Repetência não traz benefício

Repetência não traz benefício

Pesquisas provam que repetência não traz benefício algum ao aluno

POR ANTÔNIO GOIS       11/01/2016 

Ninguém mais aceita viver com taxas de inflação tão altas quanto as que tivemos no passado. Claro que este não é o único índice utilizado por economistas para avaliar um país, mas, quando o aumento dos preços no Brasil ameaça ultrapassar a meta, como sucede agora, não faltam alertas de que precisamos corrigir a rota. Na educação, deveríamos demonstrar incômodo semelhante com alguns indicadores. Um deles é o da repetência.

A exemplo da inflação, o Brasil já ostentou nesse indicador taxas tão absurdas a ponto de figurar entre os dez piores países do mundo. E não faz muito tempo. Num ranking a partir de cálculos da Unesco para um conjunto de 120 países no ano 2000, o Brasil, com 25% de repetentes, aparecia atrás apenas de Ruanda, São Tomé e Príncipe, Madagascar, Congo, Togo, Camarões e Burundi. 

Na década de 80, chegamos ao disparate de reprovar seis em cada dez crianças na primeira série, quadro bem resumido pelo físico Sergio Costa Ribeiro (1936-1995) como uma verdadeira “pedagogia da repetência”. Se ao menos nossos indicadores de aprendizagem fossem bons, poderíamos ter alguma desculpa para taxas tão altas. Mas este nunca foi o caso. 

Cálculos feitos pelo pesquisador Ruben Klein mostram que, em 2013, 10% dos alunos eram repetentes na educação básica, taxa que chegava a 19% no 1º ano do ensino médio. Melhoramos, mas ainda estamos longe de uma média aceitável. Entre 61 países comparados em 2012 pela OCDE no exame internacional Pisa, o Brasil registrava o sétimo pior indicador de reprovação, com 36% dos jovens de 15 anos tendo repetido ao menos uma vez em toda sua trajetória. Na maioria dos países ricos, esse percentual não passa de 10%. 

Fazer o aluno repetir de ano, além de ser uma péssima estratégia de aprendizagem, custa caro. Somente do Fundeb (principal fundo de financiamento da educação pública no Brasil), o pesquisador João Bacchetto estimou que gastamos R$ 8,8 bilhões (9% do total do fundo em 2012) por causa da repetência.

Quando várias redes no Brasil, inclusive a do Rio, tentaram introduzir uma política de ciclos para enfrentar o problema, houve gritaria geral contra o que se identificou na época como mera aprovação automática de alunos. A crítica de que não podemos simplesmente passar crianças de ano sem a preocupação de fazer com que elas aprendam é justíssima. Quando indicadores de reprovação ou evasão pioram, porém, não esboçamos indignação parecida. E eles pioraram, por exemplo, entre 2007 e 2014 (período em que o sistema de ciclos foi modificado) na rede municipal carioca, segundo artigo publicado no site Latitudes pelos pesquisadores da UFRJ Vitor Calafate, Anita Caldeira e Daniel Lopes de Castro. A cidade de São Paulo registrava, até 2013, curva oposta à do Rio, mas a reprovação por lá também voltou a crescer em 2014 após a prefeitura paulistana ter, igualmente, reformulado seu sistema de ciclos. (leia o post dos pesquisadores aqui)

No livro “Visible Learning”, sem tradução no Brasil, o pesquisador da Universidade de Auckland John Hattie faz uma síntese de mais de 800 meta-análises (estudos mais robustos por compilar várias pesquisas numa mesma análise) sobre variáveis que afetam o aprendizado. Das 138 estratégias listadas no livro, a maioria não teve impacto, algumas se mostraram eficazes, mas apenas cinco foram identificadas como negativas por, em vez de beneficiarem, só prejudicarem o aluno. Entre elas está a reprovação, que afeta principalmente os mais pobres e aumenta consideravelmente a evasão. Como resume Hattie: “É difícil encontrar outra prática educacional em que a evidência científica é tão inequivocadamente negativa”.

http://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/pesquisas-provam-que-repetencia-nao-traz-beneficio-algum-ao-aluno.html

Se reprovar é ruim, qual a evidência sobre a "aprovação automática"?

