Visita à Escola da Ponte

Visita à Escola da Ponte

Alguns sentimentos sobre uma curta visita à Escola da Ponte

Visitei a famosa Escola da Ponte e a pedidos vou compartilhar algumas observações rápidas sobre essa experiência, que gostaria muitíssimo que fosse comum à tod@s colegas trabalhadores(as) em educação.

Antes de tudo é muito importante lembrar o que sempre fala José Pacheco, um dos construtores do projeto Fazer a Ponte, não se deve olhar aquela experiência no intuito de copiar ou de enxergar ali um modelo a ser seguido de forma hermética, mas creio que sim como uma inspiração ou como alternativas possíveis diante de um mar de mesmices que parecem não ter saída. A Ponte é a prova de que alternativas são possíveis e necessárias.

Eu e um grupo de educadores(as) fomos recebidos para apresentação da escola por integrantes de uma comissão de estudantes “responsáveis” pela tarefa. Ressalto o termo entre aspas, pois boa parte do funcionamento da escola está baseada em responsabilidades dos seus construtores. Pena não ser permitido fotos no local para ilustrar o tamanho do impacto. Um dos estudantes não devia ter mais de 11anos e o outro no máximo 15 anos de idade. Nos explicaram detalhes do funcionamento global da escola, sobre a organização, currículos e pedagogia empregada.

Nas salas os estudantes e professores(as) seguiam trabalhando normalmente enquanto passávamos, a exceção foi a pré-escola em que duas crianças de no máximo 5 anos levantaram de suas cadeiras e nos explicaram o funcionamento de suas tarefas, “responsabilidades”, e da sala, sem que as duas professoras presentes na sala falassem uma palavra sequer.

Cada estudante participa de um grupo, que pareceu ser sempre um trio, e ali trabalham, pesquisam, discutem, @s professores(as) ficam pela volta a espera de uma solicitação de intervenção ou explicação. Os planos de estudos são renovados a cada quinze dias. As salas são organizadas em torno de uma grande mesa, como na pré-escola ou com a turma dividida pelos grupos em várias mesas circulares que podem ser divididas em várias. Todas salas contam com alguma biblioteca e alguns computadores ficam a disposição. Em alguns casos vimos estudantes trabalhando neles e não para eles.

Tem aula expositiva? Um dos estudantes sequer entendia o que tentávamos perguntar. É pesquisa ativa, com muita discussão e interatividade individual ou em pequenos grupos com @s educadores(as).

Meus colegas brasileiros viciados, em sua maioria, em salas de aula que mais parecem cemitérios de tão silenciosas, ficariam atordoados com a movimentação frenética e discussões nos grupos que vimos e ouvimos. As salas pulsavam vivas de estudantes que estavam estudando mesmo. Livros, jogos, cadernos, tablets, celulares passavam de um lado para outro em meio a mesas cheias de papéis desenhados, cartolinas, pequenas esculturas, e tudo mais que parecia servir para algo ali. Isso se repetia em quase todos ambientes.

Mas então não tem conteúdo? Tem o mesmo das outras escolas de Portugal. Até os livros didáticos são os mesmos. A Escola da Ponte sempre está entre as melhores nas avaliações, embora as comparações sempre sejam duvidosas. Aprovam os estudantes nos exames externos normalmente e etc. A forma de organização é diferente, pois o ritmo dos grupos e dos estudantes é avaliado e estimulado pelos educadores(as) permanentemente, quase que de forma individual. O que é um desafio, e o que apesar de não ser admitido é o que mata de medo @s colegas em se jogarem em um projeto inovador, pois quebra uma suposta ordem linear do conhecimento, que na verdade não existe. Quem disse que ao dar matéria nova toda turma aprende? Na Ponte ninguém está só, o grupo tem responsabilidade de avançar junto e existem outros estudantes que auxiliam os com mais dificuldades. A função do professor é acompanhar, propor, esclarecer, ensinar, mas não comunicar conteúdos à esmo, pois estes podem ser acessados facilmente a qualquer momento em nossa sociedade informatizada. O objetivo passa a ser o desenvolvimento do pensamento crítico, da capacidade de se apropriar de conhecimento novo, de pesquisar, de buscar o novo, e não o de decorar temporariamente informações. Estimula a iniciativa intelectual dos educandos.

