Sartori: desafios e conquistas
Sartori: o Rio Grande não vai sair das dificuldades sozinho
Há um ano e meio à frente do comando do Rio Grande do Sul, governador destaca principais desafios e conquistas
Foto: Daniel Heck-Folha do Mate
Governador avaliou seu mandato e listou os principais avanços
Realista, mas não por isso, pessimista. Pelo contrário, nos mais de 30 minutos dedicados à entrevista para a Associação de Diários de Interior do Rio Grande do Sul (ADI/RS), na quarta-feira, 29, o governador José Ivo Sartori mostrou otimismo para governar e enfrentar as dificuldades financeiras que diariamente fazem parte do seu discurso e de suas preocupações. Chave disso, segundo ele, é a transparência e o compromisso com as contas.
Disse que um bom governo faz mais com menos, ao se referir ao enxugamento de gastos e da capacidade de órgãos, como da segurança, de manterem-se firmem, mesmo diante das dificuldades.
Há um ano e meio à frente do Governo Gaúcho, Sartori avaliou seu mandato e listou os principais avanços, entre eles, os dois maiores desafios para o ajuste fiscal: a dívida com a União e o déficit da previdência que, juntos, representaram em 2015, em torno de R$ 12 bilhões.
Durante a entrevista, anunciou que ainda neste mês pretende colocar em vigor a nova previdência dos servidores, uma das maiores vitórias do seu Governo na Assembleia. Este, por sinal, foi um dos tantos ganchos encontrados pelo ‘gringo’, para destacar a maturidade política dos parlamentares gaúchos que, de acordo com ele, compreenderam o momento econômico e a necessidade destas transformações.
Reiterou seu compromisso de plantar o que ele chamou de “semente da mudança”, sem medo de desgastes políticos e sem criar falsas expectativas. Por várias vezes ao decorrer da entrevista convocou à sociedade a ajudar a governar e fazer sua parte. Iniciou e terminou dizendo que o Estado não faz nada sozinho, sem participação ativa dos gaúchos. “O momento exige solidariedade.”
Esta entrevista, concedida à Associação de Diários do Interior do RS, é publicada nos 19 jornais associados que, juntos, contam com uma tiragem de mais de 140 mil exemplares.
ADI/ RS - Quais os principais desafios que o Senhor teve, desde que assumiu o posto de Governador do Rio Grande do Sul?
Sartori - Grandes desafios nós tivemos. Nós achávamos que teríamos dificuldades, mas não que os desafios seriam tão grandes. Fizemos isso com tranquilidade e acho que tomamos uma atitude correta e muito positiva de procurarmos ser verdadeiros e transparentes. Construímos tudo junto com a sociedade, mostrando a realidade financeira do estado. Também desenvolvemos mecanismos internos para fazer poupança, controlar os gastos e criar as condições para buscar o equilíbrio financeiro.
Sabemos que há um longo caminho pela frente, mas como o Senhor almeja deixar o Estado após esses quatro anos?
Espero chegar ao final do Governo com melhores condições financeiras para que o próximo governante possa assumir com menos dificuldades e com menos constrangimento que a nossa equipe.
Neste um ano e meio de Governo, o que de mais importante foi executado ?
Em primeiro lugar foi a diminuição do número de secretarias. Foi também o controle e contingenciamento dos cargos de confiança, o limite de viagens e processos de diárias. Significa que se não tivéssemos feito isso, nossa despesa ou custo seria duas vezes mais. Com essas medidas cortamos R$ 1 bilhão em 2015.
Além disso, a Assembleia teve maturidade política, nos deu condições de implementar uma Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nos deu condições de termos uma Previdência Complementar que vai atingir todos os novos servidores. E, acredito eu, que ainda no mês de julho, nós vamos colocar em vigor, a Previdência Complementar que vai colher seus frutos daqui a 10, 15 ou 20 anos. Mas era preciso plantar isso. Temos ainda a Lei de Responsabilidade Fiscal que foi inédita no país por ser estadual. Temos a lei de Responsabilidade Fiscal Federal que somos obrigados a cumprir, mas fizemos também a estadual, para quem ninguém gaste mais do que tem. Nem eu, como governador, vou deixar para o próximo Governo aumentos, inclusive, na área funcional, que não estejam quitados pelo nosso governo.
O que representa esse fôlego no pagamento das parcelas da dívida com a União?
Conquistar a renegociação da dívida não significa que resolva os problemas financeiros do Rio Grande do Sul, mas que ela dá um alívio, dá um sossego, dá um fôlego, isso dá, até porque, nós temos que pagar no futuro, porém, o alongamento por 20 anos do contrato garantirá uma redução quase pela metade do estoque da dívida e uma parcela cada vez será menor na relação com a Receita Corrente Líquida. O resíduo da dívida em 2028, pela troca dos indexadores (IGP-DI mais 6% por IPCA mais 4%) cairá de R$ 37 bilhões para R$ 17 bilhões e a parcela mensal ficará, em média, R$ 50 milhões a menos.
