Unificação curricular

Unificação curricular

A filosofia no documento de unificação curricular do MEC

A filosofia no documento de unificação curricular do MEC


O ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, logo na primeira linha de apresentação do documento Base Nacional Comum Curricular” (BNCC) diz que “A base é a base”. A frase quer enfatizar o caráter do documento. Ele é o piso e não o todo da casa. Sim, mas será que de fato estamos falando de “básico” ao falar de “base”? Em outras palavras: o que é base e o que é garantir o básico no contexto educacional brasileiro hoje?

- Documento preliminar BNCC

- Comunicado  BNCC e Consulta Pública

Documentos governamentais pedagógicos, não raro, já nascem com um problema: eles não podem ser críticos, ou seja, eles nunca se referem ao que não se deve fazer, pois caso assim agissem indicariam um interlocutor na oposição, presente ou passada, e isso, aos olhos da política atual, daria legitimidade ao adversário. É sua virtude e sua desgraça. Sendo somente positivos, não raro tornam-se genéricos o suficiente para dar aval a qualquer coisa.  Então, a indicação curricular se perde em favor não de uma boa tradição, mas, em geral, da tradição existente de não fazer nada.

Os bons professores sabem disso. Isso é tão verdade que se perguntamos para um bem formado professor de filosofia o que é o “básico” nesse campo no ensino pré-universitário, ele tenderá a falar de obras clássicas e autores clássicos. Ele citará a Apologia de Sócratese partes da República, ambos de Platão. Dificilmente ele deixará Descartes e Marx de fora. Alguns professores, talvez, deem mais ênfase a temas e a interações da “vida cotidiana” com a filosofia, mas, a regra é tomar “o básico” como o que está contido em uma bibliografia, e nesta, os clássicos. É justamente o que o documento governamental não faz.

Não estou dizendo que o BNCC deveria colocar itens temático-históricos como “A filosofia como epistemologia – Descartes”, ou coisas do tipo. O que digo é que se não há garantia, em um documento nacional, de que a escola deve ter um professor que, por exemplo, saiba ler com o aluno o Novo Organum de Bacon, alguém capaz de comentar com eles os Ídolos da Tribo, então nada de “básico” está garantido ao jovem de quinze a dezoito anos. A vida? Ora, a vida de cada um de nós está nos clássicos, por isso são clássicos.

No Brasil a boa tradição de formação do professor de filosofia o faz dar valor para as aulas em que há alguma leitura dos clássicos. Infelizmente, isso tem a fama de ser chato. Então, conforme a época aparece a modinha de promover formas de interação que poderiam caber em qualquer aula, ou exclusivamente ideológica (baboseiras de esquerda e direita então avançam aula por aula) ou simplesmente aula de recreação (vamos tirar foto da Av. Paulista e criticar a ciclovia?).

Um documento como o BNCC, nesse grau de generalidade, num país como o nosso, em que a tradição de conversação sobre as obras clássicas é rara (aqui não se lê mais Machado de Assis na disciplina Português!) e onde se paga muito mal ao professor, tende a ser inútil. Por enquanto, gastamos dinheiro para fazer um documento nacional, na mobilização de muitos assessores e grupos universitários, para não dizer nada. Ainda dá tempo de consertar.

Paulo Ghiraldelli 58, filósofo. Autor entre outros de Sócrates: pensador e educador – a filosofia do conhece-te a ti mesmo (São Paulo: Cortez, 2015).

 

http://ghiraldelli.pro.br/filosofia-mec/




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