Então não tem prova? Tem avaliação sim! A avaliação pode ser prova ou outros métodos, como apresentações de trabalho, projeto de extensão ou outro. Quem define o momento é o estudante. Mas então não tem nota, é “parecerzinho” como diriam pejorativamente alguns? Tem nota por número, como na maioria de nossas escolas, porém a principal lógica de avaliação é diagnóstica, processual e permanente e não verificadora, classificatória e punitiva. Vi vários professores lendo textos escritos a mão, com computadores abertos, nenhum no Facebook, mas acompanhando tabelas e fichas individuais de estudantes

Mas nossos estudantes não estão prontos para isso! Falaria um cético. Porém, conversei com vários estudantes que foram de outras escolas para a Ponte, inclusive um brasileiro, que saiu do RJ. Todos foram unânimes em dizer que não tiveram qualquer dificuldade e que estão contentes.

Então os estudantes são selecionados? Sim, são. Para entrar na Ponte tem que ter tido algum problema em outra escola, ter sido encaminhado por indisciplina, dificuldades de aprendizagem, com deficiência, hiperatividade, ou algo que tenha gerado exclusão deste estudante em outra escola. Ou seja, a Ponte atende todos aqueles que corriqueiramente @s colegas classificam na sala dos professores como “os que não tem jeito”. Ao serem enviados para Ponte tornam-se alguns dos melhores do país. Interessante não? Será que tem algo errado com a leitura sobre “@s bagunceir@s” que corriqueiramente são feitas?

A simplicidade da estrutura é assustadora. Nada de grandes parafernálias tecnológicas. O principal material é o humano. Os estudantes são os protagonistas do seus destinos e a pesquisa ativa e a extensão, com orientação dos professores, são o centro pedagógico. Repito, nenhuma estrutura física ou parafernália tecnológica que não tenhamos em dobro nos IFs, por exemplo.

Toda sexta de tarde tem Assembleia de estudantes, onde se define quase tudo da escola. Principalmente as "responsabilidades" dos grupos de estudantes e tarefas que vão desde às apresentações da escola até a manutenção de horta e jardim. Existem comissões de estudantes para várias tarefas, inclusive para questões de indisciplina. A mesa da Assembleia age como uma espécie de Grêmio Estudantil e é eleita em eleições diretas, disputadas por chapas. É incrível a apropriação da escola pelos estudantes. A escola definitivamente é deles.

Não sou profundo conhecedor do projeto da escola da Ponte, conheço apenas alguns livros e os relatos de Pacheco sobre. Também não pude passar tanto tempo quanto gostaria lá dentro, para saber sobre as dificuldades e limites que certamente existem. Este pequeno relato é apenas um fragmento parcial de um pouquinho do que vi e senti lá. Uma inspiração minha para fazer algo diferente como educador.

No caso dos IFs não vejo porque não implementar novos métodos de ensino, a não ser os limites impostos por aqueles(as) que não querem sair da zona de conforto, ou não se animam a conhecer e buscar o novo, reconhecendo assim suas incompletudes humanas. No caso das demais escolas da rede pública até entendo as limitações da precariedade, cargas horárias excessivas, e etc, embora mesmo nessas condições seja possível fazer diferente, como temos visto em vários casos. Mesmo sabendo que a Ponte não é um modelo a ser seguido, o fato é que, como mais ou menos disse José Pacheco em algum lugar, estamos lidando com jovens do século XXI, em uma escola do século XX, com metodologias de ensino do século XIX, que não são ruins por serem velhas, mas por não estarem mais funcionando. Precisamos buscar algo e a Ponte nos leva à isso, pois não é a “Ponte para o futuro”, como me perguntou o colega Cláudio Fioreze, mas sim para um presente melhor.

 

Mário San Segundo   

 




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