Tempo de escola nova

Tempo de escola nova

Em três anos, educação integral cresceu 139% no Brasil, mas ampliação ainda ocorre de forma desigual entre as etapas; formação docente e práticas isoladas são outros desafios

Isabela Morais

Em três anos, o número de ma­trículas na educação integral cresceu 139% no ensino funda­mental, como mostra o último Censo Escolar da Educação Básica. A ampliação da modalidade se tornou um dos carros-chefes do governo federal e a ideia encontra cada vez mais espaço entre os formuladores de políticas públicas. A meta seis do Plano Nacional de Educação (PNE), por exemplo, que segue em tramitação na Câmara, é oferecer educação em tempo integral em metade das escolas públicas brasileiras e atender um quarto dos estudantes da Educação Básica do país. Entre os desafios para sua implantação, entretanto, estão a formulação de um bom projeto, que atenda às demandas da comunidade, a articulação entre as ações isoladas nas escolas e a formação dos educadores para a modalidade.

Um dos grandes motivos para a expansão é o Mais Educação, criado pelo MEC com o objetivo de induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular segundo os preceitos da educação integral. A adesão ao programa cresce vertiginosamente desde 2007, quando foi lançado. Em 2008, cerca de 1.300 escolas participavam do programa, atendendo 386 mil alunos. Cinco anos depois, já eram 49 mil unidades participantes e cerca de 6 milhões de estudantes. Hoje, o Mais Educação está presente em 87% das cidades brasileiras - um crescimento de 8.700% em seis anos - e atende aproximadamente 10% dos alunos da Educação Básica.

Esse crescimento, no entanto, ocorre de maneira desigual. A maioria das experiências está no ensino fundamental, onde há a tendência a priorizar os anos iniciais. Já para o ensino médio, são raras as escolas com a modalidade, como aponta a pesquisa Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira, realizada por universidades públicas e privadas de cinco estados e do Distrito Federal em parceria com o MEC em 2009. Na época, o Mais Educação ainda estava em seu segundo ano, mas os resultados levantados apontam questões importantes para pensar a expansão. Tanto que o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), criado para estimular mudanças nessa etapa, ainda têm números incipientes em comparação ao Mais Educação: são 5,6 mil escolas em todos os estados. Para os especialistas, o ProEMI não decolou devido à estagnação do ensino médio em todo o país, o que levou o projeto a ficar "só no modelo".

Para o diretor pedagógico do Instituto Paulo Freire, Paulo Roberto Padilha, a proposta do Mais Educação é "belíssima", mas a prática brasileira ainda sofre com a falta de apoio sistemático das redes de educação. "Temos práticas muito bonitas e significativas, porém elas ainda estão isoladas com a ausência de uma política pública efetiva pela qual os municípios possam dar unidade àquilo que se faz nas escolas", avalia.

Outra crítica é a formação docente. De acordo com Padilha, muitas vezes os professores não sabem o que se passa na nova grade. "Eles veem uma atividade de capoeira, por exemplo, e não discutem com os alunos o que é aquilo. Uma escola de educação integral exige professores educados integralmente." Para isso, é preciso mexer na base: os currículos nas universidades devem adotar uma dinâmica mais próxima da realidade. Hoje, a educação integral invade os noticiários de todo o país, mas ainda é pouco discutida e trabalhada dentro das licenciaturas.

Reestruturação
Ressignificação do currículo, aproximação com a comunidade e organização dos espaços são apenas algumas questões a serem pensadas na implantação da educação integral. Pelos programas governamentais, as redes municipais ou estaduais e escolas têm autonomia para decidir como gerir as horas adicionais. Essa ausência de um modus operandi, à primeira vista, pode assustar gestores e diretores empenhados na missão de levar a seus espaços escolares atividades diversificadas. Mas há uma explicação - e ela surge do próprio conceito de educação integral, que não se limita à mera extensão da carga horária.

