RS, voltando ao século XIX

RS, voltando ao século XIX

Presidente do Senge-RS denuncia desmonte do Estado: “estamos voltando ao século XIX”

Alexandre Wollmann: “Nós não sabemos a verdadeira dimensão dessas extinções e muito menos o governo do Estado. Eles não sabem a gravidade do ato que cometeram”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Marco Weissheimer 

A política de Estado mínimo que está sendo implementada no Rio Grande do Sul desde 2015 pelo governo José Ivo Sartori e que agora também está em curso em nível nacional com o governo Michel Temer está desmantelando a engenharia estadual e nacional e um conjunto de instituições fundamentais para o desenvolvimento do Estado, como as fundações que estão sendo extintas pelo governo do PMDB no RS. que o empresariado gaúcho ainda não se deu conta das implicações do que está sendo feito e de como isso também afetará os seus negócios. A avaliação é do presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul, Alexandre Wollmann, que, em entrevista ao Sul21, adverte para os efeitos desse desmantelamento na economia do Estado e do país e na vida cotidiana da população.

“O Rio Grande do Sul está voltando ao século passado ou mais para trás ainda. Extinguir a Fundação de Economia e Estatística que é um norteador de indicadores e ações estruturantes para o desenvolvimento do Estado é um crime. O mesmo vale para a Cientec e outras fundações. Nós não sabemos a verdadeira dimensão dessas extinções e muito menos o governo do Estado. Eles não sabem a gravidade do ato que cometeram. A sociedade gaúcha sentirá os efeitos desse ato no curto e médio prazo”. O Rio Grande do Sul e o Brasil como um todo, acrescenta Wollmann, podem estar entrando no ciclo que o Paraguai entrou há alguns anos. “Sairemos triturados e moídos desse processo”, afirma.

Sul21: O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul vem assumindo uma posição protagonista no enfrentamento do pacote de ajuste fiscal do governo Sartori. Qual é a avaliação que o senhor faz sobre esse pacote e suas repercussões no presente e futuro do Estado?

Alexandre Wollmann: Durante a campanha eleitoral de 2014, o então candidato José Ivo Sartori esteve aqui no Sindicato e nós entregamos para ele uma pauta mínima, um compêndio de dez itens que nós, como entidade de classe, montamos como sendo um material de orientação da categoria dos engenheiros, que possui quase 100 mil profissionais e está intimamente relacionada com a questão do desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul. O Sindicato dos Engenheiros elaborou essa pauta mínima e entregou aos candidatos para que eles pudessem avaliar a possibilidade daqueles itens fazerem parte de seus respectivos planos de governo. Um dos elementos dessa pauta mínima era a defesa do fortalecimento das instituições, entendendo-as como propulsoras de desenvolvimento do Estado.

“É muito triste ver essa postura partindo de um gestor que está de passagem. Decidimos sair à rua contra isso”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Ficamos muito surpresos quando o governador anunciou um pacote de medidas que propunha, entre outras coisas, desmantelar essas instituições, algumas delas criadas e fortalecidas ainda no governo de Leonel Brizola que estatizou e criou a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica). Nos machucou muito a proposta de desmantelar essas instituições por um governante de passagem. É muito triste ver essa postura partindo de um gestor que está de passagem. Decidimos sair à rua contra isso. O sindicato mudou um pouco o seu modelo de gestão nas últimas décadas, priorizando a construção de soluções e melhorias para a categoria e para o Estado do Rio Grande do Sul.

Na nossa avaliação, o atual governo, assim como aconteceu com um governo anterior do mesmo partido, só está olhando a despesa, sem considerar a receita. Estamos batendo muito forte nesta tecla da questão da receita, especialmente nos temas dos incentivos fiscais, da sonegação e da fiscalização. Passando a ponte do Guaíba, por exemplo, enxerga-se uma balança desativada há décadas. Isso atravessa vários governos e mostra que a receita do ICMS não está sendo adequadamente fiscalizada. Além disso, temos um modelo de incentivos fiscais que favorece alguns em detrimento de muitos.

Sul21: O sindicato inclusive está apoiando a proposta de realização de uma CPI na Assembleia Legislativa para investigar esses temas…

Alexandre Wollmann: Sim. Em 2015, ingressamos com uma ação contra o governo do Estado para que seja aberta a caixa preta do Fundopem. No ano seguinte, o próprio Ministério Público também ingressou com uma ação neste sentido, dando um prazo para o governo abrir essa caixa preta. Nós promovemos um grande debate sobre esse tema, para o qual trouxemos a Maria Lucia Fattorelli, fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, e que estudou os casos da Grécia e de outros países. Nesta ocasião, ela teve uma passagem pela Assembleia Legislativa e o deputado Luis Augusto Lara encampou esse tema e começou a debatê-lo.

