Vilão da crise gaúcha
O funcionalismo não é o vilão da crise gaúcha
Os funcionários não são os responsáveis pela crise nas finanças do Rio Grande do Sul.
Nem a Previdência Social.
Nem a incompetência dos governos de esquerda. Nem mesmo dos de direita.
Tem ideólogo querendo transformar o Estado numa Grécia para diminuir o valor das aposentadorias atuais.
Seria um crime político, um abismo de insensibilidade social e uma forma de botar fogo no Estado.
A mesma ideologia prega o aumento do tempo de contribuição, ou seja, de anos trabalhados pelos funcionários.
Uma professora teria de trabalhar 30 anos em vez de 25 anos para se aposentar. Ou mais.
Esse tipo de mudança depende de legislação federal.
Os verdadeiros vilões, os responsáveis pelo rombo das contas do Rio Grande do Sul são outros, todos com nome e sobrenome: a Lei Kandir, os incentivos fiscais a empresas e os juros exorbitantes da dívida com a União.
A Lei Kandir, aprovada em 1996, acabou com uma das principais fontes de receita do Estado: o ICMS sobre produtos primários e semielaborados para exportação. A União fez isso para melhorar os dados da balança comercial. Prometeu compensações.
As compensações pingam raramente. O Pará perdeu 20 bilhões de lá para cá.
Os incentivos fiscais para atrair empresas fazem com que toda a “nova planta industrial” do Rio Grande do Sul nada recolha para os cofres públicos. Esse é o resultado mais expressivo da chamada Guerra Fiscal. Uma guerra em que todos perdem.
Salvo as transnacionais.
A dívida com a União é uma obra de Kafka. Em 1998, 25 Estados brasileiros deviam R$ 93,2 bilhões.
Em 2014, depois de pagar R$ 158 bilhões, eles deviam R$ 369,36 bilhões. Em 2015, já são R$ 423,4 bilhões.
Por quê? Quando se deu o acordo com a União, a partir de 1997, foi fixado um indexador de correção da dívida: o IGP-DI mais 6% a 9%. O IGP-DI é calculado a partir dos preços de matérias-primas agrícolas e industriais. Parecia um baita negócio.
Até 2012, contudo, o IPG-DI disparou 247%. Os devedores se ferraram. A União é a Angela Merkel dos seus Estados. Tirou a principal fonte de receita de Estados como o Rio Grande do Sul, com a Lei Kandir, e suga os recursos com os juros da dívida.
Em 2014, graças ao esforço do Rio Grande do Sul, a a dívida com a União foi renegociada. Passou-se do IGP-DI mais 6% para o IPCA (custo de vida das famílias) mais 4%. A lei foi aprovada. O Ministério da Fazenda, porém, caiu nas mãos do tucano Joaquim Levy, que se recusa a regulamentar a nova legislação. O prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad, foi à justiça exigir que a vigência imediata da lei. O mesmo fez o prefeito peemedebista do Rio de Janeiro.
Por que José Ivo Sartori não faz o mesmo? Porque não quer. Isso estragaria o quanto pior melhor?
Mesmo assim seria possível, sem a regulamentação da lei, mas em função dela, pedir novos empréstimos de até 2 bilhões.
É a chamada ampliação da margem fiscal. A regulamentação é necessária para quem tem ressarcimentos a receber.
Para novos empréstimos, no caso do RS, é só meter a cara.
Tarso Genro deixou pronta uma proposta de captação de recursos junto ao banco mundial.
Por que Sartori não a usa?
Porque tem outros planos.
Vale lembrar que privatizar leva tempo e exige plebiscito. Não menos de um ano.
Só a CEE, a Corsan e o Banrisul têm valor elevado.
Mexer na Previdência, criando uma previdência privada complementar, não terá efeitos a curto prazo.
Aumentar o ICMS só trará dinheiro novo em 2016.
Aumentar de 85% para 95% o uso dos depósitos judiciais dará uns R$ 900 milhões. Uma folha de pagamento.
Como produzir dinheiro novo?
Contando bem o que tem em caixa, usando os depósitos judiciais, pedindo novos empréstimos, combatendo a sonegação, revendo os incentivos fiscais, pressionando o governo federal a devolver o que tirou com a Lei Kandir, promovendo crescimento e fazendo política em Brasília para conseguir ajuda. Lula ajudou governos de oposição com dinheiro a fundo perdido.
No plano mais do que imediato, o dinheiro virá dos depósitos judiciais e, se necessário, de empréstimos no Banrisul.
O governo anterior obteve mais de cinco bilhões em financiamentos.
Sartori é um homem sensível. Pode estar sendo influenciado por algum mau conselheiro.
Um Estado não é um empresa nem uma pessoa que não deve viver de cheque especial.
Essas metáforas são simplórias.
A vida, como dizia o poeta, é muita mais complicada.
Minha avó concordava.
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=7391