23), seu próprio teste de proficiência em inglês. Para testar sua habilidade com o idioma, basta ter acesso à internet. Seu criador diz querer democratizar o acesso à educação: tudo pela tela do celular

Você trabalha para Luis von Ahn. E, provavelmente, nem sabe disso. No final de 2012, von Ahn – professor da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA – lançou, em parceria com Severin Hacker, o Duolingo, uma plataforma online que ensina idiomas brincando. Parecido com um jogo, o aluno completa tarefas de tradução, pronúncia e interpretação de texto. Quem acumula erros perde pontos e não avança nas fases. Seu objetivo, com isso, era democratizar o ensino de idiomas: “Pouquíssimas pessoas podem pagar para aprender uma língua”, afirma ele. O Duolingo ensina de graça.

A ideia funcionou. Passados menos de dois anos, o Duolingo é usado por mais de 38 milhões de pessoas em todo o mundo. Na versão para os falantes de inglês, ensina seis outros idiomas: português, espanhol, holandês, alemão, italiano e francês. Gratuito e sem publicidade, faz dinheiro traduzindo notícias dos portais CNN e Buzzfeed. Cada texto é trabalhado pela horda de usuários que, sem perceber, traduzem gradualmente as notícias da internet, à medida que jogam. Se você tem o Duolingo no celular, faz parte desse exército de voluntários.

Antes do Duolingo, von Ahn criou o ReCaptcha, um serviço que sites da web usam para assegurar que estão lidando com humanos. Para garantir que é gente de verdade, o usuário precisa reproduzir as letras vistas em uma imagem. Ao fazer isso, ajuda a digitalizar um pequeno trecho de livro, incompreensível para as máquinas. Certamente, você já prestou sua contribuição.

Pelos sucessos, von Ahn, de 34 anos, é considerado um dos empreendedores mais inovadores do mundo. Sua intenção, agora, é mostrar que os meses de brincadeira com o Duolingo deram resultado. Nesta quarta-feira (23), o Duolingo lança seu próprio teste de proficiência em inglês. Trata-se de um tipo de prova importante aos interessados em estudar em universidades fora do país, e cobrado por alguns empregadores. Costuma custar caro – o Teste de Inglês como Língua Estrangeira (Toefl), um dos mais utilizados para comprovar o domínio do idioma, custa mais de R$ 500. A alternativa do Duolingo, aplicada pela internet, custa US$ 20 (pouco mais de R$ 44). Atrai também pela conveniência: “Nos testes tradicionais, é preciso que você marque uma data com semanas de antecedência e vá até o centro de idiomas fazer a prova. No nosso modelo, a pessoa pode fazer o teste a qualquer momento”, afirma von Ahn.

Por ora, o teste é aceito pela Universidade Carnegie Mellon e pelo Google. A intenção de von Ahn é aumentar o número de apoiadores. Até lá, o teste pode ser feito gratuitamente. Basta baixar o aplicativo na Google Play . Ele acredita na sua popularização: “Queremos que ele se torne um teste padrão”.

Em entrevista a ÉPOCA, von Anh fala sobre o que espera para o futuro da educação. Para ele, o celular será peça essencial na instrução das pessoas dentro de alguns anos: “Há cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo que não tiveram acesso à educação de qualidade, e a maioria dessas pessoas vai possuir smartphones nos próximos dez anos. Por isso, acredito que a educação será oferecida através desses aparelhos”, diz ele. E fala sobre as vantagens de colocar a internet para trabalhar, voluntariamente, a seu favor.

ÉPOCA: O senhor já criticou os modelos de cursos disponíveis online hoje. Como a internet e as novas tecnologias podem mudar a maneira como aprendemos?

Luis von Ahn: O que os cursos oferecidos na internet fazem de errado é que eles basicamente pegam algo que é oferecido no mundo real, no mundo off-line, e colocam na internet. A gravação de uma palestra é, geralmente, pior do que a palestra em si. Assistir em vídeo não é tão bom quanto estar ali, na vida real. Eles pioram algo que tinha certa qualidade. As coisas mais bem-sucedidas na internet são aquelas que conseguem ser melhores na internet do que no mundo real. O e-mail é um bom exemplo – ele é muito melhor, mais fácil e rápido do que mandar uma carta. Por isso fez sucesso. No caso dos cursos online, um vídeo de um curso é muito pior que o curso em si. Eles também não são muito convenientes – fazem você se sentar por horas para ouvir a uma palestra.

ÉPOCA: Como melhorar essa experiência?

von Ahn: Acho que o futuro está nos celulares. O uso de internet nos celulares já é maior do que nos computadores pessoais, e isso vai se aprofundar. No Duolingo, acreditamos que a educação deve ser oferecida através de celulares. Há cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo que não tiveram acesso à educação de qualidade, e a maioria dessas pessoas vai possuir smartphones nos próximos dez anos. Por isso, acredito que a educação será oferecida através desses aparelhos. Ou terá de ser. O formato em que isso será feito deverá ser o mais bem adaptado para os dispositivos móveis. Assistir a um vídeo no celular não costuma ser a melhor das experiências. As coisas que mais fazem sucesso nos celulares são os jogos. Por isso, a educação terá de se aproximar desse formato: parecer um jogo tanto quanto possível. É o que tentamos fazer com o Duolingo. Tentamos fazer com que ele pareça um jogo, seja muito interativo.

