Para onde foram os sindicatos?
O movimento manteve o número de filiações, deslocou-se para o Nordeste e chegou ao poder. Mas como reage à nova morfologia do trabalho?
Matheus Pichonelli
Capa do livro 'O Continente do Labor', do sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes. Ele participou do debate sobre os sindicatos durante a Anpocs
Para onde foram os sindicatos? A pergunta reuniu, na quinta-feira 26, os professores Iram Jácome Rodrigues (USP), Ricardo Antunes (Unicamp) e Adalberto Cardoso (IESP-UERJ) para uma mesa redonda do 37º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo.
A primeira resposta foi esboçada por Jácome Rodrigues, professor da Faculdade de Economia da USP. Ele apresentou números preliminares de um levantamento que mostra um deslocamento dos sindicatos e trabalhadores sindicalizados dos grandes centros industriais do Sudeste em direção o Nordeste, a maioria deles trabalhadores rurais ou servidores públicos. O estudo, ainda em fase de conclusão, sugere uma alavanca dos sindicatos a partir das políticas de transferência de renda e criação de postos de trabalho na região durante os governos Lula e Dilma.
Crise? Diferentemente do que se imagina, o número de profissionais sindicalizados não tem caído no Brasil. Ainda assim, segundo o sociólogo Adalberto Cardoso, “o movimento sindical brasileiro vive um aparente paradoxo”. O professor apresentou números que, segundo ele, contestam a ideia de que as entidades representativas sofrem uma crise de atuação nos tempos atuais. “Se tomarmos as taxas de filiação sindical, os resultados das negociações coletivas, as taxas de greves ou a presença de sindicalistas nas esferas de representação política (o parlamento ou a administração estatal), o que se vê, em lugar da crise, é um movimento consolidado e atuante”.
Segundo o professor, se considerada o total da população ocupada adulta, a taxa de sindicalização hoje é de 17,4%, a mesma registrada em 1988, auge do sindicalismo no País. para exemplificar a atuação ativa, ele citou os protestos de 11 de junho, quando os sindicatos levaram 100 mil pessoas às ruas de todo o país em plena quinta-feira para pedir a redução da jornada de trabalho e do fator previdenciário.
“Os sindicatos não perderam a capacidade de ação coletiva. Em 2012, ocorreram quase 900 greves no país, 75% delas vitoriosas.”
Em 2012, citou Cardoso, 94,6% das negociações coletivas tiveram reajuste acima da inflação.
O especialista contestou ainda a ideia de que os sindicatos foram cooptados pelo governo, abandonaram “as energias utópicas” da revolução e se tornaram apenas pragmáticos. Segundo o professor, a crise do Estado do Bem-Estar Social é “multidimensional” e desatou a crise da ética do trabalho assalariado. A lógica do neoliberalismo, afirmou, passou a privilegiar a ética da acumulação, o empreendedorismo individual e a lógica da meritocracia e da competição pequeno-burguesa.
Em meio a este processo, a trincheira do movimento sindical é contra a diminuição dos direitos trabalhistas adquiridos, no Brasil, durante a era Vargas. “A utopia brasileira é a utopia do trabalho assalariado regulado.” Essa utopia, disse, se materializou com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. O aumento no número de assalariados com carteira assinada coincidiu com a inclusão de sindicalistas ao primeiro escalão do governo, como Luiz Marinho, Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner. “Acho estranho, portanto, que se trate como cooptação ou crise do sindicalismo uma história de sucesso de um projeto político. Pode-se gostar dele, pode-se criticá-lo, mas essa crítica não leva em conta que a utopia brasileira, a utopia real, vivida por gerações sucessivas, foi e segue sendo a utopia do trabalho assalariado regulado pelo Estado, a melhor das alternativas disponíveis.”
Crise, sim. Em resposta, o sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, afirmou: “Há uma crise sindical? Há. É terminal? Não. Mas é profunda”. Segundo Antunes, com a mudança do capitalismo a partir dos anos 70, mudou também a forma de atuação do sindicato. No período, houve uma reestruturação do processo produtivo no cenário global. A financeirização da economia se tornou o elemento de fundação decisivo da exploração dos trabalhadores. Como exemplo, citou que hoje, no Japão, 30% dos trabalhadores estão na informalidade. “No México, a mensagem do governo às empresas estrangeiras, em outras palavras, é: ‘Venham aqui porque aqui podemos explorar mais’.”
A lógica hoje, afirmou, é a expansão de empresas enxutas, com menos custos e mais chances de sobrevivência em um mercado trasnacionalizado. “A participação dos trabalhadores nas decisões das empresas só é bem-vinda quando o assunto é irrelevante.”
O modelo de trabalho nessa lógica criou o que ele chama de “precariado”. Enquanto isso, os sindicatos perdem força à medida que optam por negociar ou firmar parcerias, em uma linha de menor resistência, com o Estado. “Na Europa, o trabalho sujo que ninguém queria fazer agora é disputado a tapa. Há uma classe xenófoba em parte dos sindicatos na Europa para manter estes postos.”
Antunes contestou a ideia de que, sob o governo Lula, o movimento chegou ao poder ao lembrar que no período foram cooptadas entidades dispostas a ceder apoio a quem estivesse no governo independentemente do projeto. Caso, segundo ele, da Força Sindical.
“As manifestações evidenciaram a crise dos sindicatos na medida em que há uma nova morfologia do trabalho, um novo proletariado de serviços urbanos, dos trabalhadores do comércio, dos hipermercados, do callcenters. Nessa área de serviços urbanos que se mercadorizaram, que são mais ou menos novos, não se encontra representação forte nos sindicatos. Se você quer lutar contra a degradação da vida urbana, a mercadorização e a privatização do transporte, da saúde, os sindicatos estão muito fechados a essas questões.”
Segundo Antunes, o caminho natural para este esta revolta são as ruas. “As lutas sociais desde 2007, 2008, são a ocupação das praças públicas, numa maneira de dizer que o sistema político tradicional não nos representa. Isso tem sido assim na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio. Para além de todas as diferenças desses movimentos, ocupar o espaço público é um traço forte.”
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