Repetência não traz benefício
Pesquisas provam que repetência não traz benefício algum ao aluno
Ninguém mais aceita viver com taxas de inflação tão altas quanto as que tivemos no passado. Claro que este não é o único índice utilizado por economistas para avaliar um país, mas, quando o aumento dos preços no Brasil ameaça ultrapassar a meta, como sucede agora, não faltam alertas de que precisamos corrigir a rota. Na educação, deveríamos demonstrar incômodo semelhante com alguns indicadores. Um deles é o da repetência.
A exemplo da inflação, o Brasil já ostentou nesse indicador taxas tão absurdas a ponto de figurar entre os dez piores países do mundo. E não faz muito tempo. Num ranking a partir de cálculos da Unesco para um conjunto de 120 países no ano 2000, o Brasil, com 25% de repetentes, aparecia atrás apenas de Ruanda, São Tomé e Príncipe, Madagascar, Congo, Togo, Camarões e Burundi.
Na década de 80, chegamos ao disparate de reprovar seis em cada dez crianças na primeira série, quadro bem resumido pelo físico Sergio Costa Ribeiro (1936-1995) como uma verdadeira “pedagogia da repetência”. Se ao menos nossos indicadores de aprendizagem fossem bons, poderíamos ter alguma desculpa para taxas tão altas. Mas este nunca foi o caso.
Cálculos feitos pelo pesquisador Ruben Klein mostram que, em 2013, 10% dos alunos eram repetentes na educação básica, taxa que chegava a 19% no 1º ano do ensino médio. Melhoramos, mas ainda estamos longe de uma média aceitável. Entre 61 países comparados em 2012 pela OCDE no exame internacional Pisa, o Brasil registrava o sétimo pior indicador de reprovação, com 36% dos jovens de 15 anos tendo repetido ao menos uma vez em toda sua trajetória. Na maioria dos países ricos, esse percentual não passa de 10%.
Fazer o aluno repetir de ano, além de ser uma péssima estratégia de aprendizagem, custa caro. Somente do Fundeb (principal fundo de financiamento da educação pública no Brasil), o pesquisador João Bacchetto estimou que gastamos R$ 8,8 bilhões (9% do total do fundo em 2012) por causa da repetência.
Quando várias redes no Brasil, inclusive a do Rio, tentaram introduzir uma política de ciclos para enfrentar o problema, houve gritaria geral contra o que se identificou na época como mera aprovação automática de alunos. A crítica de que não podemos simplesmente passar crianças de ano sem a preocupação de fazer com que elas aprendam é justíssima. Quando indicadores de reprovação ou evasão pioram, porém, não esboçamos indignação parecida. E eles pioraram, por exemplo, entre 2007 e 2014 (período em que o sistema de ciclos foi modificado) na rede municipal carioca, segundo artigo publicado no site Latitudes pelos pesquisadores da UFRJ Vitor Calafate, Anita Caldeira e Daniel Lopes de Castro. A cidade de São Paulo registrava, até 2013, curva oposta à do Rio, mas a reprovação por lá também voltou a crescer em 2014 após a prefeitura paulistana ter, igualmente, reformulado seu sistema de ciclos. (leia o post dos pesquisadores aqui)
No livro “Visible Learning”, sem tradução no Brasil, o pesquisador da Universidade de Auckland John Hattie faz uma síntese de mais de 800 meta-análises (estudos mais robustos por compilar várias pesquisas numa mesma análise) sobre variáveis que afetam o aprendizado. Das 138 estratégias listadas no livro, a maioria não teve impacto, algumas se mostraram eficazes, mas apenas cinco foram identificadas como negativas por, em vez de beneficiarem, só prejudicarem o aluno. Entre elas está a reprovação, que afeta principalmente os mais pobres e aumenta consideravelmente a evasão. Como resume Hattie: “É difícil encontrar outra prática educacional em que a evidência científica é tão inequivocadamente negativa”.
Se reprovar é ruim, qual a evidência sobre a "aprovação automática"?
Continuando o debate sobre repetência nos post anteriores (veja aqui e aqui), recebi um email de um leitor com um questionamento pertinente: se reprovar é uma péssima estratégia, o que devemos fazer? Aprovar sem o aluno saber? Claro que a resposta mais óbvia para esta pergunta seria dizer: o foco está em fazer todo aluno aprender. Mas, se essa fosse uma tarefa tão simples no Brasil, não teríamos indicadores de qualidade do ensino tão preocupantes.
No Brasil, o debate sobre os ciclos (tratados como aprovação automática principalmente entre os críticos desse sistema) foi (e ainda é) acalorado. Poucos, porém, são os estudos que analisaram rigorsamente o impacto dessa medida. Eu conheço ao menos dois, ambos com conclusões favoráveis ao sistema. Um deles foi feito pelos pesquisadores Naércio Menezes-Filho, Lígia Vasconcellos, Sérgio Ribeiro da Costa Werlang e Roberta Loboda Biondi. O estudo concluiu que o sistema levou, como era de se esperar, a uma maior taxa de aprovação e menor taxa de abandono nas escolas que adotam o programa. "Com relação ao desempenho escolar, obteve-se uma redução na proficiência dos estudantes da 8a série do ensino fundamental, enquanto que para a 4a série os resultados não foram significativos. A partir destas estimativas, é calculado o retorno econômico do programa e concluímos que a adoção da progressão continuada atinge seus objetivos de aumentar o incentivo para a permanência do aluno na escola, o que tem como conseqüência direta a melhora da renda futura, mesmo com o impacto negativo no desempenho", concluem os autores, no estudo que pode ser lido aqui.
Outro estudo que abordou o tema foi feito pelo pesquisador Sergei Soares, do Ipea. Soares conclui que "os resultados mostram que as políticas de progressão continuada não exercem qualquer impacto negativo sobre o desempenho escolar dos alunos. Ao contrário, verifica-se um impacto positivo de políticas de progressão continuada sobre os resultados dos exames, embora estes não sejam significativos devido ao baixo número de observações na amostra."
Leia o estudo aqui ou abaixo
TD 1300 - A Repetência no Contexto Internacional: O que Dizem os Dados de Avaliações das Quais o Brasil não Participa?
Sergei Suarez Dillon Soares / Brasília, agosto de 2007
O Brasil se caracteriza por um altíssimo nível de repetência. Apenas Angola tem taxas tão altas quanto as brasileiras. As evidências qualitativa e quantitativa estabelecendo um elo entre a repetência e a evasão escolar são extensas. No entanto, há pouca discussão no Brasil sobre o impacto da repetência no contexto internacional. O objetivo deste texto é usar os dados de duas avaliações internacionais - em matemática e ciências (Trends in International Mathematics and Science Study, Timss) e em leitura (Progress in International Reading Literacy Study, PIRLS) ? para estimar em que medida as políticas de combate à repetência têm impactos negativos sobre o desempenho em testes padronizados. Para estimar este impacto, usei tanto comparações univariadas dos resultados de países com diversas políticas com relação à progressão continuada, como também análise de regressão na qual cada país representa uma unidade. Os resultados mostram que as políticas de progressão continuada não exercem qualquer impacto negativo sobre o desempenho escolar dos alunos. Ao contrário, verifica-se um impacto positivo de políticas de progressão continuada sobre os resultados dos exames, embora estes não sejam significativos devido ao baixo número de observações na amostra.
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