“Onde está o estudo que fundamentou o encaminhamento desse pacote para a Assembleia?” (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Somos contrários ao desmanche que está sendo promovido no Estado e a extinção das fundações representa uma economia pífia para o orçamento do Estado. Além disso, o que estamos vendo também é que fundações serão extintas mas o Estado continuará com os funcionários, pois muitos deles têm estabilidade. A Cientec (Fundação de Ciência e Tecnologia) é um caso emblemático. Dos 276 funcionários da fundação, apenas seis serão demitidos. Os 270 restantes terão que ser realocados para outros setores. Qual é o sentido disso? Onde está o estudo que fundamentou o encaminhamento desse pacote para a Assembleia?

Esse pacote foi visto somente por alguns. Não houve discussão com a sociedade. Nós nos apresentamos para fazer esse debate. Na pauta mínima que entregamos aos candidatos cogitamos a possibilidade de um enxugamento dos órgãos com realocação de algumas funções. Por que, por exemplo, nós temos duas secretarias tratando da agricultura? A Cientec, por sua vez, poderia ser unida a outras instituições de pesquisa do Estado. Mas, como disse, não houve nenhum debate sobre isso. O modelo de gestão do atual governo é igual ao do governo Britto e olha só para a despesa.

Sul21: Na sua avaliação, qual a extensão dos danos, no médio e longo prazo, da extinção de fundações nas áreas da cultura, ciência e tecnologia?

Alexandre Wollmann: O Rio Grande do Sul está voltando ao século passado ou mais para trás ainda. Extinguir a Fundação de Economia e Estatística que é um norteador de indicadores e ações estruturantes para o desenvolvimento do Estado é um crime. O mesmo vale para a Cientec. Nem o governo do Estado sabe o que ele fez. Talvez só saiba quando a sociedade começar a cobrar. Temos pesquisadores da Cientec que estão fora do país. O que eles vão fazer? Vão abandonar as pesquisas que estão fazendo, muitas delas com fomento de capital estrangeiro, e voltar? Nós não sabemos a verdadeira dimensão dessas extinções e muito menos o governo do Estado. Eles não sabem a gravidade do ato que cometeram. A sociedade gaúcha sentirá os efeitos desse ato no curto e médio prazo.

O governo está diminuindo 0,8% do custo, extinguindo as fundações, ao mesmo tempo em que há 9 bilhões de reais de receita sonegada que ele poderia buscar. Essas extinções não resolverão o problema da dívida do Estado, tanto é que o governo já anuncia um novo pacote por meio do qual, até pelo alinhamento com o governo federal, pode entregar outras estatais como o Banrisul e a Corsan.

Sul21: O governo Sartori propôs a privatização de todas as empresas do setor energético do Estado. Caso essa proposta for aprovada, quais os possíveis impactos para a economia do Rio Grande do Sul?

“Vender todo o nosso setor energético é brincar com a realidade. Nós temos um pré-sal enterrado no Rio Grande do Sul”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

 Alexandre Wollmann: Quando o governo Britto privatizou dois terços da CEEE, o Rio Grande do Sul ficou só de calção. Se Sartori conseguir privatizar o resto, o Estado ficará nu. Pelo modelo de gestão desse governo, estatal chinesa presta, mas estatal gaúcha não vale nada. Vender todo o nosso setor energético é brincar com a realidade. Nós temos um pré-sal enterrado no Rio Grande do Sul. Vamos entregar isso a que custo? O governo não consultou órgãos técnicos para fazer uma avaliação dessa riqueza, não consultou a Fundação de Economia e Estatística nem outros órgãos de pesquisa. Além disso, a CRM fornece carvão para uma estatal federal que é a CGTEE. Passará a comprar carvão de quem? É muito sério entregar todo o setor energético para uma estatal chinesa. Eles já compraram a RGE, a AES Sul, o grupo CPFL. E me parece que já existe um alinhamento para que isso aconteça.

O Rio Grande do Sul e o Brasil como um todo podem estar entrando no ciclo que o Paraguai entrou há alguns anos. Sairemos triturados e moídos desse processo. Talvez daqui a trinta anos repensemos o que estamos fazendo agora. O Paraguai e o Chile passaram por isso. A França, agora, com a reforma trabalhista, segue o mesmo caminho. A Grécia idem. Podemos ter um desmonte trabalhista e um desmonte de Estado com graves consequências no final deste processo. Nós vamos lutar muito na Assembleia Legislativa para sensibilizar os deputados contra esse retrocesso. Lotamos a Praça da Matriz no final do ano e mostramos que estamos unidos. Todos os sindicatos estão unidos em torno de uma causa nobre, que é a defesa do Estado do Rio Grande do Sul.

Sul21: A partir da Operação Lava Jato, importantes empresas e projetos da engenharia nacional foram paralisados. Há quem diga que está em curso um processo de desmonte da engenharia nacional, que teve um grande impulso nas últimas décadas, especialmente com a valorização do conteúdo local em setores como a engenharia naval e petrolífera. Na sua opinião, há um desmonte desse setor em curso mesmo?

