Sobre professores
Sobre professores e universidades estaduais
Pobre magistério.
Ser professor de rede pública é missão. Sacrifício. A pessoa precisa gostar muito para suportar as dificuldades da profissão: turmas grandes, salários baixos, cobranças de todos os tipos e governantes que prometem uma coisa e fazem o oposto. O mais duro deve ser ter de aguentar os falsos especialistas, bem pagos nos seus empregos, que dizem não ser o salário um elemento decisivo para a qualidade de ensino. Um juiz não vive uma semana sabendo que uma lei em seu benefício não é cumprida. Um professor pode viver anos assim. Ser professor, para lembrar uma velha frase de mês de maio, é como ser mãe: padecer no paraíso. No paraíso? Bem, bem, no purgatório.
No Paraná, virou inferno. Cenas dantescas à luz do dia (e do senador Álvaro Dias). O governo tucano de Beto Richa descobriu a pedagogia do cassetete: flexível, objetivo e elástico. É o que os tucanos devem chamar de racionalidade moderna. Bate, vibra e atinge a meta na marra. Em São Paulo, a greve do magistério começou em 13 de março. O governador tucano acha que o último reajuste ainda é muito recente e não tem pressa em atender as necessidades dos insatisfeitos. Vez ou outra, os telejornais lembram do impasse entre professores e governos. A mídia não parece se emocionar com esse conflito salarial. Os espaços são modestos e sóbrios. Em Santa Catarina, os professores exigem um plano de carreira. No Pará, o governo tucano resolveu parabenizar os fura-greve. Em Pernambuco, o governo reclama que professores em greve interromperam o trânsito.
De um professor a sociedade espera muito todos os dias: que forme cidadãos para um mundo melhor, transmita conhecimento, prepare pessoas críticas, eduque para o futuro, ilumine o passado, ajude no presente, dissemine valores e por aí vai. Mas dá pouco. Ombro de professor deve segurar tudo. É necessário ser pai, mãe, psicólogo, enfermeiro, conselheiro, tutor, mentor, incentivador, formador e enciclopédia. O bom professor deve saber tanto quanto o google por um salário que não paga três curtidas no facebook. Ainda é preciso suportar o cínico que diz com suposta razoabilidade e bom senso: “Por que escolheu essa profissão. Não sabia que eram essas as condições de trabalho?” Daí a minha conclusão lateral: “O reacionário é um ressentido que se infiltra na alegria para destilar sua amargura como se fosse um remédio contra a excitação”. Goza na tristeza alheia.
A mídia detesta movimentos organizados de reinvindicação salarial. Prefere manifestações pretensamente não ideológicas. Greves de professores jamais recebem apoio da imprensa no Brasil. Em outros países, não é assim. A nossa herança escravista ainda é muito forte. Trabalhador tem de suportar o jugo que lhe cabe sem berrar. Se botar a boca no mundo, cai-lhe no lombo o cassetete tucano do Beto Richa. É por isso que eu desconfio de todo político que se apresenta como porta-voz da modernidade. O cassetete moderno é sucessor do chicote. Professor que se organiza, na modernidade, vai para o grão de milho.
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Universidades estaduais
Lorde Tackeray tinha uma máxima: nunca dizer o mínimo. Essa lembrança me vem agora sem quem eu saiba minimamente a razão. Nunca se deve, contudo, jogar uma boa lembrança para baixo do tapete. A faxineira reclama. Também não é correto chamar a faxineira de secretária, governanta ou colaboradora. Ela reclama. Faxineiras são sensíveis à enganação retórica. A falsos elogios e denominações fakes, preferem aumento de salário. Mas isso já é outra conversa. Lorde Tackeray jamais escreveu sobre universidades estaduais. Não precisou. Tem gente que considera inútil ou inadequado o Rio Grande do Sul ter universidade própria, a UERGS. Curiosamente é o mesmo pessoal que cita a educação como o único caminho para o desenvolvimento. Aquele pessoal obcecado pela Coreia do Sul. Os privatistas não pedem oportunidade para tentar vender ou acabar com um patrimônio público.
A ideologia tem esse poder: enfeitiça.
A maior e mais qualificada universidade brasileira é estadual: A Universidade de São Paulo (USP). A Unicamp (Universidade de Campinas), outra potência acadêmica nacional, também é estadual. Por que pode funcionar em São Paulo e não no Rio Grande do Sul? Paulistas e gaúchos têm muitas coisas em comum. Comemoram, por exemplo, revoluções que perderam, a Revolução Constitucionalista de 1932 e a Revolução Farroupilha de 1835-1845. Getúlio Vargas é figura central para ambos. Os paulistas odeiam Getúlio; os gaúchos, amam. A USP foi criada na época de Getúlio. O inimigo das comparações e defensor das privatizações recorrerá ao seu argumento de bolso: “Os tempos são outros”. Tradução: o tempo de criar universidades estaduais teria ficado para trás. Bom Estado seria o que gasta pouco, mesmo economizando em serviços. A UERGS, com todas as suas dificuldades, tem prestado bons serviços.
Ocupa um espaço que ninguém cobiça.
O bravo Lorde Tackeray tinha outra máxima: nunca é de menos criar e manter universidades. Agora percebo a razão de ter me lembrado da sua mínima. Uma universidade pública frágil e recente deve ser protegida do argumento falacioso mais letal usado por seus inimigos mais encardidos: não se investe suficientemente no ensino básico. É só uma forma ardilosa de tentar enganar a faxineira jogando para baixo do tapete o que ela nunca mais conseguirá limpar. Se a faxineira não estiver atenta, os privatistas xiitas ideologizados transformam a sociedade numa imensa Baía da Guanabara. O indivíduo ideológico tem uma tara: a neutralidade. Equilibrar universidades públicas e privadas é um bom modelo. O Brasil tem avançado nessa arquitetura complexa. Universidade não dá gastos. É investimento.
A UERGS é um investimento que está sempre na mira de alguns. Compará-la ao Tribunal Militar é quase uma falta de educação. Lorde Tackeray ficava mais espantado com os lucros dos bancos. Achava que era preciso tomar alguma medida em relação a isso. Falava sozinho. A UERGS poderia ser mantida com doações obrigatórias do Itaú.
Seria uma mínima contrapartida aos seus lucros máximos e exorbitantes. Não?
Não iria faltar para esses pobres banqueiros?