Ser professor
Não gosto mais de ser professor
Não gosto mais de ser professor. Na verdade, nunca quis ser professor. Fiz Biologia porque gostava de bicho, mas de outros tipos (sim, seres humanos também são “animais”, tá?).
Mas estava desempregado e apareceu um concurso. Fi-lo e passei.
Foi assim.
Mas acabei gostando durante um bom tempo. Porém, nunca me encaixei com a escola tradicional, com mesas de alunos virados pra frente, onde tem um quadro – agora branco – e o professor verborragiando os conhecimentos que os alunos deveriam “aprender”.
Sempre tentei fazer coisas diferentes, transformar a escola, ao menos minha sala de aula. Assim, sempre busquei projetos, aulas diferentes, misturar artes com as ciências, fazer trabalhos em grupos, etc.
Por que não gosto mais de ser professor?
Mas professor parece que nasceu pra levar na cabeça. Professor é o eterno prego com a cabeça de fora da madeira: sempre o que leva a martelada.
Levamos martelada dos alunos, dos responsáveis dos alunos, da coordenação, da supervisão, da direção, da secretaria de educação, dos vereadores, dos prefeitos. Só nós que levamos as marteladas, como se o problema de toda a construção fossem os pregos com cabeça de fora, mas não a qualidade dos materiais ou o projeto do engenheiro.
Aí, depois de quase duas décadas – aliás, antes disso – eu já levei tanto na cabeça que fui desaprendendo de gostar, ou aprendendo a desgostar de dar aulas, a ponto de, hoje, ser para mim um suplício.
É bom frisar que é um suplício que passo como que um carma, fazendo sim o meu trabalho. Entro em sala, faço meu melhor, tento ainda coisas diferentes, trabalho em salas diferenciadas, etc.
Mas sem as esperanças do passado, as vontades de fazer algo diferente, a gana de enfrentar o sistema. Perdi pro sistema.
E não pensem vocês que o “sistema” é composto somente por políticos, secretários, ou pessoas “de fora” da educação. Não. Do sistema fazem parte também professores. Talvez em sua maior parte. Afinal, as(os) diretoras(es) são “professores”. Sofrem da Síndrome do Alzheimer Docente, é verdade, mas um dia foram professores. Mas quando chegam ao “poder”, transformam-se em parte do sistema. Afinal, ‘o sonho do oprimido é virar opressor’.
Então, nestas menos de duas décadas como prego de cabeça de fora professor, eu já:
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perdi abono por difícil acesso, tendo meu salário diminuído;
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vi meu poder de compra no município do Rio de Janeiro despencar;
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enfrento locais de risco que NINGUÉM mais entra, só professor e polícia;
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deixei de ganhar 14º salário (sou contra, mas teria direito) por algumas faltas, como se os outros dias que eu fui trabalhar não tivesse contado para o sucesso relativo que a escola teve;
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deixei de ganhar as férias por questões obscuras, devido a cálculos de Período Aquisitivo (PA) que saem das cabeças dos burocratas;
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tive inúmeros materiais MEUS, de minha posse, que eu tinha levado para a escola para melhorar as minhas aulas, jogados NO LIXO por diretoras malucas;
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fui chamado a conversar com diretora, diretora adjunta, secretárias, coordenadoras, etc., porque “reprovava muito”;
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fui chamado a conversar porque não reprovava ninguém;
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tive minha contribuição previdenciária aumentada em Niterói, mesmo a cidade não estando em crise nenhuma;
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pedi ajuda à direção/coordenação para com alguns alunos e me foi negado;
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fui convidado a mudar de escola algumas vezes (mas não fui);
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tive que ouvir “mas você tem que ver o tipo de aula que você está dando”, ao pedir ajuda em uma turma que estava me tirando do sério – apesar de tudo diferente que fiz em minhas aulas;
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tive um projeto de educação ambiental sumariamente negado pela direção, apesar dos bons e comprovados resultados;
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fui xingado e ameaçado por alunos;
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fui xingado e ameaçado por responsáveis;
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levei diversas faltas em meu ponto que não tive;
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tive negado aumento salarial, no município do Rio de Janeiro, pelo meu doutorado;
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passei mal por conta de discussão com diretor;
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por diversas vezes diretoras(es) – ou seja, “professoras(es)” – tentam aumentar minha carga horária na escola, utilizando artifícios como confundir “hora/aula” (base do trabalho docente) com hora corrida, como se trabalhássemos dentro de um escritório com ar condicionado como elas(es);
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fui sumariamente censurado em minhas aulas, por querer conversar abertamente com os alunos sobre sexualidade;
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fui chamado a conversar com diretoras grossas, que se acham a dona da escola, por trabalhos diferenciados com sala, como um filme que trata de questões sociais dos alunos;
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sofro com o calor desumano dentro de algumas salas.
Tem muito mais coisas, acredite. Mas agora, nestes poucos minutos que escrevo, foi o que lembrei.
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Veja outros desabafos e histórias aqui mesmo no blog: educação de verdade no Diário do Professor
Então, tudo isso só faz com que, hoje, eu SOFRA o fato de ser professor.
Pra quem diz “ora, se não gosta, faz outra coisa”, só tenho a dizer: não é fácil abandonar duas matrículas públicas e todas as vantagens que isso me traz.
Não, não vou abandonar e deixar para o governo duas décadas de 11% de meu salário (agora, para o honestíssimo e probo prefeito de Niterói, 12,5%) e começar tudo do zero.
Não gosto mais, conseguiram me tirar o prazer de ser professor – como sei que muitos colegas também – mas vou pagar meu carma até o fim.
E é por isso que escrevo tão pouco por aqui. Mas fazê-lo-ei mais vezes, como desabafo.
E um detalhe: este espaço está aberto a TODOS que quiserem. Quer aparecer por aqui? Envie seu texto pra gente.
Abraços,
Declev Reynier Dib-Ferreira é professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutor em Ciências pela UERJ.
http://www.diariodoprofessor.com/2017/02/07/nao-gosto-mais-de-ser-professor/