Um PPP democrático
“As escolas precisam deixar de ser apenas executoras de propostas pedagógicas”
Segundo professor, um plano político pedagógico democrático, que garanta a participação de todos, aumenta o engajamento com a atividade educacional
A definição de que o projeto político pedagógico das escolas deve contemplar a participação de professores e demais integrantes das comunidades escolares é garantida por Lei. O professor da Faculdade de Educação da USP, Elie Ghanem, relembra que a participação popular na definição das políticas educacionais está garantida pela Constituição Federal que trata, em sua seção de educação, da gestão democrática do ensino público e também pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que considera a construção das propostas pedagógicas em parceria com os atores escolares.
Na prática, no entanto, as diretrizes nem sempre saem do papel. Para Ghanem, ainda é expressivo o número de escolas que seguem uma proposta educacional de quem as institui. “Temos um costume na nossa história, não só no Brasil mas também em outros países que entende que as escolas devem ser executoras de determinações dos órgãos superiores governamentais, há uma expectativa por emanações dessas instituições determinando o que as unidades devem fazer com o trabalho educacional”, avalia.
Em entrevista ao Carta Educação, o professor fala das relações autoritárias que ainda figuram nos sistemas educacionais e aponta caminhos para que os planos políticos pedagógicos das escolas, uma vez democráticos, contribuam para uma escola mais viva e para uma comunidade mais engajada.
Carta Educação: Qual a importância de um plano político pedagógico?
Elie Ghanem: A importância pode ser alta ou nula. As escolas públicas no Brasil, de forma geral, não dispõem de uma proposta educacional clara, justamente por seguirem aquela imposta por quem as institui. Arrisco a dizer que a mesma lógica se aplica às escolas privadas que têm por trás da proposta pedagógica intenções empresariais de um negócio, da prestação de um serviço de mercado, entre outras.
CE: A que atribui essa situação?
EG: Temos um costume na nossa história, não só no Brasil mas em outros países, pelo qual dá-se por suposto que as unidades escolares devem ser executoras de determinações dos órgãos superiores governamentais. Há uma expectativa de que haja emanações desses órgãos determinando o que é que deve ser feito nas escolas como trabalho educacional. Essa visão não é de estranhar uma vez que, durante décadas, era o que acontecia exclusivamente com o apoio legal.
O que chamamos de currículo, os programas a serem seguidos pela prática educacional escolar, durante décadas foram baixados pelos órgãos do Executivo municipal ou estadual, eram como decretos. Com as mudanças legais a partir da Constituição isso se alterou.
A LDB de 1996 consagrou pela primeira vez a autonomia da unidade escolar, mas antes mesmo dela a própria Constituição trazia no seu artigo 206, que abordam os princípios que devem reger a educação, a igualdade de condições para frequentar a escola. Em geral, nossos governos têm interpretado essa igualdade de condições concretamente via programas de alimentação escolar, transporte, oferta de livros e materiais didáticos, mas poderíamos pensar nessa ideia de forma muito mais acentuada e ampla. Por exemplo, pautando a igualdade social, tomando como referência os direitos humanos fundamentais, o direito à vida, à segurança, ao trabalho, renda, saúde, educação, habitação e assim por diante.
Agora, seguindo os nossos costumes, os governantes preferem só o lado das diretrizes do sistema de ensino e desprezam/abandonam o lado da autonomia da unidade escolar. Nesse contexto, temos uma disputa de concepções.
CE: Quais os caminhos para romper com essa lógica?
EG: Seria muito proveitoso que os sistemas de ensino estivessem a serviço do trabalho educacional que as escolas realizam e não como mandantes, que concebem aquilo que os executores farão. É preciso romper com a nossa tradição autoritária.
Para isso, é importante que se produzam consensos a respeito de proposta coletiva de atividade educacional e também conveniente que o coletivo de estudantes, docentes, funcionários e familiares produzam uma proposta conjunta que oriente e coordene essa ação coletiva.
CE: Essa é uma condição para a formulação de um plano político pedagógico?
EG: Dentro de uma perspectiva democrática, o que vemos com naturalidade precisa ser questionado e alterado. Aí a oportunidade de formular um PPP pode ser de grande proveito para que esse coletivo faça suas relações, fixe alguns objetivos, além de meios e formas de realizar os objetivos.
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CE: Como estruturar um plano político pedagógico?
EG: O PPP deve ser visto como a oportunidade de mobilizar a comunidade escolar para explicitar consensos a respeito de qual é a perspectiva da atividade educacional. Para isso, é preciso estruturar um processo que garanta o envolvimento das pessoas que têm relação com a escola, seja porque trabalham nela ou porque necessitam de seu atendimento.
Penso que a primeira pergunta que esse coletivo deve fazer é se faz sentido ter uma proposta educacional comum. Digo isso porque até hoje não funcionamos com base nisso, a necessidade não é propriamente do coletivo escolar, mas uma exigência externa de órgãos burocráticos.
Depois, é necessário conciliar aspectos e peculiaridades da comunidade e da comunidade escolar com os aspectos mais gerais. Para tanto, é fundamental que os envolvidos conheçam as leis educacionais, saibam julgá-las e conheçam os atos administrativos para realizá-las.
Por fim, é preciso registrar em um documento os objetivos gerais que saem como consenso dessa coletividade, de maneira objetiva e clara. Outro ponto que me parece conveniente é que se estabeleça um horizonte temporal para o projeto. Ele será de quanto tempo, um ano, cinco anos? Resumindo, o que eu esperaria de um bom PPP é um documento que tivesse de três a quatro grandes objetivos, uma ou duas formas de realização para cada e um marco temporal. Claro que isso não é o detalhamento de um plano tecnicamente concebido, mas é mais importante como produto de uma ação política local coletiva do que como um documento técnico, que temos em grande profusão e são inúteis para quem pratica a atividade educacional diretamente.
CE: O que um projeto político pedagógico alinhado às demandas da comunidade pode garantir às escolas?
EG: A probabilidade de engajamento das pessoas na atividade educacional se eleva muito porque o que está sendo proposto é que elas concebam aquilo que vão realizar, superando a forte tradição de distanciamento entre quem concebe e quem executa.