O que permitirá ser feito e investimento, considerando esse alívio mensal?
O orçamento deste ano prevê um déficit de R$ 4,3 bilhões e o novo acordo prevê um alívio até dezembro na ordem de R$ 2,1 bilhões. Mas temos que manter nossa austeridade, no combate à sonegação e na cobrança da dívida dos impostos.
Com esse alívio é preciso priorizar duas áreas muito delicadas para ao cidadão: segurança pública e saúde. Vamos lançar o plano de segurança [lançado na quinta-feira, um dia após a entrevista] para dar um pouco de sossego às nossas comunidades, mas também oferecer aos organismos de segurança, condições melhores de atuar e ofertar essa segurança que a sociedade deseja, mas também porque é uma prioridade.
É importante dizer que não se tem dinheiro novo para investir, mas nos dá oportunidade para atender o que é prioritário na vida das pessoas. Quero aproveitar e elogiar a Brigada Militar, a Polícia Civil, o IGP e a Susepe que fazem mais com menos.
Este é um segredo de uma boa administração: fazer mais com menos?
Olha, tem gente que não gosta desta expressão. Estamos acostumados a viver em um mundo onde todo mundo olha só pra si. Temos que olhar diferente para nosso Rio Grande do Sul, fazer um compartilhamento, repartir as questões. O Estado sozinho, não vai sair das dificuldades que tem, se não tiver a participação, o apoio e o envolvimento da sociedade. Nem vai construir mudanças se nós repetirmos as mesmices. E eu preciso dar um dado para vocês: o RS, em 45 anos, 38 a despesa foi maior que a receita. Ele teve apenas sete anos em que a receita foi maior que a despesa. Chega um dia que você tem que colocar as coisas no seu devido lugar. Por isso alguns não entenderam no começo quando nós estávamos arrumando a casa, tomando as atitudes.
Desgaste vai ter, dificuldades também, mas tenho certeza que a sociedade está compreendendo.
Nunca se falou tanto das dificuldades financeiras do Governo do Estado. Esta situação era evitada, não mostrada ou se agravou desde o ano passado?
Sou daquelas pessoas que não quero olhar para trás. Todos os governadores procuraram fazer o melhor para o Rio Grande do Sul. Nos coube esse papel diferente nesse momento histórico nacional e internacional e, especialmente, estadual que estamos vivendo. Acredito que foi uma maneira simples, verdadeira para apresentar à sociedade. Não é para se queixar ou chorar, é para fazer o papel que temos que fazer. Eu disse na campanha que iria fazer o que precisasse ser feito e estou procurando fazer o que precisa ser feito, mas não estou fazendo sozinho. Estou fazendo isso com a minha equipe, inclusive com o servidores. A maioria dos servidores compreendeu esse papel e está nos ajudando com solidariedade e participação efetiva, a virar esse jogo e modificar esse processo.
O Governo Tarso Genro criou a EGR, que culminou com a estatização de diversas rodovias que estavam sobre administração de empresas privadas, como a RSC-287. No entanto, a manutenção não vem acontecendo dentro das expectativas. Devolvê-las para a iniciativa privada é a solução?
O Governo do Estado fez uma proposta à Assembleia na área de concessões rodoviárias e já temos muitos trechos já pensados e planejados. Fizemos boa negociação com o Governo Federal que também fará concessões rodoviárias e nós queremos que isso esteja sintonizado com o plano rodoviário do RS. Todas as regiões do RS estão conectadas ao Porto de Rio Grande, e nós queremos que esse acessos, daqui a 5, 10 anos, facilitem o processo de escoamento da produção. Por outro lado, a EGR tem papel novo, aprovado pela Assembleia, que permite que ela também possa receber concessões.
Sabemos das dificuldades e aos poucos vamos alcançar um patamar para que, pelo menos, garantimos uma boa manutenção. No ano passado, no começo do ano cheguei a afirmar que se conseguimos ao longo do ano apenas um tapa-buracos já seria suficiente. Aos poucos vamos colocar nossas estradas nos ‘trilhos’.
O que o Governo projeta para a 287, tratando-se de uma das principais rodovias, que liga a Capital ao centro do Estado?
Dentro das possibilidades, a EGR vem realizando a manutenção na rodovia. Porém, a possibilidade de concessão é uma alternativa que vem sendo considerada, uma vez que por sua importância e pelo fluxo de veículos, a rodovia deve despertar o interesse das concessionárias. As definições de quais rodovias serão concedidas só virão após a elaboração do marco regulatório das concessões, conforme previsto no projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa.
O que o senhor projeta para os professores, visando uma maior valorização e considerando a atual situação financeira e os recentes episódios de ocupação?