Alexandre Isaac, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), explica que a educação integral vai além da ampliação do tempo. "O grande objetivo é o desenvolvimento integral do aluno. Estamos falando em diversificar os espaços de aprendizagem, integrar o currículo e ampliar o universo relacional das crianças e adolescentes." Para os especialistas, trata-se de ultrapassar os aspectos da racionalidade e da cognição por meio de um modelo de ensino que também dá importância às dimensões afetivas, artísticas, sociais e físicas dos jovens. O centro dessa nova lógica de aprendizagem é o aluno e suas necessidades.

Carga horária
Embora a educação baseada na integralidade não dependa de um mínimo de horas para acontecer, a extensão da carga horária é, sim, importante. Sergio Martinic, vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade Católica do Chile, é especialista na relação entre tempo e aprendizado. Segundo ele, pesquisas provam que passar mais tempo na escola contribui para uma melhor aprendizagem. No entanto, há uma condição: "para que isso aconteça, o tempo deve ser preenchido com práticas pedagógicas atrativas e motivadoras para os estudantes", explica. Não é suficiente aumentar o horário, afirma, mas "mudar as práticas de ensino e organização do dia. Afinal, mais do mesmo só gera tédio e desinteresse".

Mas como a escola, já limitada, pode dar conta de uma formação humana tão complexa? Para isso, é essencial a inclusão de outros agentes no processo educativo. "É preciso somar atores na tarefa de educar, tirar o protagonismo da escola", ressalta Isaac. Assim, a educação não fica limitada ao espaço escolar, tampouco se centra na figura do professor como o detentor do conhecimento. Para Padilha, dentro dessa perspectiva, um bom projeto de educação integral só pode nascer a partir da leitura da comunidade na qual a unidade está inserida. "Só assim é possível definir quais são as expectativas dos alunos", diz.
Por isso, não há modelos a serem seguidos: cada passo deve ser dado de acordo com os desejos das crianças e adolescentes, sempre em diálogo com professores, diretores, coordenadores, familiares e parceiros da escola.

Comunidade
E é a demanda da população que explica, em parte, os números do crescimento da educação integral. Em pesquisa realizada pela Fundação Itaú Social em 2013, 90% dos brasileiros declararam que a modalidade é necessária. "Os números mostram que não é algo para  pensar depois, o momento é agora", diz Patrícia Mota Guedes, gerente da Fundação. O estudo também desmistificou a ideia de que o apoio dos familiares acontece porque com as crianças mais tempo na escola, os pais podem trabalhar sem preocupações: 50% dos entrevistados defenderam o modelo por acreditar que ele melhora o nível do aprendizado, 30% citaram a ocupação do tempo livre e 23% o afastamento dos jovens da criminalidade. "Os brasileiros reconhecem a melhoria da formação e a prevenção de comportamentos de riscos", ressalta Patrícia.

De acordo com Juarez Valadares, pesquisador do grupo Territórios, Educação Integral e Cidadania (Teia) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o olhar mudou. "Da dificuldade inicial dos pais em entenderem a modalidade, hoje existe outra ideia sobre o que significa uma escola de tempo integral. Eles a defendem porque veem seus filhos tendo acesso a bens que eles não tiveram", avalia. E os próprios jovens também anseiam por mudanças. 35% dos estudantes da Educação Básica brasileira consideram o que aprendem na escola inútil para suas vidas, segundo dados da Organização Ibero-Americana de Juventude. Em um levantamento entre pessoas de 18 a 24 anos, 84% dos entrevistados disseram sentir falta de locais onde possam aprender além de escolas e universidades. De acordo com Valadares, até os educadores estão saturados do tradicional. "Quando se cria uma escola de tempo integral, as unidades ao lado também começam a desejar isso. Existe uma indução que parte dos próprios diretores e professores, que não é só política."