ÉPOCA: Essa forma de educação por celulares vai funcionar de maneira complementar ao ensino tradicional?

von Ahn: Acho que haverá uma mistura e essas duas formas serão complementares. Ferramentas como o Duolingo são ótimas para atingir pessoas que, tradicionalmente, não poderiam ser alcançadas pelos métodos tradicionais de educação. Há mais de 1 bilhão de pessoas no mundo sem acesso a escolas de qualidade. Essas pessoas serão incluídas por meio de plataformas como o Duolingo, através de seus celulares. Porque não há outras maneiras de incluí-las nesse universo. E há também aquelas pessoas que, hoje, têm acesso a formas tradicionais de ensino. Nesse caso, haverá uma mistura: algumas informações serão ensinadas por professores. Outras, por meio de computadores e aplicativos.

ÉPOCA: Vocês afirmam que o teste de proficiência do Duolingo, disponível a partir desta quarta-feira (23), é mais seguro a fraudes que as alternativas convencionais. Como isso é possível?

von Ahn: Nos testes convencionais, há duas falhas que precisam ser corrigidas. A primeira é a possibilidade de fraude de identidade. É preciso que a pessoa que será testada prove que é quem diz ser, que não mandou alguém para fazer o teste em seu lugar. E é também importante assegurar que não há ninguém ajudando quem será testado. No Duolingo, conseguimos evitar esse tipo de trapaça ao gravar tudo o que a pessoa faz usando uma câmera de vídeo. A câmera do smartphone grava o rosto da pessoa que está sendo testada, e o microfone do celular grava todos os sons do lugar. Mais tarde, um ser humano se encarrega de assistir à gravação para verificar todo o teste, de modo a assegurar que ninguém trapaceou. Esse sistema é mais seguro que os testes convencionais por duas razões. Primeiro que nos testes presenciais, em muitos lugares, é relativamente simples enviar alguém para fazer o teste no seu lugar. Basta dar seu passaporte para alguém parecido com você – e muitos usam passaportes com fotos de dez anos atrás – e a pessoa consegue fazer o teste em seu lugar. No nosso caso, isso é impossível. O teste inteiro é gravado e, quando a pessoa entrega o certificado de proficiência [ao empregado ou à universidade], há um link com a gravação, mostrando o rosto da pessoa que fez o teste. É muito mais seguro que uma simples foto de passaporte. Outra forma comum de trapaça é subornar os encarregados do centro de testes. Isso acontece com frequência em países em desenvolvimento, onde o suborno é mais comum. Basta pagar ao funcionário que fiscaliza o teste. No caso do Duolingo, a pessoa que fiscaliza o teste está distante, inacessível.

ÉPOCA: Para fazer o teste, basta um smartphone?

von Ahn: Basta ter acesso à internet. Para fazer o teste, você usa um celular Android equipado com câmera frontal, ou um computador. O teste também está disponível para navegadores da web.

ÉPOCA: Quão difundido o senhor acha que o teste será? O objetivo é torná-lo tão popular quanto o Toefl, por exemplo?

von Ahn: Queremos que ele se torne um teste padrão. Estamos fazendo algumas coisas para tornar isso possível. Para começar, temos uma parceria com uma universidade, a Carnegie Mellon. E estamos conversando também com as 25 melhores universidades dos Estados Unidos. Todas elas mostraram interesse em nos aceitar. O motivo do interesse é que elas querem aumentar o número de estudantes de outros países, e perceberam que o Toefl cria uma barreira a isso. É caro e inconveniente. Estamos também conversando com algumas empresas. Já temos uma parceira, a oDesk – um grande site para encontrar trabalhos temporários. Como ainda não há muitas instituições que aceitam o teste, vamos oferecê-lo gratuitamente por certo período. Ele será gratuito pelos próximos meses, até que um número razoável de instituições passe a aceitá-lo. Nosso objetivo é que, ao menos no começo, as pessoas façam o teste e coloquem em seus currículos.

ÉPOCA: O teste é mais barato que as alternativas – são US$ 20, 10 vezes menos do que usualmente se paga pela certificação. Há outras vantagens?

von Ahn: Além de mais barato, o teste é também mais conveniente. Nos testes tradicionais, é preciso que você marque uma data com semanas de antecedência e vá até o centro de idiomas fazer a prova. Não há centros de testes em todas as cidades. Muita gente precisa viajar. Além disso, é preciso esperar algumas semanas pelo resultado. Tudo isso toma muito tempo. No nosso modelo, a pessoa pode fazer o teste a qualquer momento, sem precisar marcar hora. Se sentir vontade de fazer o teste às 3:00 da manhã, você pode. E não precisa ir a lugar algum. Outra vantagem é que seu resultado chega em 24 horas. Nas alternativas convencionais, você teria de esperar algumas semanas até fazer o teste, viajar até a cidade onde ele é aplicado, e aguardar mais algumas semanas para receber o resultado.

