Livro galego ensina literatura brasileira

Livro galego ensina literatura brasileira

Um livro galego para ensinar literatura brasileira na Europa

O conto brasileiro contemporâneo oferece narrativas de 21 produtores

Por Joám Manuel Araújo

 

O livro O conto brasileiro contemporâneo1 inclui relatos de 21 produtoras/es que se lançaram para o mercado literário do Brasil na derradeira década do século XX ou na primeira do século XXI. São Adriana Lisboa, Adriana Lunardi, André Sant’Anna, Bernardo Carvalho, Carola Saavedra, Cintia Moscovich, Cristovão Tezza, Fernando Bonassi, Ferréz, Flávio Carneiro, João Anzanello Carrascoza, Luís Augusto Fischer, Marçal Aquino, Maria Esther Maciel, Mário Araújo, Michel Laub, Michel Sanches Neto, Milton Hatoum, Ronaldo Correia de Brito, Tatiana Salem Levy e Tércia Montenegro. Entre as finalidades desta publicação está a de favorecer o ensino da literatura brasileira mais atual na Europa.

O volume está organizado de parceria por Carmen Villarino Pardo, professora de Literatura e Cultura Brasileira na Universidade de Santiago de Compostela, e por Luiz Ruffato, escritor brasileiro com projeção internacional2. Os 21 textos escolhidos permitem conhecer o conto brasileiro, e são representativos dessa produção literária brasileira mais atual. Inclui este volume uma presença ampla de escritoras e escritores do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, de Brasília, de Goiânia, do Ceará e Minas Gerais; alguns nomes com trajetórias muito consolidadas, outras menos conhecidas. As narrativas de Lunardi, Sant’Anna, Saavedra, Laub, Hatoum e Levy não foram editadas anteriormente em livro; as restantes sim, em volumes de diferentes formatos.

Como bem assinalam os organizadores da edição, no "Prefácio", nesta antologia encontramos "uma variedade de temas e estilos que convivem, como os seus autores e autoras nesta virada de século, num momento do sistema literário brasileiro em que é perceptível o crescimento do número de pequenas editoras, de blogues literários, de revistas literárias, de feiras e eventos literários ao longo do país em que a figura do escritor é central e que não se traduz, diretamente, num incremento no número de leitores/as".

Nas 21 narrativas deste livro deparamos com assuntos muito contemporâneos, como as ambições humanas, o enfrentamento da morte e suas conseqüências, a solidão, a solidariedade, a discapacidade e/ou falta de autonomia da pessoa, ou os diferentes caminhos do amor. Assim, em "Fantasia-improviso" (pp. 63-70) de Moscovich, jornalista e escritora, desenvolve-se uma bela e terna historia de amor entre uma mulher e um cego. Essa narrativa encontra-se muito distante do breve texto "Liberdade" (pp. 95-97), de Ferréz, autor da chamada "literatura da periferia", quem relata em primeira pessoa uma história de alguém que "me formei em homicídio, isso que é faculdade". E entre esses dois narradores o leitor depara com "15 cenas do descobrimento de Brasis" (pp. 87-92), de Fernando Bonassi (dramaturgo, cineasta, roteirista de cinema e televisão), quem à partida, na epigrafe, alude a uma "Reflexão" de Murilo Mendes e põe em diálogo, em quinze breves cenas, a História e a contemporaneidade do país. São três exemplos da surpreendente variedade e vitalidade dos textos que se incluem. Se houvesse de citar um denominador comum talvez valha a pena salientar as possibilidades de manifestação da comunicação do ser humano, porque essa comunicação está presente nos 21 relatos de maneiras muito diferentes, explorada por cada produtor/a com uma perspectiva particular.

Para além das valiosas informações do "Prefácio" (pp. 9-14) de Villarino e Ruffato, cada produtor é apresentado com uma fotografia e breves dados da sua trajetória, frisando os valorizados como principais títulos da sua produção literária, as traduções e projeção no estrangeiro. Destacam a docência e a comunicação social nas profissões. No final do livro inclui-se um "Glossário terminológico" (pp. 219-236), generoso e bem feito, que assina Laura Blanco de la Barrera (do Grupo Galabra, da Universidade de Santiago de Compostela).

