Um país sem futuro
Fagnani: Temer está matando o futuro do país; eles precisarão construir muitos muros
23 março, 2017
Para economista da Unicamp, se o governo Temer implementar os seus projetos a exclusão e a miséria irão se espalhar, o sistema previdenciário vai quebrar em 10 a 15 anos e os atuais aposentados poderão deixar de receber. “O cenário é catastrófico”
Por Mauro Lopes
O professor e economista da Unicamp Eduardo Fagnani é hoje um dos mais profundos conhecedores dos temas vinculados à Previdência Social, e foi o coordenador do estudo mais abrangente sobre a “reforma” do governo Temer, Previdência: reformar para excluir?. Ele diz que a combinação da emenda constitucional que limita os gastos públicos, a terceirização irrestrita das relações de trabalho e demais medidas da reforma trabalhista e da Previdência tem uma consequência dramática: “eles estão matando o futuro do país”.
“O cenário é catastrófico, um desastre sem precedentes”, afirmou, em entrevista ao Previdência, Mitos e Verdades. Fagnani diz que a melhor imagem para o projeto do governo de Temer e associados é o programa “Cidade Linda” do prefeito de São Paulo, João Doria. “O que eles estão fazendo é ampliar para o país o ‘Cidade Linda’ do Doria. Linda para menos de 20%, um inferno para mais de 80%. São Paulo vai virar uma cidade de muros para impedir que os pobres reajam. É o que acontecerá com o Brasil, o país do muro a separar os ricos dos pobres. Mas eles precisarão de muito muro, muito mesmo.”
O economista explicou que hoje quase a metade (49%) dos trabalhadores e trabalhadoras já estão na informalidade – a soma dos que trabalham no setor privado e domésticas sem carteira assinada, o trabalhador por conta própria e os “ empreendedores individuais”, onde se concentram os trabalhadores PJ (Pessoa Jurídica). “Não é exagero supor que em pouco tempo esse percentual de trabalhadores informais chegará a 70% do total”, projetou Fagnani.
“A Previdência vai quebrar”, afirmou categoricamente. Isso por conta da brutal redução de recursos no INSS em função da terceirização combinada à informalização selvagem. “O estoque de contribuintes sofrerá uma redução drástica, com o processo de demissões em massa dos trabalhadores com carteira assinada e sua recontratação como terceirizados. Os trabalhadores rurais não irão mais aportar com a obrigação de contribuição mensal; os jovens entrantes no mercado de trabalho não serão mais contribuintes da Previdência, pois ingressarão já no contexto da terceirização; e, como a percepção da crise do sistema logo se espalhará, haverá uma debandada dos contribuintes de renda mais alta para os planos de previdência privada.” Qual o prazo para desastre final? “A Previdência vai quebrar em 10 a 15 anos, se tudo continuar na batida atual.”
Com isso, explicou Fagnani, “a propaganda enganosa do governo que diz que com os atuais aposentados não acontecerá nada vai cair por terra em pouco tempo; ela é mentirosa. Quando quebrar a Previdência os aposentados não irão receber. O que está acontecendo com os aposentados do Rio, com o parcelamento do salário de dezembro e do 13º é fichinha perto do tsunami que virá”.
O prejuízo para os trabalhadores no sistema terceirizado é amplo. Pode-se prever o fim do 13º, do adicional de férias (e uma restrição radical do direito a férias), do descanso semanal remunerado, além da redução das contribuições à Previdência para o padrão do “empreendedor individual” (PJ) de 5% sobre o salário mínimo, se tanto. “É um xeque-mate”, previu Fagnani. À redução de direitos e renda dos trabalhadores corresponderá, na visão do professor, um desmantelamento da representação das categorias mais organizadas. “Os sindicatos fortes irão sucumbir no médio prazo. Os bancários, por exemplo: haverá demissões em massa e eles serão recontratados pelas empresas terceirizadas, com representação sindical de fachada e sem poder real de negociação.”
O discurso do governo sobre o fato de a terceirização e a “reforma” da Previdência ampliarem o mercado de trabalho é “conversa para enganar os trouxas”, segundo Fagnani. “Não será gerado um único emprego com as mudanças; assim foi em todos os países onde se aplicaram reformas similares. Os economistas do governo sabem que emprego depende da dinâmica da economia, da demanda, dos níveis de consumo, e não de uma oferta superabundante de mão de obra barata. Mas eles querem enganar as pessoas.”
Há uma ilusão corrente de que apenas os mais pobres serão atingidos. O economista advertiu que é mesmo uma ilusão tola. “Todo mundo no mundo do trabalho será afetado, todo o mercado será redesenhado. Os mais pobres já estavam lascados; agora os trabalhadores de funções mais ‘em estratégicas’ serão afetados pra valer, como, por exemplo, os jornalistas já vinham sendo. De metalúrgicos a engenheiros, de médicos a funcionários públicos… Será um empobrecimento e uma concentração de renda sem precedentes.”
Sobre o país que o governo Temer está desenhando, Fagnani foi duro. “Dá a impressão de os capitalistas brasileiros serem burros. Eles foram muito favorecidos pelos governos do PT, exceto pelo final do governo Dilma. Imagina, quem vendia 2 milhões de unidades de seus produtos passou a vender mais de 20 milhões, quem vendia 20 milhões passou a vender 120 milhões. Eles estão matando o mercado interno. Vão fazer o que? Vender pra China, morar em Miami?”
Ele anotou o caráter espoliador das elites brasileiras como definidor do espírito das “reformas” do governo Temer: “Caio Prado Jr. ensinou que sempre foi assim. Os portugueses chegaram aqui por engano, porque queriam mesmo ir pras Índias e deram com a riqueza do pau-brasil. Escravizaram os indígenas e acabaram com o pau-brasil, não tinha projeto de país, nação, era só arrancar a riqueza. Foi assim com o ciclo da cana, do ouro, do couro, sempre foi assim. Só em duas ocasiões foi diferente: com Getúlio e Lula. E ambos foram derrubados por golpes. Agora, volta o modelo de sempre. Espoliar, arrancar, dizimar.”
Fagnani projetou um cenário sombrio, se a vitória do projeto em vigor se consolidar. “O país de daqui a 30, 40 anos será composto por uma imensa massa, de milhões de trabalhadores, com jornadas exaustivas, sem direitos, empobrecidos, idosos mendigando nas ruas e sem assistência à saúde, um crescimento do trabalho infantil depois de todo esforço que fizemos para reduzi-lo, pois as famílias não terão outra alternativa, que não colocar as crianças para trabalhar, para sobreviver. Seremos um México piorado. Haverá um aumento sem precedentes da violência, do tráfico de drogas, da prostituição, inclusive infantil. Um país de vale tudo.”
Foto: o muro que separa os ricos da favela de Paraisópolis, no Morumbi, em São Paulo (Tuca Vieira)