Relatos de humilhação
Servidores relatam humilhação, atrasos de contas e mudanças na rotina após parcelamento de salários
Luís Eduardo Gomes
“A gente fica meio abalado”, diz o soldado da Brigada Militar Cesar Giovani Formoso da Costa, sobre o parcelamento de salários dos servidores estaduais, anunciado na última sexta-feira pelo governo de José Ivo Sartori (PMDB). Ele conta que ainda não conseguiu pagar as contas de água e luz. “Acho que vou pagar só mais adiante, até porque tenho que comprar alimentação”, afirma.
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Costa reclama que já estava se preparando para um possível parcelamento, mas achava que não seria afetado. “Ouvi falar (do parcelamento) há uns 10 dias, mas não acreditava”, diz.
Uma das medidas que conseguiu tomar para custear suas despesas do dia a dia foi sacar o dinheiro que recebeu no Banrisul, antes que lhe descontassem. Na Brigada há 25 anos, ele diz que, para conseguir fechar as contas, faz um bico como segurança de um mercadinho durante sua folga.
Com essas medidas e como seus dois filhos já são adultos, Costa afirma que conseguiu se organizar neste mês, contudo diz que outros colegas estão sofrendo mais com o parcelamento, especialmente aqueles que têm filhos em creches. “Aí o gasto é maior”.
Na última sexta-feira (31), o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, anunciou o parcelamento dos vencimentos de 47,2% das 347 mil matrículas de servidores públicos do Poder Executivo que ganham acima de R$ 2.150.
Quem ganha até R$ 3.150, receberá uma segunda parcela até o dia 13 de agosto. O restante dos servidores, além da parcela de R$ 2.150, receberá uma segunda parcela de R$ 1 mil no dia 13 e o resto da remuneração até o dia 25 de agosto.
Parcelamento não atinge só servidores
Ana Maria Barreto Correa é pensionista do Estado, bem como sua mãe, Maria de Barros Correa, que é aposentada do Tesouro do Estado. Aos 96 anos e tendo passo por um AVC, Alzheimer e Parkinson, Maria de Barros vive acamada e depende da ajuda de dois enfermeiros que trabalham em sua assistência diariamente.
Com o parcelamento dos salários de sua mãe – ela também recebe uma pensão de viúva -, Ana Maria não sabe como irá fazer para pagar estes profissionais no dia 5, quando eles normalmente recebem, e arcar com outros gastos exigidos pela condição da mãe.
“O governo acha que a gente tem dinheiro guardado, mas não é assim”
“Ela é uma pessoa acamada, usa fraldas. Então, um salário vai praticamente inteiro para as pessoas que cuidam dela”, disse. “É uma situação bem difícil para nós. O governo acha que a gente tem dinheiro guardado, mas não é assim”, diz.
Ana Maria afirma que votou no governador José Ivo Sartori nas eleições passadas, mas acredita que a decisão de parcelar os salários é uma “covardia”. “Ele não sabe as condições das pessoas e acha que elas conseguem viver com isso? Eu duvido que ele consiga viver com isso. Foi coisa de menino, o descaso das com as pessoas. A vontade que eu tive é de mandar as contas para ele pagar, porque tudo corre juros”, afirma.
Humilhação
O sargento da reserva Chaves*, 59, trabalhou 28 anos na Brigada Militar e diz que nunca passou por uma situação semelhante antes.
Ele conta que, devido ao parcelamento, ficou no vermelho no banco e ainda tem várias contas para pagar. Uma das decisões que tomou para contornar essa situação foi a suspensão do serviço de TV por assinatura. Outra mudança em sua vida é a troca do carro pelo ônibus por falta de dinheiro para a gasolina. Morador do bairro Partenon, ele agora precisará pegar dois ônibus para chegar até a Baltazar de Oliveira, onde trabalha atualmente.
O sargento Claudio Luís Bauermann Marques, há 26 anos na Brigada, conta que o parcelamento do salário lhe causou muitos transtornos. “Tive que atrasar a conta de luz, carnês, o colégio do meu guri”, diz o sargento, que recebe cerca de R$ 3,7 mil, mas, neste mês, recebeu apenas R$ 2.150.
Ele conta que, assim como boa parte dos servidores do Estado, tem empréstimos contraídos junto ao Banrisul que já foram descontados. “Com os descontos do Banrisul mais as contas a pagar, fiquei no negativo. Mas o que vou fazer? Ficar esperando ou tentar trabalhar fora”, disse.
O sargento Chaves também tem um empréstimo no Banrisul. Indignado, ele conta que, na segunda-feira, recebeu uma mensagem alertando sobre um empréstimo oferecido aos servidores pelo banco. “Ontem, para minha humilhação, o Banrisul mandou a mensagem oferecendo empréstimo a juros. Não tem nexo”, diz.
“Ontem, para minha humilhação, o Banrisul mandou a mensagem oferecendo empréstimo a juros”
Constrangimento para negociar dívidas
Valéria Fontoura, 51 anos, professora da Escola Estadual Rio Janeiro, diz que, desde que recebeu a informação sobre o parcelamento, tem “jogado com as contas”. Carnês de lojas teve que pagar. Para o supermercado, está utilizando o Banricompras para pagar em 30 dias. Outros débitos têm tentado negociar com seus credores novas datas para fazer os pagamentos.
“Serviços autônomo, como dentista, psicóloga, academia do meu filho eu consegui adiar. Mas é uma situação extremamente constrangedora. Por que a gente tem que estar pedindo coisas que são nossas? O nosso salário já é um salário de sobrevivência e agora, inclusive isso, estão nos tirando”, afirma.
Fontoura é outra que diz que votou em Sartori no ano passado. Ela também conta que há muito tempo não participava de mobilizações sindicais, mas voltou a participar. “Agora eu me engajei e vou até o final”, disse.
“Vai chegar uma hora que ninguém vai receber”
E no mês que vem?
Monica Rico de Almeida, 63 anos, é pensionista do Ipê. Por uma situação econômica mais estável, ela conta que o parcelamento da pensão não afetou suas contas nesse mês. Contudo, ela teme, dado o quadro de crise aguda anunciado pelo Estado, o que pode ocorrer nos próximos meses.
“Quem vai receber no final do mês? É óbvio que vai ser parcelado. Vai chegar uma hora que ninguém vai receber”, diz Almeida.
*Ele preferiu não informar seu primeiro nome
http://www.sul21.com.br/jornal/servidores-relatam-humilhacao-atrasos-de-contas-e-mudancas-na-rotina-apos-parcelamento-de-salarios/