Este volume tenta ser "uma coletânea bem selecionada para os professores e estudantes de literatura brasileira na Galiza e no restante da Europa", como assinala Ferreira no seu contributo da contracapa. Assim é, com efeito. O seu lançamento em Santiago de Compostela também serviu para favorecer um contato direto e um maior conhecimento entre produtoras/es de literatura da Galiza e do Brasil3.

Em 1974 a editora paulista Cultrix publicou um volume, organizado por Alfredo Bosi (nome central da historiografia literária brasileira), com o mesmo título que este, em que inclui 18 nomes4, muitos deles hoje consagrados nas Letras Basileiras do século XX. Acontecerá porventura o mesmo com boa parte destes 21 agora selecionados para este volume, de leitura muito recomendável.

Notas:

1 VILLARINO PARDO, Carmen & RUFFATO, Luiz (Org.), (2011), O conto brasileiro contemporâneo, Santiago de Compostela: Laiovento, 238 páginas.

2 A edição contou com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil através da Embaixada em Madrid. Neste belo produto colaboraram também Tadeu Costa, ilustrador da capa; e Claudiney Ferreira, jornalista e gestor da área de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural, autor do texto da contracapa. O lançamento aconteceu em Outubro de 2011 no decurso do IV Encontro Internacional Conexões Itaú Cultural – Diálogos Galiza-Brasil, em Santiago de Compostela, com presença de Villarino Pardo, Ruffato, Ferreira e de vários dos narradores.

Itaú Cultural (http://novo.itaucultural.org.br/) é uma entidade privada brasileira ligada ao Banco Itaú, que tem uma função em termos de incentivo para a cultura muito forte, e uma implantação muito importante no Brasil, onde organizam desde a Enciclopédia Visual das Artes, a Enciclopédia da Literatura Brasileira (acessíveis online), e programas de incentivo para a literatura, para a cultura em geral, o jornalismo, a dança, o audiovisual... Estes programas têm como esfera o Brasil inteiro e, por vezes transcendem internacionalmente, como é o caso do projeto Rumos Literatura. Dentre desses projetos há um, Conexões, de que faz parte a professora galega Carmen Villarino Pardo desde há anos, que tenta um mapeamento internacional da Literatura Brasileira, que visa fazer uma importantíssima base de dados de todas aquelas pessoas que no mundo trabalham sobre literatura e cultura brasileiras, e organizam encontros em que pesquisadores, tradutores, editores, agentes literários... se juntam e discutem esse trabalho. A primeira edição desse encontro foi em São Paulo em 2008, a segunda no Rio de Janeiro em 2009, houve outra em Madison (Estados Unidos), com uma fórmula diferente, pois só participaram escritores, e em outubro de 2011 por vez primeira o projeto saiu para a Europa com a celebração do encontro em Santiago de Compostela em que aconteceu o lançamento deste livro (recém saído dos prelos na altura). Este acontecimento teve importante repercussão na comunicação social e nos meios culturais brasileiros, e mesmo foi transmitido em direto via Internet, através do Consello da Cultura Galega e do Itaú Cultural.

3 Vale a pena referenciar como quase a metade das/os autoras/es deste livro (Carvalho, Lisboa, Moscovich, Aquino, Tezza, Levy e Luchesi, para além de Ruffato e Ferreira) estiveram fisicamente na Galiza e participaram em atividades públicas. Isso foi favorecido sobretudo por quatro acontecimentos organizados em Santiago de Compostela: Galego no mundo, Latim em Pó, em dezembro do ano 2000, na sequência do encerramento da capitalidade cultural européia da cultura em Santiago de Compostela; Brasil, 500 anos, promovido pela Cátedra UNESCO da Universidade de Santiago de Compostela, com ensejo dessa efeméride; o VIII congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, celebrado por esta instituição no ano 2005; e este encontro de 2011 no Consello da Cultura Galega.

4 Nomeadamente Guimarães Rosa, Moreira Campos, José J. Veiga, Bernardo Élis, Murilo Rubião, Otto Lara Resende, Lygia Fagundes Telles, Osman Lins, Nélida Piñon, Dalton Trevisan, Autran Dourado, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Luiz Vilela, Ricardo Ramos, João António, Moacyr Scliar e Samuel Rawett. Comparar as duas antologias é mais uma possibilidade valiosa para o aproveitamento didático nas aulas de Literatura Brasileira.

 

http://www.pglingua.org/opiniom/6032-um-livro-galego-para-ensinar-literatura-brasileira-na-europa




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