Sartori optou pela crise

Sartori optou pela crise

Sartori optou pela crise, denuncia Cpers

Enquanto o governador se licencia por estresse e descansa no Costão do Santinho(SC), os professores protestam contra parcelamentos e atrasos que se repetem há 21 meses

Por Priscila Lobregatte
Concentração de professores na Praça da Matriz contra os parcelamentos

Concentração de professores na Praça da Matriz contra os parcelamentos

Foto: Igor Sperotto

Limite, saturação, gota d´água. Termos como estes são comuns quando o assunto é a situação dos servidores públicos estaduais que culminou com a atual greve dos professores e trabalhadores de ensino. A decisão de parar as atividades foi tomada pela categoria no começo do mês após o mais recente parcelamento do governo Sartori – o 21º da gestão –, quando foram pagos apenas R$ 350,00. O parcelamento atinge a totalidade do funcionalismo, sendo 47.955 professores e 67 mil funcionários de escola estaduais. Além disso, o magistério gaúcho está como o piso, depois do último reajuste 82% abaixo do piso nacional.

“Este último parcelamento foi a gota d’água. Chegamos ao limite do suportável, não temos mais o que fazer. Estamos cheios de dívidas e juros. A situação ficou tão insuportável que a única resposta possível foi a greve”, explica Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato. Ele lembra que além do salário pago a conta-gotas, os professores ainda amargam congelamento salarial. O último reajuste foi dado em novembro de 2014. Desde então, não houve sequer reposição inflacionária. Segundo estimativas do sindicato, o congelamento dos salários da categoria fez com que o salário do professor gaúcho ficasse 82% abaixo do piso nacional. A defasagem teria aumentado 45% desde o início da atual gestão.

Greve pelo direito básico de receber em diaFoto: Igor Sperotto

“A greve está bastante forte. Escolas que não paralisaram antes estão em greve agora porque a categoria se deu conta de que ou a gente põe fim ao parcelamento ou a cada mês teremos de fazer uma greve e isso também não tem sentido”, diz Manica. De acordo com o dirigente, em média 80% da rede aderiu total ou parcialmente ao movimento. Ao todo, conforme dados de 2016, existem 2.557 escolas estaduais no RS. Em alguns municípios – como Santa Maria, Rio Grande, Palmeira das Missões, Passo Fundo, Gramado, Pelotas, Bagé, São Leopoldo, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul, Alegrete e Uruguaiana – a adesão foi de mais de 70%.

Uma série de atos e atividades estão previstas para esta semana a fim de ampliar a mobilização e informar a sociedade, como atos públicos e caravanas com Plenárias Macro-regionais de Mobilização e Resistência nos dias 21 e 22.

Antes do ato na Praça da Matriz, que reuniu 4 mil pessoas no centro da capital, na manhã desta terça-feira, 19, os manifestantes trancaram a avenida Mauá em frente à Secretaria da Fazenda por 21 minutos para lembrar os parcelamentos. “Há 21 meses a secretaria da Fazenda não se preocupa em cumprir a lei”, disse a presidente do Cpers, Helenir Schürer.  “Estamos em greve não para receber a integralização de nosso salário, mas para que o governo cumpra a lei. A nossa constituição é bem clara: o artigo 35 diz que os salários dos servidores devem ser pago integralmente até o último dia do mês trabalhado e o 13º até o dia 20 de dezembro. Infelizmente, temos um secretário da Fazenda que não conhece a Constituição”, completa, em seu discurso diante da Secretaria da Fazenda.

Após a manifestação, o governo emitiu a seguinte nota pela sua Secretaria de Comunicação (Secom), enviada ao Extra Classe pelo diretor de jornalismo Rui Felten: “o Governo do Estado alerta à sociedade gaúcha que, desde o dia 13 deste mês, todos os salários dos servidores estão pagos. O atraso não é questão de vontade, mas da maior crise financeira vivida pelo Estado na sua história.  Os salários sempre foram quitados dentro do mês. Portanto, a greve do Cpers perde o seu sentido e adquire viés de movimento político, prejudicando a vida dos alunos e suas famílias. Não é hora de divisões e radicalismos. Apelamos para que os professores mantenham as aulas”.