Alexandre Wollmann: O que ficou na vitrine foi a palavra “engenharia”, mas o que está por trás não é a engenharia propriamente, mas sim algumas pessoas que trabalharam nestas empresas e que queriam ganhar dinheiro com essa palavra. Tivemos administradores, engenheiros e gestores que entraram no ciclo vicioso de um modelo de gestão do Estado brasileiro e se venderam. Existem muitas empresas de engenharia boas no Brasil, mas acho que foram contaminadas por aquela máxima do Gérson de querer levar vantagem em tudo. Como consequência desse processo, houve um desmantelamento da engenharia da engenharia nacional como um todo e de importantes empresas como a Petrobras. Há um processo de desindustrialização em curso no Brasil. Estamos caminhando para esse modelo do Chile e do Paraguai, onde tudo o que vem de fora é vendido como melhor.

 

“Acho que o empresariado gaúcho ainda não se deu conta das implicações do que está acontecendo.” (Foto: Maia Rubim/Sul21)

No Rio Grande do Sul, Estado que é um grande exportador de grãos, praticamente todas as empresas de implementos agrícolas estão trazendo engenharia de fora. Existe uma empresa, a Stara, de Não Me Toque, que ainda está lutando contra esse modelo, fazendo engenharia aqui dentro. Provavelmente ficará isolada. Esse modelo de “trazer de fora” é o que está sendo adotado aqui no Estado e no Brasil. O modelo chinês no setor energético, por exemplo, vem com tudo pronto. Acho que o empresariado gaúcho ainda não se deu conta das implicações disso.

Sul21: Não existe, entre o empresariado com o qual você tem contato, uma consciência de que essa lógica do Estado mínimo pode vir a afetar seu próprio negócio?

Alexandre Wollmann: Sim. Eles têm consciência disso. O problema é que eles muitas vezes são pequenos e estão sob um guarda-chuva chamado Fiergs. Tomemos o caso da empresa Trafo, por exemplo, que fornece equipamentos para a CEEE. Se a CEEE for vendida para os chineses quem é que vai vender equipamento para ela? Virá tudo de navio. A Kepler Weber, que faz alguns componentes do sistema de distribuição, vai perder esse mercado. Várias outras empresas sistemistas terão seus negócios diretamente atingidos. Olhe para o parque da GM. Quantas empresas gaúchas estão ali hoje? Quase nenhuma. Quando se iniciou o parque da GM, prometeu-se que haveria um grande fomento para as empresas locais. Muitas delas se instalaram ali, mas foram sendo substituídas porque o custo da nossa mão de obra seria alto. O padrão dominante no mundo parece ser voltar a um modelo de escravidão e produzir o máximo com um mínimo de encargos.

O Brasil perdeu o fio da meada e já foi absorvido por esse modelo, como aconteceu com outros países. O empresariado brasileiro terá perdas, sim. Foi noticiado nesta última semana que a Multisom vai fechar 30 lojas. Isso é reflexo das políticas dos governos que estão aí. O governo Sartori prometeu que, aumentando o ICMS, iria salvar a lavoura. Não salvou. Pelo contrário, espantou muita gente daqui.

Sul21: Entre a base do sindicato dos engenheiros e os estudantes de engenharia que estão prestes a se formar há uma consciência desse quadro que estamos vivendo?

“O governo Sartori prometeu que, aumentando o ICMS, iria salvar a lavoura. Não salvou”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

 Alexandre Wollmann: O engenheiro, por natureza, é um cara que anda de cabeça baixa, diferentemente de outras categorias profissionais. Ele não se dá o devido respeito. O estudante de Medicina coloca um estetoscópio no pescoço, anda com a cabeça erguida no hospital e todo mundo o chama de doutor. O estudante de Direito coloca um terno e gravata, carregando um carrinho de processos, e todo o chama de doutor. Já o engenheiro é chamado de engenheiro quando morrem 242 pessoas na boate Kiss. A culpa é do engenheiro. Quando cai uma ciclovia, como aconteceu no Rio de Janeiro, a culpa é do engenheiro. Os engenheiros não se respeitam e não sabem se articular.

Um dos principais objetivos da nossa passagem aqui pelo sindicato é conseguir com que os engenheiros levantem a cabeça e consigam enxergar não só o que ele sabe fazer bem, que é engenharia, mas também o que está acontecendo no Brasil, qual o modelo que está sendo implantado na sociedade. Os engenheiros ainda não se deram conta do que o modelo de gestão que estamos vendo no Estado e no país pode trazer de atraso para a engenharia. As nossas universidades são referências nacionais de qualidade de ensino, mas o engenheiro é um péssimo articulador. Ele tem olhar ao redor e se dar conta que precisa se unir para fazer uma engenharia gaúcha e brasileira melhor. Isso é um trabalho que talvez dure décadas, mas nós estamos tentando promover essa mudança.

 

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