O bom professor

O bom professor

 `O bom professor sabe controlar o tempo da aula`

Sergio Martinic

Camila Guimarães - Revista Época - 12/11/2014 - São Paulo, SP


O antropólogo da Universidade Católica do Chile diz que a má gestão do tempo de aula pelo professor prejudica o aluno


O professor brasileiro gasta, em média, 20% de seu tempo em sala de aula disciplinando seus alunos. Um pedido de silêncio aqui, uma bronca pela bagunça ali, mais o tempo gasto com tarefas burocráticas, como fazer a chamada, e lá se vão minutos preciosos que poderiam estar sendo usados para... ensinar. Em comparação com sistemas educacionais avançados,o Brasil tem péssimo desempenho em gestão de tempo em sala de aula, de acordo com uma pesquisa da OCDE, divulgada em junho, em 32 países. Na Finlândia, 81% do tempo de aula é usado para ensinar. No Brasil, 67%. O antropólogo e especialista em qualidade de educação chileno Sergio Martinic, vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade Católica do Chile, é um dos poucos estudiosos latinoamericanos do assunto. “Há uma relação importante entre a gestão do tempo de aula e o aprendizado dos alunos”, diz ele. Em seu mais recente estudo, ele percebeu que os professores mais bem avaliados da rede pública chilena têm a habilidade de controlar o tempo e entregar o básico: uma aula com começo, meio e fim.

ÉPOCA – Por que é importante analisar a gestão que os professores fazem do tempo em sala de aula?

Sergio Martinic - Diversos estudos mostram que a gestão do tempo tem relação com a aprendizagem. Não é uma relação direta. Não significa que mais tempo automaticamente melhora a qualidade do aprendizado. Mas uma boa administração dos minutos de uma aula, aliada a práticas pedagógicas e lições bem planejadas e bem organizada, produz melhor aprendizagem. Os estudos também mostram que existem diversos tipos de perda de tempo no ambiente escolar. Os dias de um ano letivo, por exemplo. Boa parte das vezes eles não são todos cumpridos. Os professores faltam, há muito eventos sociais que substituem o tempo que deveria ser usado para ensinar. E há o tempo das aulas efetivamente. Aqueles 45 minutos em que o professor precisa ensinar uma lição de determinada disciplina. Esses minutos também não são usados integralmente para instruir os alunos. Gasta-se muito tempo com coisas como disciplinar os alunos ou outras atividades não vinculadas com o processo de ensino e aprendizagem. A questão da gestão do tempo afeta principalmente a escola dos setores mais pobres. É onde temos mais problemas com professores faltosos, com falta de treinamento desses professores e com a disciplina. O problema deve ser levado em consideração quando se fala em melhorar a qualidade da educação dos menos favorecidos.

ÉPOCA – É uma habilidade, então, desejável em todo professor?

Martinic - Um bom professor tem que saber fazer uma boa gestão do tempo. Aqui no Chile, temos um ditado que diz “fui salvo pela campanhia” (“salvo pelo gongo”, em português). O que acontece muitas vezes é que o professor dedica muito tempo colocando a classe em ordem, disciplinando os alunos, depois gasta alguns minutos fazendo introdução do conteúdo da disciplina e o tempo de aula acaba antes que ele consiga fazer uma síntese ou um resumo – um recurso pedagógico importante para ensinar. A aula é interrompida, não há um fecho adequado. Isso é um problema de gestão de tempo. O professor pode não ter planejado bem a sua aula, de acordo com os minutos que tinha disponível, ou não conseguiu administrar imprevistos que surgiram ao longo da aula. E temos que assumir que sempre haverá imprevistos. Eles precisam ser dominados pelo professor e integrados ao espaço pedagógico, de forma que ele consiga cumprir seu objetivo no tempo adequado.

ÉPOCA – Isso é válido para qualquer tipo de disciplina ou série?