Assim as experiências se espalharam, porém, há dificuldades em traçar um perfil detalhado da realidade, já que as práticas são tão diversas. "Há escolas que oferecem um turno com as disciplinas tradicionais e um contraturno com as atividades diferenciadas, enquanto outras preferem ofertar aulas regulares e oficinas integradas. Há unidades que contratam oficineiros, outras onde os professores são responsáveis por ministrar as atividades ou ainda locais onde as duas coisas acontecem simultaneamente. Existem redes com jornadas de sete, oito ou mais horas. Em alguns projetos os alunos permanecem o tempo todo na escola, já em outros eles circulam por outras instituições e lugares da cidade. Cada local, de acordo com suas especificidades, foi construindo projetos diferenciados", enumera Valadares.

Avaliação
A aprendizagem é outro ponto importante: os alunos que passam mais tempo na escola têm desempenho melhor? Na Prova Brasil, as escolas do Programa Mais Educação evoluem mais que a média nacional, segundo a Secretaria de Educação Básica do MEC. Para compor o estudo, foram selecionadas as médias de três grupos. O primeiro conjunto foi formado com as escolas onde todos os alunos estudam em tempo integral. O segundo grupo foi o das demais unidades envolvidas com o Mais Educação. Por fim, no terceiro grupo, estavam todas as escolas públicas do país. Depois, foi feita uma comparação da evolução em língua portuguesa e matemática, nas edições de 2007, 2009 e 2011 da avaliação. Apesar de as notas do primeiro e segundo grupos estarem abaixo da média nacional - o que pode ser explicado pela prioridade do Mais Educação para as escolas com menores índices de desempenho -, a diferença entre as escolas diminuiu, ou seja, os alunos da educação integral avançaram mais que os das escolas regulares.

Apesar disso, as avaliações da educação integral no Brasil ainda são inconsistentes. Se o objetivo é formar o aluno para além da cognição, como conhecer os ganhos nas áreas afetivas e sociais por meio de avaliações como a Prova Brasil ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)? Segundo Valadares, as redes municipais ou estaduais possuem seus próprios instrumentos de avaliação, mas ainda faltam pesquisas e estudos de nível nacional, com novos parâmetros.

Mais Educação

As escolas participantes do Programa Mais Educação, do MEC, devem adotar uma jornada escolar de no mínimo sete horas diárias, de segunda a sexta-feira, com atividades optativas em dez macrocampos. São priorizadas escolas de regiões de vulnerabilidade social e com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O financiamento é feito por meio da transferência dos ministérios envolvidos (Ministério da Cultura, do Esporte, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da Ciência, Tecnologia e Inovação) e sua operacionalização acontece através do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Os repasses para despesas de custeio e capital, em cota única, variam de R$ 3 mil a R$ 9 mil por escola, por seis meses. De acordo com a Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, as unidades participantes recebem outras transferências do governo, como os recursos para compra de kits para as atividades. No conjunto das ações, a soma pode alcançar R$ 40 mil por escola.

Além desses recursos, o valor da complementação do Fundeb para a educação integral é maior. O fator de ponderação para o ensino fundamental e médio integral é 1,30. Ainda assim, o valor é considerado baixo. O cálculo do Custo Aluno Qualidade inicial (Caiq), da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por exemplo, considera que o ideal seria cerca R$ 2.396,44. Além disso, para Padilha, do Instituto Paulo Freire, por mais que os gestores estejam adotando a educação integral como política pública, as redes ainda não perceberam a importância da ampliação dos recursos. "Quando, em esfera municipal, há mais recursos, eles costumam ser mal administrados. Falta um projeto centralizado."

"Os recursos em termos de custo por aluno são muito pequenos. O dinheiro oferecido pelo MEC não é, nem de longe, suficiente para viabilizar um projeto eficiente", complementa. Os recursos são repassados por intermédio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e destinam-se à aquisição de materiais, custeio de atividades e pagamento de transporte e alimentação dos monitores.



http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/38/tempo-de-escola-nova-311235-1.asp




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