Por que ir à escola?

Por que ir à escola?

Bernard Charlot, professor titular emérito em ciências da educação da Universidade de Paris, aborda a relação dos alunos com o saber

Muitos estudantes, desmotivados com a escola que frequentam, devem se perguntar com frequência: por que e para que ir à escola? Em busca de respostas para essas questões, o professor titular emérito em ciências da educação da Universidade de Paris, e professor visitante na Universidade de Sergipe, Bernard Charlot, participou hoje (24/05) de um talk show na Educar Educador 2014 e Bett Brasil 2014, que teve como tema a relação dos alunos com o saber.

Para começar sua apresentação, o especialista, que vive no Brasil há 10 anos, buscou o ponto de vista do professor e fez algumas perguntas que considera fundamentais. “Quando vocês vão à escola pela manhã, o que têm em mente? ‘Que sorte, vou contribuir mais um dia para formação da juventude brasileira?’ Ou será que vocês pensam que terão que aguentar mais um dia essas ‘pragas’? Essas questões são importantes porque mudam a forma como você vai ensinar. A questão fundamental não é pedagogia tradicional ou pedagogia construtivista”, destaca.

Em seguida, ele partiu para o sentido de o aluno ir à escola. “O que eu quero saber, do ponto de vista pedagógico, é qual o sentido de ele estudar ou se recusar a estudar”. Segundo ele, as crianças gostam de ir à escola, porque lá estão seus amigos. “Eles também gostam de saber. O problema é que têm que aprender”.

Para exemplificar, ele citou um adolescente francês que disse a ele que gostava da escola – só não gostava dos professores e das aulas... “E Muitos jovens pensam assim mesmo. Diante disso, cheguei a minha equação pedagógica, que é simples de dizer e um pouco mais complicada de resolver: aprender é igual a atividade intelectual + sentido + mais prazer. Se não tiver atividade intelectual, não vale a pena”, afirma Charlot.

Útil x importante
Segundo ele, ao contrário do que acha o aluno, não é o professor que coloca o saber na cabeça do estudante, ele apenas ajuda. O problema do professor é “o que posso fazer para que o aluno faça?”, pois é o estudante que deve fazer o trabalho de atividade intelectual. “Mas não se fica em uma atividade intelectual que não faça sentido. É claro que não se aprende sem esforço, e o esforço também pode ser feito com prazer. A questão é que esse esforço faça sentido”, destaca.

De acordo com Charlot, a questão didática que temos que enfrentar é a diferença entre o que ele chama de eu empírico e o eu epistêmico. O eu empírico é a criança, o adolescente, o eu da vida cotidiana. O eu epistêmico é o do pensar. “Por exemplo, muitas vezes o professor diz para o aluno ‘diga o que você pensa’, mas como fazer para pensar? É uma coisa que não explicamos aos alunos. Essa é a questão fundamental do ensino médio. Alguns alunos não sabem o que significa pensar.”

Segundo ele, esses estudantes não sabem o que o professor espera, e dão sua opinião. E dar a opinião não significa pensar. “Os alunos não sabem o que significa pensar porque os alunos não têm oportunidade de ver o professor pensar. O professor pensa antes de entrar na sala, ao preparar a aula em casa”, destaca.

O especialista também convocou os professores a “sair da mentira de que ensinamos coisas úteis”. “Ensinamos também coisas úteis, mas também muitas coisas sem importância. Gramática não serve para nada, mas não estou dizendo que não se deve ensinar. Gramática é importante porque o homem tem linguagem e aprender sobre a linguagem é aprender uma coisa humana fundamental. Temos que juntar o ensino útil para o eu empírico com o ensino importante para o eu epistêmico”, acredita.

http://www.educar.editorasegmento.com.br/materia/9320/por-que-ir-a-escola

A escola escanteada

Cresce o número de pais que preferem educar os filhos fora do ambiente escolar por considerá-lo "pobre" e "ineficaz"; projeto de lei pretende regulamentar a prática no Brasil

Udo Simon

Rayssa Coe

Alexandre diz que aos 3 anos Luísa já estava totalmente alfabetizada em português. Além disso, a filha estuda inglês pela internet

Até onde vai o direito da família de escolher o tipo de educação que quer dar a seus filhos? A discussão, antiga no Brasil e em diversos outros países, pode esquentar por aqui. Ao mesmo tempo em que tramita um Projeto de Lei para regulamentar a prática do homeschooling no país, aumenta o número de famílias que aderem à educação domiciliar, mesmo fora da lei. O próprio ambiente escolar tem contribuído para isso: as motivações pedagógicas e as alegações de que o ensino regular ou o ambiente de aprendizado convencional é pobre e ineficaz são algumas das justificativas dos pais brasileiros que optam pela educação em casa. Mas, e o efeito dessa prática na aprendizagem dos alunos?

Com 37 anos de profissão, a doutora em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RGS), Helena Sporleder Cortes, destaca que o ensino não é apenas o ato de aprendizagem em sala de aula. "É aprender a ser cidadão. A conviver com o outro. É saber, ter, fazer e conviver, como nos lembra a Unesco em seus preceitos sobre educação", enfatiza Helena.

