Traduzir a BNCC

Traduzir a BNCC

“Os secretários de educação terão de se conscientizar da importância de traduzir a Base Comum para os currículos municipais”

Na entrevista de hoje, Claudia Costin, palestrante do VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, faz uma prévia do tema que debaterá em sua palestra, propondo reflexões a respeito. Confira!

Fundação Maria Cecilia – Como você vê a criação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em um país que tem restringido investimentos públicos em educação?
Claudia Costin – Sou uma pessoa otimista e tendo a olhar sempre com uma visão de longo prazo. A educação, por exemplo, é uma área que pode gerar mudanças no longo prazo. Investimentos nela, hoje, vão ajudar a preparar cidadãos mais participativos e prontos ao futuro. Neste sentido, é inaceitável que se cortem recursos importantes para a educação. Mas, mesmo nesse contexto, a Base é importante, pois aponta para mais qualidade, com uma definição mais clara de direitos de aprendizagem e equidade, ao definir o que todas as crianças podem aprender. Além disso, países com sistemas educacionais mais avançados possuem – todos – uma base ou um currículo comum, com orientações gerais que fazem diferença. Ter um documento em que fiquem claros os direitos de aprendizagem de crianças e jovens é um grande avanço. Nós estamos atrasados nisso. Essa iniciativa pode nos ajudar a enfrentar muitos problemas educacionais de hoje na educação infantil, por exemplo, que não se resumem à garantia de acesso à creche e pré-escola. Há muito mais que isso.

Fundação – Como foi a sua participação na construção das versões da Base Nacional e como está o processo atualmente?
CC – Fui uma das leitoras críticas da última versão e tive acesso à segunda. Atualmente, a terceira está sendo discutida nas audiências públicas, com a participação da sociedade. A importância de promover essa discussão não é só a atitude mais correta de se ter, mas é também essencial, pois serão os professores que trabalharão o currículo em sala de aula. Se eles não sentirem que as orientações contidas no documento dialogam com seu dia a dia nas turmas, a implementação e os avanços não vão acontecer ou vão acontecer de forma fragilizada.

Fundação – Como a educação infantil se insere nesse contexto? Você acha que a maneira como ela está presente na Base Comum contempla as principais necessidades para que seja uma etapa que promova o bom desenvolvimento da criança?
CC – Com relação à educação infantil, a Base Comum traz uma visão mais atualizada do processo de interação na creche e pré-escola. Também ajudará a nortear a formação dos professores, os materiais didáticos de apoio e o que deve conter nos currículos municipais. No entanto, a transformação da educação faz parte de um processo vivo. Acredito que vamos chegar a um desenho de currículo possível, dentro do contexto atual. Claro que existem pontos a serem ajustados, mas também há pontos que indicam claros avanços para essa etapa de ensino. A Base Comum é focada em desenvolvimento de competências e não em conteúdos, ou seja, no desenvolvimento de capacidades tanto cognitivas quanto emocionais. Ressalta a importância do movimento, da dança, das artes, da contação de histórias, sempre vivenciados em um ambiente letrado, essencial especialmente à criança de famílias vulneráveis. Vai lidar com um brincar com intencionalidade pedagógica, dando orientações claras a respeito. Muitos conteúdos da Base já eram destacados em formações, mas ficavam, por vezes, no discurso, sem que se contasse com instrumentos para colocá-los em prática, especialmente em um Brasil tão diverso, com crianças de diferentes origens e condições. A Base, ao ser traduzida em currículos, irá certamente apoiar e orientar a formação dos professores, seja a inicial, que ocorre nas faculdades, como a continuada.