As recentes ocupações de escolas evidenciaram que o sistema atual de participação da comunidade escolar nas tomadas de decisões não contempla a todos. Muitos estudantes, pais, professores e funcionários desejam se integrar mais a este processo. Hoje, a comunidade escolar elege, por meio do voto, a direção do estabelecimento de ensino e os membros do Conselho Escolar e do Círculo de Pais e Mestres (CPM). Os alunos têm também a prerrogativa de definir quem os representará no Grêmio Estudantil. Mesmo assim, instituímos um fórum, que será aberto para a participação dos estudantes e dos professores, com a finalidade de realizar uma discussão ampla sobre os rumos da educação pública no Rio Grande do Sul. Queremos definir uma alternativa à política educacional atual, que ao mesmo tempo seja compatível com a atual situação financeira do Estado e eficaz no processo de melhoria dos índices do ensino público e a diminuição da evasão escolar.
No ano passado, o Governo do Estado fez o maior investimento em educação da década, totalizando 33,7% da receita líquida. Estes valores foram aplicados na realização de obras de infraestrutura, na aquisição de equipamentos e também na oferta de formações para 48 mil professores. Enfim, é um conjunto de ações que também faz parte de um processo de valorização dos profissionais que trabalham na área da educação e também uma preocupação com o bem estar dos nossos estudantes.
Sobre a ocupação, espero que os professores, através do Cpers, tenham a compreensão de que está na hora de voltar para a sala de aula, são poucas escolas paradas, a grande maioria está em atividade.
Até o fim do mandato, alguma expectativa para melhorar o salário do professor?
A maioria dos professores, para 20 horas, ganha mais de R$ 2 mil e por 40 horas ganha mais de R$ 4 mil, então todos eles são valorizadas por isso. A maioria está no final da carreira, no nível 5, nível 6, onde permite ganhar um pouco mais. Tudo isso está sendo feito dentro da realidade. Espero que haja bom senso, equilíbrio e que possamos voltar a normalidade para não prejudicar o ano letivo.
Hoje as escolas estaduais contam apenas com o valor do Governo Federal para garantir a merenda dos alunos. Porque o Estado não complementa o valor?
Dependendo da tipologia da escola, o Governo do Estado complementa os valores da merenda. Hoje, os repasses são compostos da seguinte forma:
- O Fundo Nacional da Educação (FNDE), através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), repassa o valor de R$ 0,30 por aluno matriculado na educação básica à Secretaria da Educação, que remete os valores para a conta de cada escola.
- As escolas estaduais de Ensino Médio e as que possuem até 100 alunos recebem, além dos R$ 0,30 destinados pelo FNDE, uma complementação do Governo do Estado de R$ 0,60 por estudante. Com isso, para cada aluno matriculado, a direção da escola recebe R$ 0,90 por dia letivo.
- As escolas que funcionam em tempo integral recebem, além dos R$ 0,30 por aluno, uma complementação do Governo do Estado de R$ 1,07 por estudante. Com isso, para cada aluno matriculado, a direção da escola recebe R$ 1,37 por dia letivo.
Qual expectativa do Senhor para o pagamento do 13º salários de 2016?
Pagar os servidores sempre foi nossa prioridade máxima. Tanto que deixamos de pagar a dívida da União ainda no mês de abril do ano passado, sofrendo as consequências de retenção de repasses federais e bloqueio das contas. Quando precisamos recorrer a parcelamento é porque, efetivamente, não tínhamos dinheiro em caixa. Assim foi com o 13º. A recessão nos tirou R$ 2 bilhões de receita. Daria para pagar em dia o 13º salário e não teríamos o custo pelo atraso. Conseguimos honrar este compromisso agora no mês de junho, pagando com uma correção de 13% para todos os servidores do Poder Executivo, independente de quem recorreu ou não a empréstimos bancários no mês de dezembro. Posso dizer que faremos todo o esforço para pagar em dia neste ano, mas sabendo de antemão as dificuldades que teremos para tanto.
O que os gaúchos podem esperar do seu governo nos dois anos e meio de mandato que o senhor ainda tem pela frente?
Tudo que pudermos fazer, nós vamos fazer, dentro daquele requisito básico de não prometer aquilo que não dá para fazer. Lembro que durante a campanha, em muitos lugares que tive, pediam para que eu assinasse um documento sobre alguma pretensão de governo. Eu não assinei documento nenhum, porque eu sabia que não podia prometer, pois sabia das dificuldades. Só não sabia que eram tantas.
Eu sempre digo, que espero que meus colegas de governo não percam o ritmo e a capacidade de enfrentar esses desafios. Eu me assustava no começo. Primeiro porque eu não queria que ninguém falasse mal da minha família e nem que ela fosse prejudicada pelas decisões que tomássemos. Segundo, que ninguém desistisse da ação que tem no governo. Terceiro, porque eu queria a ajuda da sociedade. Quarto: teimoso eu sou um pouquinho, então vou continuar igual, mas espero concluir esses dois anos e meio de forma simples e objetiva, com diálogo, sem comodismo. De pé e olhando para frente. É a maneira de compreender que chegou a hora de que o Estado tem que ser de todos, o Estado é de todos nós. O Estado não consegue resolver sozinhos todos os dilemas do Rio Grande do Sul.
Por Letícia Wacholz/ Folha do Mate=ESPECIAL ADI