Para a professora, por mais competentes que sejam os pais nesse processo de ensino apartado da escola, ensinar é uma prática e exige formação. "Quais serão os critérios de supervisão? Qual será a competência necessária dos pais?", questiona-se Helena sobre o tema. Isso, sem contar com o fato de a educação contribuir para a construção da identidade da criança. "Numa escola, o colega em sala de aula é seu par horizontal; os adultos são a relação vertical, de hierarquia, dinâmicas fundamentais na formação", completa.

O que diz a lei
Atualmente, no Brasil, pais ou responsáveis por crianças que não estejam regularmente matriculadas na Educação Básica estão sujeitos a punições como multa e perda da guarda dos filhos.

Não matricular crianças no ensino fundamental, dos 6 aos 14 anos, é considerado abandono intelectual­ pelo Código Penal Brasileiro. O artigo 246 prevê que: "Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: a pena é de detenção, de 15 dias a um mês, ou a aplicação de multa".

Pela Constituição brasileira é dever do Estado e dos pais ou responsáveis garantir o ensino regular às crianças e aos adolescentes de 4 a 17 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), alterada recentemente para a matrícula a partir dos 4 anos, reforçam a obrigatoriedade.

Segundo a advogada da organização Ação Educativa, Ester Rizzi, as decisões judiciais concedidas no Brasil em relação a esse caso costumam variar entre: autorizar o homeschooling, determinar a matrícula em escola regular, determinar uma multa ou destituir a guarda dos pais, transferindo as crianças para um parente/ abrigo. "Nunca vi ninguém ser preso por crime de abandono intelectual", diz.

Apesar de ser uma prática negada pela legislação brasileira, de acordo com dados da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), existem no Brasil mais de 800 famílias praticantes da educação em casa. No final da última década, eram cerca de 300. Minas Gerais é o estado com maior concentração de pessoas praticantes do homeschooling, com mais de 250 famílias. E a cidade de Governador Valadares concentra o maior número delas.

As famílias que, de fato, levam à frente a educação domiciliar utilizam a portaria do MEC nº 10 de 23 de maio de 2012 para evitarem as consequências legais. O texto determina que a certificação pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não pressupõe a frequência em escola pública para efeito de concessão de benefícios de programas federais. Qualquer pessoa acima dos 18 anos, tendo ou não frequentado a educação formal, está apta a obter certificação de conclusão do ensino médio se alcançar a pontuação necessária na prova do Exame.

O novo projeto
O Projeto de Lei 3.179/2012 pretende mudar esse cenário, descriminalizando a não matrícula. O texto deveria ser apreciado pela Comissão de Educação no final de abril. Geralmente, projetos de lei levam seis anos para passar por todos os trâmites da Câmara e do Senado antes de serem aprovados.

Autor do Projeto de Lei que regulamenta o ensino fora da escola, o deputado federal Lincoln Portela (PR/MG) diz ter se sensibilizado pelo fato de as famílias praticantes da educação domiciliar serem criminalizadas. "Precisamos garantir a essas pessoas o direito de exercer sua opção por educar seus filhos em casa. Ao fazerem isso, elas não estão negligenciando a educação. Estão adotando, apenas, um caminho", justifica.

Formado em Teologia e presidente da Igreja Batista Solidária, sediada em Belo Horizonte (MG), quando fala do assunto, Portela defende, insistentemente, que essa seria apenas mais uma modalidade de ensino. "O PL não é para colocar o ensino domiciliar como modelo único, dominante, de massa ou para se contrapor ao ensino formal, tradicional. É para criar possibilidades para os pais educarem seus filhos da maneira que considerem a mais adequada".

Quando questionado, contudo, sobre como é possível acontecer o convívio entre a educação formal e a domiciliar, por exemplo, como haveria fiscalização sobre esse modelo de ensino, ele ainda não tem respostas conclusivas. "Temos muito diálogo pela frente." E esboça o que poderia ser uma forma de fiscalização. "Avaliações do governo trimestrais, semestrais, ou anuais. Essas são questões que ainda precisam ser reguladas."

Resistência interna
O deputado Portela tem dois filhos, ambos advogados. Nenhum deles, entretanto, foi educado pelo modelo domiciliar. "Faltou tempo a mim e a minha esposa para assumirmos essa responsabilidade", comenta.

Alexandre Magno Fernandes Moreira tem dedicado tempo à educação de sua filha. Ele é bacharel em direito, professor universitário, procurador do Banco Central, mas trabalha hoje para o Ministério da Educação, onde atua na Coordenadoria de Licitação, Contratos e Convênios na área Jurídica. Alexandre é, também, o diretor jurídico da Aned, onde advoga, como enfatiza, pro bono (atividade voluntária). Autor de Homeschooling: uma alternativa constitucional à falência da educação no Brasil, de agosto de 2008, Alexandre é pai de Luísa, hoje com 4 anos de idade. "Aos 3 anos e meio ela pegou um papel e lápis e escreveu o nome dela", diz o pai-educador.