Fundação – Algumas pessoas acreditam que a Base pode não respeitar a diversidade cultural das crianças. O que você pensa sobre isto?
CC – O documento será “traduzido” em currículos municipais, com a colaboração dos estados, sempre que possível. Ao fazer essa customização, é muito importante incluir aspectos da cultura local e da diversidade étnica presente nas creches e pré-escolas. Por exemplo: uma escola que, embora não atenda crianças indígenas, esteja próxima a uma aldeia. Essa realidade é um ponto forte à construção da escola. O mesmo para lugares que recebem muitos migrantes de nacionalidades diversas. Tais diferenças devem ser elementos que enriqueçam o currículo daquele município. Ao mesmo tempo, é importante mostrar à criança o país onde ela vive e em que sua cidade está inserida.

Fundação – Você acredita que, com a Base Comum, a participação do professor será mais qualificada tendo parâmetros mais claros para ele atuar?
CC – Sim, mas, para isso, a formação inicial da docência, especialmente de professores de educação infantil, precisa ser revista a partir da Base Comum. Esta será, aliás, uma ótima oportunidade de corrigir entraves de uma formação que, hoje, está muito mais focada nos pilares da educação com pouca ênfase na prática da sala de aula. Hoje, ela não prepara para uma profissão. É como formar o médico sem expô-lo a lidar com os pacientes. Será importante mudar essa realidade, na formação do professor que está começando na rede municipal. Na educação infantil, o brincar como base do aprendizado, precisa ser planejado, especialmente com esses docentes. Deveríamos ter mais claros quais são os parâmetros de uma boa prática docente, para ajudar a selecionar os profissionais de educação da creche e da pré-escola e pautar a formação continuada, seguindo orientações dos currículos municipais que estarão pautados no que a Base Comum traz como premissas.

Fundação – De que maneira os municípios poderão se apropriar da Base Comum e aplicá-las em suas redes, envolvendo e mobilizando os professores?
CC – Primeiramente, os secretários de educação terão de se conscientizar da importância de traduzir a Base Comum para os currículos municipais. Será o momento para avaliar o que é específico do município, envolver os professores e até os pais no processo e verificar o que falta na formação, estrutura, materiais de apoio ao professor, brinquedos e mobiliário apropriado para as salas. Depois, disso, caberá a cada equipe de creche e escola revisitar os Planos Políticos-Pedagógicos (PPP).

Fundação – O VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, que acontecerá em Fortaleza, dia 7 de novembro, terá como tema “Práticas efetivas para uma política integrada”. A sua palestra vai justamente falar da Base Nacional Comum Curricular, que tem esse propósito de integração da educação. Sendo o Simpósio um evento voltado a lideranças públicas e privadas, qual a sua expectativa com essas pessoas sobre a proposta de implementação da Base?
CC – Tenho uma expectativa muito alta. A crise que estamos vivendo é difícil, mas é, ao mesmo tempo, um bom momento para preparar uma transformação. Não há oportunidade melhor de mudança que pela via da educação. Mesmo com os cortes de recursos públicos para a área, acredito que as pessoas estão mobilizadas pela Base Comum e com as informações que serão compartilhadas para traçar os currículos municipais de educação. Embora eles só devam estar prontos para implementação em 2019, conheço algumas redes que já estão fazendo seus planejamentos com base na terceira versão para, depois, incorporar ajustes, se necessários. Poderemos discutir bastante essas traduções que serão feitas da Base Comum para os currículos municipais, o que tende a qualificá-los.

Claudia Costin é Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais e professora na FGVRJ. Foi Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro, diretora global de educação do Banco Mundial e Vice-Presidente executiva da Fundação Victor Civita. Atua como consultora para governos de países africanos.

As opiniões emitidas pela entrevistada são de sua inteira responsabilidade e não necessariamente representam a opinião da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Você é uma liderança pública ou privada? Então, faça a sua inscrição para o evento presencial (clique aqui), que acontecerá dia 7 de novembro, em Fortaleza. Se você é profissional da área de primeira infância ou se interessa pelo tema, que tal realizar um Simpósio Satélite em sua cidade? Saiba como, clicando aqui.




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