Sem dinheiro para o 13º
Sem dinheiro para pagar o 13º, Estado gasta R$ 26 mi com vale-alimentação de 800 magistrados
Luís Eduardo Gomes
Enquanto o governo de José Ivo Sartori (PMDB) diz não ter condições de pagar o 13º salário dos servidores do Executivo, no dia 20 de dezembro, cerca de R$ 26 milhões saíram dos cofres do Estado na semana passada para arcar com o pagamento retroativo do vale-alimentação de cerca de 800 magistrados, referentes aos anos de 2011 a 2014. Sem saber se receberão o 13º, representantes dos servidores do Executivo questionam a discrepância de tratamento entre categorias do funcionalismo estadual e consideram “absurdo” o benefício concedido aos magistrados, que também deverão receber o 13º em dia, dado o fato de as folhas do Executivo, Legislativo e Judiciário serem separadas.
Após encontro com os servidores em 29 de outubro, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, reconheceu que o governo não sabe como fará para pagar o 13º do Executivo estadual. “Nós não vamos ter condições de pagar o 13º salário dos servidores estaduais. Vamos fazer o máximo esforço para pagarmos as folhas de novembro e dezembro”, disse Feltes.
Nos governos de Germano Rigotto (2003-06) e Yeda Crusius (07-10), o governo do Estado já tinha enfrentado dificuldade semelhante e chegou a utilizar o artifício de tomar um empréstimo em nome do servidor público. “O governo fazia um empréstimo em nome servidor que quisesse e depois iam pagando parcelado o empréstimo para o Banrisul”, explica Cláudio Augustin, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do RS (Sindsepe). Na ocasião, os juros do empréstimos ficavam sob a responsabilidade do governo do Estado e, quem não desejasse optar por essa forma de pagamento, poderia receber o pagamento parcelado do 13º no decorrer do ano seguinte.
Contudo, Feltes descartou, a princípio, a possibilidade de o governo do Estado tomar um empréstimo no Banrisul. “Nós não podemos fazer empréstimo no Banrisul para bancar nenhuma folha de pagamento. Desconhecendo na exatidão como se deu nos governos citados, é que nós vamos tentar encontrar alguma alternativa. O fato é que nós estamos impedidos, mas talvez a rede bancária possa fazer algum programa, abrir alguma alternativa de crédito para os servidores, o que não depende de nós”, afirmou Feltes.
Caso o governo opte por uma alternativa em que os próprios servidores tenham de arcar com os juros do empréstimo, a expectativa é que os sindicatos que representam o funcionalismo do Executivo estadual, unidas no Movimento Unificado, questionem a legalidade da ação na Justiça. “Vamos entrar na Justiça porque é inconstitucional, é uma aberração, é um absurdo. Não é correto. É mais um golpe do governo, que está fazendo um terrorismo brutal, contra o servidor e o serviço público”, afirma Isaac Ortiz, presidente Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Policia Civil do RS (Ugeirm) .
Augustin diz que repassar aos servidores a obrigação de arcar com juros desse possível empréstimo “é absolutamente ilegal”. “Na época do Rigotto e da Yeda já era ilegal, inclusive fizemos uma campanha ‘Não sou laranja’, porque quem está tomando o empréstimo, na verdade é o governo, e ele não pode tomar um empréstimo de um banco do qual é acionista”, lembra Augustin.
Augustin e Ortiz também reclamam do fato de que o governo ainda não passou nenhuma informação oficial sobre como será feito este pagamento. “O governo não tem negociado nada com o servidores. A gente fica sabendo pela imprensa”, diz Augustin. “O governo só disse que não tem condições de saber se vai ter como pagar. A gente vive uma grande angústia”, complementa Ortiz.
Benefícios para os magistrados
Por outro lado, na semana passada, cerca de 800 juízes receberam o pagamento do vale-alimentação mensal (no valor de R$ 799) referentes ao período de junho de 2011 até dezembro de 2014. Ao todo, saíram dos cofres do Estado R$ 26.241.528,83. Em junho, quando o benefício entrou em vigor para juízes, pretores e desembargadores, o governo já tinha repassado valores referentes ao ano de 2015 – os gastos anuais com o benefício giram na casa de R$ 7,7 milhões. O pagamento deste benefício segue uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na avaliação dos representantes de servidores do Executivo, esta remuneração “é um absurdo”. “Não tem sentido algum receber isso, ainda mais nos valores que estão”, avalia Augustin, que diz que a Constituição já prevê que o subsídio mensal dos magistrados (no mínimo R$ 22 mil) deve ser suficiente para a alimentação. Augustin também diz que, mesmo que fosse aceitável que os magistrados recebessem o benefício, os valores estão muito acima dos praticados para outras categorias. “Esses valores são um atentado, ainda mais sabendo que, com esses recursos, fazem com que as pessoas que ganham abaixo de um salário mínimo tenham dificuldades para receber”.
Ortiz, da Ugeirm, também questiona o fato de os magistrados terem recebido valores retroativos ao ano de 2011. “Alimentação atrasada? Nunca tinha visto isso”. Ortiz também critica o fato de que, ao mesmo tempo que anuncia não ter condições sequer de pagar o salário dos servidores em dia, o governo “está gastando muito e contemplando deputados de sua base com cargos”.
Além disso, seguindo outra determinação do CNJ, os magistrados, bem como outras categorias do Judiciário, também passaram a receber neste ano cerca de R$ 4,3 mil mensais de auxílio-moradia, o que representa um custo anual de R$ 42,9 milhões.
Em entrevista ao Sul21 em junho, o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra, defendeu o pagamento dos benefícios para que o Judiciário gaúcho se mantivesse em “pé de igualdade” com a magistratura de outros Estados do País.
“Se tu vai ganhar mais em outros lugares, tu não vai ficar aqui”, disse Terra na ocasião. “Se nós tivéssemos uma magistratura diferenciada (com menores vencimentos), será que nós teríamos gente boa para trabalhar aqui ou será que as pessoas fariam concurso para Florianópolis para ficar naquelas praias boas?”, complementou.
Já o presidente do TJ-RS, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, lembrou, na ocasião, que esse era uma determinação expressa do CNJ. “Isso também obriga o Tribunal de Justiça do RS a adequar seu Orçamento para o cumprimento à ordem do órgão máximo do Poder Judiciário”, disse.