Martinic - Há algumas diferenças, especialmente entre as aulas de matemática e linguagem. O professor de matemática faz uma gestão de tempo da aula mais estruturada. Há o tempo das instruções para os alunos e depois os alunos trabalham em exercícios passados pelos professores. O tempo é organizado e segue uma sequência mais adequada. Já nas aulas de linguagem, há mais trabalhos práticos, os alunos participam mais oralmente das aulas, intervêm mais. A aula tem uma dinâmica diferente, com muitos falando ao mesmo tempo ou em grupos. Isso pode significar uma gestão de tempo mais complicada. O tamanho das turmas também interfere na forma de administrar os minutos. Turmas maiores tendem a dar mais trabalho.

ÉPOCA – No Chile, os professores de escola pública são obrigados a passar por uma avaliação. Ela inclui a gestão de tempo?

Martinic - Não. A aula dada pelo professor é avaliada em diversos aspectos de sua estrutura. Se a aula tem, por exemplo, três etapas: introdução do conteúdo, desenvolvimento das ideias e práticas e um encerramento, que é uma síntese do que foi ensinado. Uma aula bem planejada e executada tem que passar pelas três fases. O tempo, em si, não é avaliado. É difícil medir isso, essa gestão pode ser feita de formas diferentes e muito particulares, não há como avaliar isso com um critério comum.

ÉPOCA – Quais são os critérios da avaliação e como se chegou a eles?

Martinic - O sistema de avaliação docente no Chile existe desde 2003 e seus critérios foram elaborados em conjunto entre o ministério da educação, o sindicato dos professores, os gestores municipais e equipes técnicas de pesquisadores. Eles surgiram a partir do Marco para la Buena Enseñanza (Marco do Ensino de Qualidade, em tradução livre para o português), que reúne 30 critérios para dizer se o professor está bem ou não. Fizemos uma lei para respaldar esse Marco. Ficou definido ali, por exemplo, como o professor deve planejar aula, se ele tem domínio da estrutura da aula, se ela tem começo, meio e fim; é avaliado também se o docente tem domínio da turma, como ele interage com os alunos e com o ambiente pedagógico, se elabora provas adequadas para avaliar o aprendizado dos alunos. O professor passa por essa avaliação periodicamente e sempre de acordo com as referências do Marco. É importante dizer que o sistema de avaliação docente chileno surgiu no contexto da reforma educacional dos ensinos básico e médio. Existem muitas mudanças importantes, geradas pela reforma educacional nos níveis básico e médio, levando a mudanças curriculares, que demandam um outro tipo de professor, mais bem preparado. Por isso, existe também uma mudança na formação universitária.

ÉPOCA – Como e por quem isso é feito?

Martinic - Isso é feito de diversas formas. O próprio professor monta seu portfólio e responde a perguntas que os fazem pensar sobre sua prática; suas aulas são gravadas e depois assistidas pelos avaliadores; e há também avaliações por outros professores e por seus superiores. O resultado disso classifica o professor em quatro categorias de desempenho: destacado, competente, básico e insatisfatório. Essas categorias estão relacionadas aos indicadores de avaliação, que estão definidos no Marco. As pessoas conhecem as categorias e os indicadores, tudo está explícito. Quem avalia é o ministério da educação, que contrata equipes técnicas das universidades para executar a avaliação.

ÉPOCA – Os resultados são divulgados publicamente?

Martinic - Sim, mas agregados em gráficos. Publica-se a tendência: quantos professores foram bem avaliados, quantos estão em nível intermediário, quantos foram mal etc. Cada professor recebe uma carta que detalhe sua avaliação individual, em que aspectos foi bem e no que foi mal.

ÉPOCA – A avaliação docente melhorou a qualidade do professor chileno?

Martinic - No geral, não houve muitas mudanças. A cada ano são avaliados diferentes professores e os comportamentos são parecidos. Há cerca de 150 mil professores chilenos e cerca de 130 mil estão efetivamente avaliados. Há menos professores classificados nos extremos, os destacados e insatisfatórios. A maioria fica entre competente e básico.

ÉPOCA – As faculdades de pedagogia no Chile são concorridas?

Martinic - Para entrar na faculdade de pedagogia, o candidato precisa passar por uma prova seletiva de aptidão e conhecimento. Em geral, há boa demanda de estudantes, porque existe uma política especial que oferece bolsas de estudo aos candidatos que precisam de auxílio e pontuam bem no vestibular.




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