POR ANTÔNIO GOIS     15/01/2016 

Continuando o debate sobre repetência nos post anteriores (veja aqui e aqui), recebi um email de um leitor com um questionamento pertinente: se reprovar é uma péssima estratégia, o que devemos fazer? Aprovar sem o aluno saber? Claro que a resposta mais óbvia para esta pergunta seria dizer: o foco está em fazer todo aluno aprender. Mas, se essa fosse uma tarefa tão simples no Brasil, não teríamos indicadores de qualidade do ensino tão preocupantes. 

No Brasil, o debate sobre os ciclos (tratados como aprovação automática principalmente entre os críticos desse sistema) foi (e ainda é) acalorado. Poucos, porém, são os estudos que analisaram rigorsamente o impacto dessa medida. Eu conheço ao menos dois, ambos com conclusões favoráveis ao sistema. Um deles foi feito pelos pesquisadores Naércio Menezes-Filho, Lígia Vasconcellos, Sérgio Ribeiro da Costa Werlang e Roberta Loboda Biondi. O estudo concluiu que o sistema levou, como era de se esperar, a uma maior taxa de aprovação e menor taxa de abandono nas escolas que adotam o programa. "Com relação ao desempenho escolar, obteve-se uma redução na proficiência dos estudantes da 8a série do ensino fundamental, enquanto que para a 4a série os resultados não foram significativos. A partir destas estimativas, é calculado o retorno econômico do programa e concluímos que a adoção da progressão continuada atinge seus objetivos de aumentar o incentivo para a permanência do aluno na escola, o que tem como conseqüência direta a melhora da renda futura, mesmo com o impacto negativo no desempenho", concluem os autores, no estudo que pode ser lido aqui.

Outro estudo que abordou o tema foi feito pelo pesquisador Sergei Soares, do Ipea. Soares conclui que "os resultados mostram que as políticas de progressão continuada não exercem qualquer impacto negativo sobre o desempenho escolar dos alunos. Ao contrário, verifica-se um impacto positivo de políticas de progressão continuada sobre os resultados dos exames, embora estes não sejam significativos devido ao baixo número de observações na amostra."

Leia o estudo aqui ou abaixo

TD 1300 - A Repetência no Contexto Internacional: O que Dizem os Dados de Avaliações das Quais o Brasil não Participa?

Sergei Suarez Dillon Soares / Brasília, agosto de 2007

O Brasil se caracteriza por um altíssimo nível de repetência. Apenas Angola tem taxas tão altas quanto as brasileiras. As evidências qualitativa e quantitativa estabelecendo um elo entre a repetência e a evasão escolar são extensas. No entanto, há pouca discussão no Brasil sobre o impacto da repetência no contexto internacional. O objetivo deste texto é usar os dados de duas avaliações internacionais - em matemática e ciências (Trends in International Mathematics and Science Study, Timss) e em leitura (Progress in International Reading Literacy Study, PIRLS) ? para estimar em que medida as políticas de combate à repetência têm impactos negativos sobre o desempenho em testes padronizados. Para estimar este impacto, usei tanto comparações univariadas dos resultados de países com diversas políticas com relação à progressão continuada, como também análise de regressão na qual cada país representa uma unidade. Os resultados mostram que as políticas de progressão continuada não exercem qualquer impacto negativo sobre o desempenho escolar dos alunos. Ao contrário, verifica-se um impacto positivo de políticas de progressão continuada sobre os resultados dos exames, embora estes não sejam significativos devido ao baixo número de observações na amostra.


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http://blogs.oglobo.globo.com/antonio-gois/post/se-reprovar-e-ruim-qual-evidencia-sobre-aprovacao-automatica.html 

 




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