O segredo é a pedagogia

O segredo é a pedagogia

O governo de Minas Gerais faz de sua Educação Básica a melhor do país - com base em avaliações de desempenho e programas de meritocracia

Fonte: Revista Época - 27 de abril de 2014

A Escola Estadual Duque de Caxias, numa rua estreita e tranquila no Barreiro, região industrial a 15 quilômetros do centro de Belo Horizonte, passou por um momento difícil. Em 2008, o governo resolveu demolir a casa pré-fabricada em que ela estava instalada, para construir um prédio novo, de alvenaria, em seu lugar. Até a construção acabar, dois anos depois, a Escola teve de funcionar numa estrutura provisória, de madeira compensada, onde ficava a quadra de esportes, com espaço apenas para as salas de aula, a cantina e os banheiros. Apesar das condições adversas, a Escola conquistou um resultado excepcional. Em 2009, no meio da obra, obteve um índice de 7,5 (numa escala de 0 a 10) no Ideb, o indicador que mede a qualidade de Ensino no país. Ficou em primeiro lugar entre as Escolas estaduais da Grande BH. "Não são as paredes que trabalham, somos nós", diz, orgulhosa, a diretora Maria Eliza Resende, de 48 anos, há 23 no magistério. "Tínhamos o mínimo do mínimo, mas o mais importante era a criança aprender."

Com o término da construção, o dia a dia da Escola, que atende 570 Alunos dos anos iniciais do Ensino fundamental (lº a 5º ano), voltou ao normal. As instalações do novo prédio, inaugurado em 2010, são apropriadas, mas modestas, como milhares de Escolas públicas do país. As salas de aula são convencionais, com lousas de giz e carteiras de ferro e fórmica. A quadra, devolvida aos Alunos, ganhou uma grosseira cobertura de aço. A pequena biblioteca tem três centenas de livros infantis e obras da literatura nacional, além de gibis para o recreio da criançada. Mesmo com essa estrutura simples, o desempenho da Escola voltou a superar as expectativas e mostrou que a conquista de 2009 não foi ocasional. No Ideb de 2011 (último resultado disponível), seu índice subiu para 7,7 e ficou bem acima das médias mineira, de 5,9, a mais alta do país, e da nacional, de 5,1. Isso lhe garantiu, mais uma vez, o primeiro lugar entre as Escolas estaduais na região de BH. "O Ensino não fica nada a dever às Escolas particulares", diz a dona de casa Márcia Elaine Lodi Cruz, de 45 anos, cujo filho Bernardo, de 9, cursa o 42 ano na Escola. "Estou muito satisfeita, mas o mais importante é que o Bernardo também está."

A Escola Duque de Caxias revela muito sobre os avanços alcançados em Minas Gerais nos anos iniciais do Ensino fundamental. O salto da Educação pública em Minas tem pouco ou nada a ver com investimentos em infraestrutura, como reformas de Escolas, computadores e laboratórios de ciências. Também não tem a ver com a adoção do regime de tempo integral - nos anos iniciais do fundamental, quase todas as Escolas estaduais continuam a funcionar em regime de meio período. O segredo do sucesso, segundo a secretária estadual de Educação, Ana Lúcia Gazzola, ex-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi a adoção de um sistema chamado Programa de Intervenção Pedagógica (PIP)."No Brasil, o investimento em Educação está muito voltado para equipamento, material, instalação física", afirma Ana Lúcia. "Em Minas Gerais, o foco é a pedagogia."

Adotado nos anos iniciais do fundamental em 2007, o PIP é um sistema de apoio ao desenvolvimento de Alunos e Professores, com base nos resultados do Ideb e principalmente do Proalfa - exame aplicado só em Minas Gerais que avalia a capacidade de escrita, leitura e compreensão de texto de Alunos do 3a ano do fundamental nas Escolas estaduais. O PIP não mede apenas o desempenho de cada Escola, mas também de cada Aluno. Coordenado pela Professora Maria das Graças Pedrosa Bittencourt, o PIP faz uma espécie de "microgestão" da Educação em Minas, para tentar corrigir os problemas identificados nas duas avaliações. Para isso, conta com uma equipe própria, de 1.800 funcionários, contratados a um custo anual de R$ 32 milhões - um valor equivalente a 3% da folha de pagamentos da área de Educação em Minas, estimada em R$ 10,9 bilhões em 2014.