Alexandre tomou conhecimento desse modelo de educação quando Luísa tinha apenas meses de vida. "Passei, então, a alfabetizá-la, estimulando o contato com as letras", relembra. Mas a primeira resistência à possibilidade de educar a filha em casa foi demonstrada por sua esposa (hoje ex-mulher). "Houve certo desgaste, ela não aceitava nossa filha educada integralmente de forma domiciliar. Daí, optei por uma educação domiciliar complementar", relata.

Segundo o pedagogo e pesquisador Fábio Schebella, orientador pedagógico para as famílias interessadas e praticantes do ensino domiciliar, há uma grande variedade de motivos que levam alguém a decidir pelo ensino em casa. "Porém, há três eixos preponderantes. São eles: impossibilidade física e/ou geográfica de frequentar uma instituição escolar; a busca por uma qualidade educacional superior; e o desejo de instruir os educandos conforme as opções ideológicas, filosóficas, políticas e/ou religiosas da família."

Experiências Negativas
A pesquisa Escola? Não, obrigado: um retrato da homeschooling no Brasil, monografia apresentada, em 2012, por André de Holanda, sociólogo pela Universidade de Brasília (UnB), confirma a percepção. O estudo é uma pesquisa demográfica com mais de 60 pais que educam os filhos em casa no Brasil. A maioria considera o ambiente de socialização escolar nocivo e, nas entrevistas, todos citaram experiências negativas sofridas da parte dos filhos ou deles mesmos nas escolas (veja quadro na página anterior).

De modo complementar (mas não menos importante), relata André, aparecem as motivações pedagógicas e as alegações de que o ensino regular ou o ambiente de aprendizado convencional é pobre e ineficaz (não necessariamente segundo parâmetros religiosos e morais). André enfatiza, entretanto, que o método de amostragem utilizado não permite generalizações para toda a população de homeschoolers no Brasil. "No meio acadêmico, falamos que a amostragem foi por conveniência e que a pesquisa foi autosselecionada, ou seja, foram os próprios pais que decidiram se iriam ou não participar", explica.

Já no caso dos Estados Unidos - país com a maior população de estudantes domiciliares do mundo (veja box ao lado) - a principal motivação dos pais para tirar os filhos da escola é religiosa ou moral - 36% segundo a pesquisa de André, citando o National Center for Education Statistics. Em segundo lugar vem "preocupação com o ambiente das escolas regulares", com 21%.

Para Schebella, apesar de o Brasil enfrentar tantos problemas educacionais, a homeschooling não é, necessariamente, a saída definitiva para todos. "Cada família e cada educando possui demandas, características educacionais que precisam ser consideradas ao se optar pelo gênero e modalidade de ensino. Dessa forma, o ensino em casa pode ser a solução para um grande número de famílias, mas talvez não o seja para todas."

Par a professora Helena Cortes, o ensino domiciliar  ainda é inexpressivo no país, mas não invisível. "Como educadores temos de estar preparados para essa forma de ensinar [para um possível crescimento]", reflete.

À procura de um relator

O PL 3.179/2012 é de autoria do deputado federal Lincoln Portela (PR/MG). Em suma, acrescenta um parágrafo ao art. 23 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394, de 1996, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da Educação Básica. Apresentado em 8 de fevereiro de 2012, na Câmara dos Deputados, foi levado à Comissão de Educação e Cultura da Câmara para ser julgado. Em setembro, o deputado Maurício Quintella Lessa (PR/AL), seu relator, apresentou relatório final que deveria ter sido avaliado pelos demais membros da Comissão. Porém, antes de isso acontecer, Quintella saiu da relatoria do projeto para assumir o cargo de 3º secretário na Câmara. Com isso, a tramitação do PL ficou parada à espera de novo relator. "Agora, temos um nome para assumir a relatoria. Será o deputado Stepan Nercessian, do PPS do Rio de Janeiro", informa o deputado federal Lincoln Portela (PR/MG), contumaz defensor do ensino domiciliar.

 

Anglo-saxões lideram ranking

Segundo a pesquisa Escola? Não, obrigado: um retrato da homeschooling no Brasil, de André de Holanda, em pelo menos 63 países a homeschooling não é proibida expressamente por lei. Em muitos deles a legislação é vaga, em alguns, contraditória - sendo interpretada diversamente por juristas, políticos e famílias. Estima-se que a maior população de crianças educadas em casa esteja nos Estados Unidos - 2,04 milhões. Entre os países com maiores populações que praticam a educação domiciliar estão os anglo-saxões, aparecendo Estados Unidos, África do Sul, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia na lista das dez maiores. Há poucos registros de famílias praticantes nas Américas Central e do Sul e no continente africano. Nos países em que a educação domiciliar é proibida, há casos de pais multados, presos e que perderam a custódia dos filhos.

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/193/a-escola-escanteada-288372-1.asp




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