Seis livros necessários
Seis livros básicos para você ter alguma cultura filosófica sem ser filósofo. Mas, claro, exigem que você seja escolarizado, bem escolarizado. Fora isso, não leia.
A República de Platão. Nesse livro o centro é o tema da justiça. Não a justiça social ou justiça como o que se diz sobre crimes e punições. Justiça é, antes de tudo, para Platão, o justo no sentido do ajustamento, o que faz com que uma peça se ajuste a uma outra e, então, todo o corpo da cidade possa funcionar. A questão da justiça nesse livro é a questão da cidade justa, a cidade harmônica. Para lidar com esse tema Platão se vê obrigado a falar em fundamentos, e, então, cria a metafísica e uma série de outras disciplinas filosóficas. Desse modo, A República ganha o centro das obras de Platão e é tomada como a obra de inauguração da filosofia, mais ou menos como a fazemos hoje.
Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Nesse livro os dois filósofos alemães dissertam sobre o tema da razão, das luzes, e de como cada sistema que aparece em cena, ao desmistificar o outro, ganha poder e, então, pode também mistificar. O livro é sobre essa incessante reposição de desmentidos, de modo que o que vai adiante diz que a doutrina anterior ainda não é a das luzes, ainda está envolta em mitos. Diferente de Hegel que diz que o absoluto é conjunto dessas doutrinas, as figuras do espírito percorridas, Adorno e Horkheimer vão dizer que esse “todo” não é a Verdade, mas que mesmo assim não há outra saída para os filósofos senão expor essas doutrinas. Talvez se expostas a partir da ótica dos que foram completamente degradados nessa experiência, exista algum ponto mais legítimo para se falar, mas não, é claro, um ponto absoluto.
Genealogia de moral, de Nietzsche. Nesse livro Nietzsche desenvolve uma profunda crítica à metafísica, base de todo o pensamento ocidental. Ele faz uma tipologia do forte e do fraco e associa essa tipologia ao desdobramento da linguagem. Esta, então, é inteira pautada pela psicologia dos fracos, que são prenhes de ressentimento e que inoculam nos fortes a má consciência. Para tal, criam a ficção de que a ação dos fortes poderia não ser a que é, poderia ser contornada. Ou seja, o fracos inventam a ficção da liberdade e, com isso, deixam os fortes acreditarem que existe a figura do sujeito, o que pode decidir e, assim, deixar de gozar a opressão. Quando os fortes engolem essa tese, eles já se corromperam e se tornam fracos, pois já curtem a má consciência.
Totem e tabu, de Freud. A tese central de Freud, que tem a ver com Levi Strauss, é a de que o pai primitivo fica com todas as mulheres do grupo e impõe uma tirania. Os filhos se reúnem, matam o pai e criam o totem, para lembrá-lo e torná-lo insubstituível. Lembrá-lo significa uma forma de criar o tabu do incesto: que nenhum filho venha a substituir o pai, que está totemizado, ou seja, que nenhum filho queira repor o domínio das mulheres sob uma só tutela. Assim nasce a civilização, ou seja, a procriação para fora dos clãs.
Ironia, contingência e solidariedade, de Rorty. A linguagem é não é algo exterior aos homens, mas ela tem sua gênese própria, que se faz pela formação de jogos de linguagem. São como que “frames” de conversação. Só no interior desses frames é que as palavras e enunciados ganham valor de verdade e significado. Na base, então, toda linguagem é metafórica, aliás, a linguagem é isso: uma série de metáforas que se literalizam. As metáforas não tem portanto nenhum sentido, elas são maneiras de chamar a atenção no interior da conversação, criar reações diversas e só ganham valor de verdade se absorvidas num jogo de linguagem que lhes confere sentido. Por isso mesmo a linguagem é um conjunto de metáforas mortas.
O capital, de Marx. Uma questão central na obra de Marx é a transformação do valor de uso em valor de troca. Assim, toda mercadoria para ser mercadoria perde a sua utilidade e se transforma em algo trocável, algo que pode ir para o mercado. No mercado é trocada por outra mercadoria que lhe equivale, por meio do equivalente universal chamado dinheiro. Mas como é feita essa equivalência? Pelo valor que é o valor de troca, que nada é senão a quantia de horas de trabalho humano abstrato nela incorporado. A partir dessa postulação Marx faz as inferências para a questão da mais valia e outras. Para se compreender o capitalismo é necessário, portanto, entender que ele não é o regime da utilidade mas, antes, o regime que faz tudo ser tornar o que se expõe diante de nós, que ficamos separados da mercadoria, assistindo sua dança. Somos expectadores, daí a tese desenvolvida por outros da “sociedade do espetáculo” (Guy Debord à frente).
É o básico para você ter alguma cultura filosófica sem ser filósofo. Mas, claro, exigem que você seja escolarizado, bem escolarizado. Fora isso, não leia.
Paulo Ghiraldelli, 58, filósofo.
PS: se chamado para completar dez livros, eu colocaria ainda:
História da Subjetividade, de Foucault
O Palácio de Cristal, de Sloterdijk
Homo Sacer, de Agamben
A vida do espírito, de Hannah Arendt
http://ghiraldelli.pro.br/os-livros-necessarios/