Ao menos uma vez por mês, segundo Ana Lúcia, um integrante da equipe do PIP, chamado informalmente de "piposo", visita cada uma das 2.189 Escolas estaduais que atendem os anos iniciais do fundamental. Ele discute os problemas de desempenho de Alunos e da Escola com Professores e diretores, propõe ações para superá-los e monitora a execução. Nos casos mais complicados, de acordo com Ana Lúcia, as visitas ocorrem a cada semana. "Não são visitas de cortesia. São reuniões de trabalho que, muitas vezes, duram quatro ou cinco horas", afirma. "Toda Escola tem um projeto pedagógico, ajustado e modificado ao longo do tempo, com base nos dados das avaliações."

Os resultados são expressivos. De 2006 a 2013, o índice de Alunos no nível recomendável de Alfabetização e compreensão de texto nas Escolas estaduais quase dobrou, de 48,6% para 92,3% do total. Em 2012, graças ao sucesso obtido em sua fase inicial, o PIP foi estendido aos anos finais do fundamental (6º ao 9º ano) na rede estadual, já classificada em 22 lugar no Ideb de 2011, atrás apenas de Santa Catarina. No ano passado, o PIP chegou a 100% das 5.968 Escolas municipais mineiras — por adesão voluntária ao sistema dos prefeitos dos 853 municípios do Estado. "A base sustenta o edifício todo", diz Ana Lúcia. "Não dá para começar pela universidade. É preciso começar lá embaixo, pelos anos iniciais."

Com os avanços no Ensino básico, o governo mineiro decidiu atacar também o Ensino médio, 3º colocado entre os Estados no Ideb de 2011. Lançou em 2012 o programa Reinventando o Ensino médio. Ele torna o currículo Escolar mais flexível e mais atraente aos Alunos. Para tentar conter a evasão no ciclo médio, o governo mineiro lançou outro programa, batizado Poupança Jovem. Ele oferece um estímulo financeiro para os Alunos permanecerem na Escola. Por meio desse programa, inicialmente restrito a nove cidades que lideram a lista de evasão no Estado, cada Aluno recebe R$ 1.000 por ano de curso, numa caderneta de poupança aberta em seu nome. Somando os três anos de Ensino médio, cada Aluno pode ganhar um total de R$ 3 mil. O dinheiro só pode ser sacado após a conclusão do curso. Em 2013, o governo mineiro pagou R$ 33 milhões aos 11 mil Alunos que concluíram o ciclo.

Além do PIP, o salto de Minas deve-se, segundo a secretária Ana Lúcia, à ampla capacitação de Professores e gestores da Educação. Ela diz que, todos os anos, o governo promove um congresso de boas práticas educacionais, que inclui um programa de imersão num hotel fazenda. Também é comum fazer encontros regionais com inspetores, superintendentes de Ensino, diretores e Professores. Em 2012, o governo estadual inaugurou um centro de formação e desenvolvimento de Educadores, o Magistra, chamado de "Escola da Escola". Instalado na Gameleira, em BH, onde ficava a sede da Secretaria de Educação, o Magistra deverá ter um centro de hospedagem para 400 pessoas, além de um auditório multimídia e uma cafeteria. "É um sistema de retroalimentação permanente", afirma Ana Lúcia.

A política educacional está ancorada num plano de longo prazo, na definição de metas anuais e na busca por resultados. Dependendo do cumprimento das metas em cada Escola, os Professores e diretores podem ganhar até um salário a mais por ano. Os Professores são avaliados pelas diretoras das Escolas, com base no desempenho dos Alunos e em metas individuais de desenvolvimento profissional. Essas avaliações, validadas pelos superintendentes de Ensino, determinam, hoje, as promoções e a progressão na carreira.

Em 2011, ao propor a incorporação ao salário-base de benefícios concedidos no passado aos Professores, para facilitar a gestão da folha e implementar a meritocracia e o sistema de gestão por resultados, o governo mineiro desagradou a parte da categoria. Uma greve durou 112 dias. Apesar das críticas, a mudança acabou aprovada e adotada em todo o Estado. Outro revés aconteceu em março deste ano. Ao julgar uma ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional uma lei estadual de 2007, aprovada na gestão de Aécio Neves, que efetivou sem concurso público cerca de 98 mil servidores, quase todos vinculados à Secretaria de Educação - entre eles, 50 mil servidores da área de magistério, cerca de 30% do total de Professores do Estada "O Supremo Tribunal Federal toma decisões soberanas. Não cabe discuti-las, mas apenas cumpri-las", diz a secretária Ana Lúcia. "Trabalhamos para que isso não afete o funcionamento regular do sistema estadual de Ensino." Dada a filosofia correta e os bons resultados obtidos, seria realmente uma pena.

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