ÉPOCA: A prova dura cerca de 20 minutos. Bem menos que as duas horas dos testes convencionais. Como vocês conseguiram tornar o teste mais rápido sem que ele perdesse qualidade?

von Ahn: Conseguimos isso porque temos o Duolingo. O aplicativo é usado por 38 milhões de pessoas em todo o mundo. Por causa disso, aprendemos muito sobre as habilidades idiomáticas das pessoas. Conseguimos medir a velocidade com que uma pessoa responde a uma pergunta. E sabemos que, quanto mais rápido ela responde, mais ela sabe. O que fizemos foi aplicar todas as métricas de que dispomos e tudo o que aprendemos com as experiências desses 38 milhões de usuários na confecção do teste. Na nossa avaliação, usamos não só as respostas dadas, mas o tempo necessário para dar a resposta, por exemplo. Prestamos atenção se a pessoa hesita ao responder. Além disso, o teste é adaptável. Normalmente, testes de proficiência começam com dezenas de perguntas fáceis, passam para as questões de nível médio e então para as difíceis. É assim que tentam descobrir em que nível a pessoa está. No nosso teste, começamos com uma questão de nível médio. Se a pessoa acertar, são feitas perguntas mais complicadas. Uma vez que a pessoa acertou a pergunta de nível médio, supomos que ela é capaz de responder às perguntas mais fáceis. O teste fica mais rápido porque a pessoa não precisa passar por todas as questões.

ÉPOCA: O senhor já disse que os usuários do Duolingo pedem que novos cursos sejam criados o tempo todo. Como atender essa demanda?

von Ahn: Nós sempre tentamos tornar mais e mais línguas disponíveis. E paramos de tentar fazer isso nós mesmos. Agora é feito pela comunidade Duolingo. São os nossos usuários que adicionam novos idiomas à plataforma. Eles podem fazer isso através de um site que criamos há cerca de seis meses, a “Incubadora Duolingo”. Ali, qualquer um pode se inscrever para criar um novo curso para o aplicativo. Há, pelo que lembro, cerca de 40 novos cursos sendo inteiramente desenvolvidos por essa comunidade de usuários. Na semana passada, por exemplo, lançamos o curso de holandês.

ÉPOCA: Basicamente, o senhor colocou a internet para trabalhar para você, de graça.

von Ahn: [ risos] É, em certo sentido foi isso que fizemos. Mas as pessoas fazem isso espontaneamente porque acreditam no nosso trabalho. Trata-se de ensinar idiomas gratuitamente. É algo que, no passado, custava caro. As pessoas acreditam na nossa missão. Por isso participam do projeto.

ÉPOCA: Você fez algo parecido com sua criação anterior, o ReCaptcha. De que outras formas essa ideia, de colocar as multidões da internet para trabalhar, pode ser usada para criar benefícios econômicos e educacionais?

von Ahn: Pensando no Duolingo, o que eu vejo é que nós não temos recursos para ensinar todos os idiomas. Há um grupo da nossa comunidade que começou a trabalhar em um curso de língua Miami (uma língua indígena dos Estados Unidos). Um curso de língua Miami não faz o menor sentido do ponto de vista financeiro, do ponto de vista do negócio. Não há dinheiro suficiente para ensinar esse idioma. Mas o curso vai existir porque há algumas poucas pessoas apaixonadas por essa língua. É essa a beleza de plataformas como o Duolingo. É possível criar coisas que jamais existiriam porque não fazem sentido econômico.

ÉPOCA: Com o Duolingo, o senhor criou um modelo de negócios baseado na venda de traduções para sites com grande tráfego, como CNN e Buzzfeed. Quão importantes são esses serviços para a sobrevivência da sua empresa?

von Ahn: São essenciais. O Duolingo não é uma instituição de caridade. Acreditamos que o melhor que podemos fazer pela educação é criar um modelo de negócios sustentável, que mantenha o acesso à educação gratuito para sempre. Essas traduções são essenciais porque são elas que permitem que o Duolingo seja gratuito. Por ora, apenas CNN e Buzfeed usam os nossos serviços. Não adicionamos novos clientes porque decidimos, por enquanto, focar na parte da educação. Nossas traduções funcionam, mostramos isso, e podemos aceitar novos clientes a qualquer momento. Mas, por enquanto, queremos nos concentrar em melhorar nossos serviços de educação.

ÉPOCA: O senhor já tentou aprender algum idioma usando o Duolingo?

von Ahn: Já. Mas o meu problema é que eu tento aprender muitas línguas de uma vez. Por exemplo [falando em português] ‘eu falo um pouquinho de português. Mas só um pouquinho’. Tento aprender muitas línguas e, no fim, acabo ficando meio confuso.




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