JUSTIFICATIVAS – O Cpers alega que governo do estado tem se limitado a defender o Regime de Recuperação Fiscal como única saída para recuperar as finanças e acabar com os parcelamentos para não apresentar saídas para o impasse. Na última quinta-feira, dia 14, quando ocorreu reunião com representantes do Cpers, o secretário adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins, defendeu a necessidade de incrementar receitas e qualificar despesas e ações como o pacto federativo, o duodécimo e “tudo que possa significar recursos no caixa do governo”. Dentre os itens que compõem as contrapartidas que o governo estadual deve garantir para o fechamento do acordo com a União estão, por exemplo, a privatização de estatais, o congelamento de salários e de novas contratações e a prorrogação do aumento do ICMS.

Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato

Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato

Foto: Carol Ferraz/Cpers/Divulgação

Mas, para Manica e o Cpers, o foco da política do governo estadual é outro. “Sartori decretou a crise, disse que não podia fazer concurso, não podia nomear, nem pagar nada, mas dias depois tudo isso foi desmentido com a sanção dos projetos aprovados pela Assembleia com altos reajustes para altos salários. Ou seja, a crise é uma farsa, é um discurso para fora, para justificar a implementação de políticas que acabam com direitos, com os serviços públicos e que enfraquecem o Estado com o objetivo de privatizar seus serviços, liquidando com as chances de o Rio Grande do Sul se recuperar e se desenvolver”.

Parcelamento obriga professores escolher quais contas pagar

A opção do Governo em parcelar salários como forma de barganha para fazer passar suas políticas impede que o funcionalismo dê conta de compromissos básicos do dia a dia de qualquer pessoa virou um jogo cotidiano no qual é preciso escolher o que comprar e qual boleto pagar, numa conta que nunca fecha. Há relatos extremos de professores que tiveram de entregar imóveis e foram despejados por falta de pagamento de aluguel.

“Eu fazia artesanato como passatempo; agora, ele me ajuda a pagar a prestação do apartamento e acabou virando uma importante fonte de renda. Neste mês, tive minha luz cortada. Nunca imaginei passar por isso”, lamenta a professora Silvia Ehlers, da escola Presidente Costa e Silva.  Ela foi uma das professoras que, com o apoio de alguns alunos, organizaram um pedágio solidário realizado nas esquinas das avenidas Oscar Pereira e Aparício Borges no dia 18 de setembro. Com faixas, bandeiras e jornais do sindicato, o grupo aproveitava os breves intervalos entre os sinais vermelho e verde para dialogar com os motoristas. Os apoios vinham na forma de singelas contribuições financeiras ou eram declarados verbalmente ou por meio das buzinas dos carros. “Garanto que o salário do governador vem em dia”, disse um dos motoristas, já engatando a primeira para não trancar o trânsito que voltava a fluir.

“Desde 2016 estou recorrendo a empréstimos. Nosso décimo terceiro vem a conta-gotas e acaba entrando nas despesas mensais, ou seja, não conseguimos pagar nossas contas em dia, nem planejar nada porque sequer sabemos quanto e quando vamos receber nossos salários, além de termos de pagar os juros destes empréstimos”, explicou a professora Adriana Costa, da escola Oscar Pereira. “Estamos realmente saturados, mas desta vez, percebemos maior adesão da categoria, da comunidade escolar e da sociedade. Hoje, não temos outra saída: a greve é nosso único instrumento”. Gabriel Brocca, do Grêmio Estudantil Edson Luis, da escola Presidente Costa e Silva, foi um dos alunos que participou do ato em apoio aos professores. “Mesmo que a greve afete nossa aula, ela é justa. Hoje, nem receber em dia eles conseguem”, diz.

Em meio a tanta incerteza, os planos pessoais acabam virando motivo de apreensão. “Planejei estruturar minha vida profissional para, depois, ter um filho. Saí da iniciativa privada para o setor público para ter estabilidade, estou grávida, mas agora tenho medo do futuro”, explica outra professora ouvida pelo Extra Classe e que prefere não ser identificada. “Muitas vezes temos de escolher entre pagar as contas e fazer o rancho. Hoje, nem estamos mais reivindicando o reajuste, mas tão somente receber nosso salário em dia. E não há diálogo com o atual governo. É como falar com as paredes. Essa greve é a nossa última tentativa”.

 

http://www.extraclasse.org.br/exclusivoweb/2017/09/sartori-optou-pela-crise-denuncia-cpers/ 




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