Rejeição à MP do ensino médio
Audiência expõe rejeição à MP do ensino médio
Em audiência pública ontem, representantes de entidades de professores e estudantes pediram que o governo federal retire a medida provisória que reestrutura o ensino médio (MP 746/2016). Na comissão mista que analisa a MP, eles consideraram a proposta um “retrocesso” e disseram que ela não aborda os verdadeiros problemas do ensino.
A presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, Iria Brzezinski, disse que o projeto nasce de uma “atitude autoritária” ao ser apresentada por MP e despreza o conhecimento já acumulado ao longo de anos de debates sobre o assunto para impor um modelo pronto:
— A reforma do ensino médio configura um retrocesso de décadas ao instituir, sob o argumento da flexibilização, um aligeiramento e uma precarização desse nível de ensino. Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disse que enxerga no projeto uma série de medidas que podem acarretar no futuro uma onda de privatizações do ensino médio. Para ele, isso seria ineficiente e excludente.
— Em nenhum lugar do mundo a privatização do ensino funcionou. A educação tem que ser um direito e um bem público, com oferta e controle social do Estado.
Monica Ribeiro da Silva, do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, criticou a proposta constante da MP que reduziria o número de disciplinas obrigatórias para dar lugar a módulos temáticos pelos quais os estudantes optariam. Ela apontou que a proposta não leva em consideração as expectativas curriculares dos estudantes e, ao fazer muitas imposições às escolas sem dar as condições para que elas as cumpram, contribui para criar um “fosso” de desigualdades.
Antes de promover mudanças estruturais no currículo, é preciso corrigir as deficiências que existem no cumprimento do modelo atual, como a formação dos professores, completou Iria Brzezinski. Olavo Nogueira Filho, do movimento Todos Pela Educação, destacou a necessidade da preservação da “coerência” programática entre os estados, apesar da diversificação e flexibilização da oferta curricular. O modelo de ensino integral proposto também foi criticado pelos debatedores, pois seria apenas extensão de horas a mais na escola, sem atividades significativas de aprendizado.
Conflito
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, cobrou dos parlamentares mais abertura para diálogo com o corpo estudantil. Ela exaltou as ocupações de mais de mil escolas e universidades e disse que isso demonstra vontade e poder de mobilização dos estudantes. — Só queremos o direito de contribuir com a reforma. Somos os maiores interessados. Carina relatou que um grupo de estudantes havia sido tratado com violência por policiais na entrada do Senado. A participação da UNE e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) chegou a ser suspensa pela Presidência do Senado até que a situação se acalmasse. Ao final, as entidades participaram da audiência
Para participantes do debate na comissão mista, medida do governo não aborda verdadeiros problemas do ensino
Medida opõe governo e setor educacional
AMP do ensino médio também foi debatida na Comissão de Educação (CE) ontem.
Representantes de entidades ligadas ao setor afirmaram que a medida deve ser analisada em conjunto com a PEC do Teto de Gastos (PEC 55/2016) no que tange ao impacto na área educacional. Para Marta Vanelli, do Fórum Nacional da Educação (FNE), se o governo federal tivesse a intenção de fazer a reforma do ensino médio ouvindo os educadores, estudantes e pais, bastaria priorizar o projeto em tramitação na Câmara dos Deputados e que tem o mesmo objetivo (PL 6.840/2013).
A opção de fazer a reforma por MP se deu porque o governo sabe que a proposta seria rejeitada num debate mais democrático, afirmou. Ela também disse que o governo está boicotando o fórum, que se manifestou publicamente contra a MP. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que também faz parte do fórum, lamentou o alegado boicote ao FNE. Ela citou estudo da consultora Mariza de Abreu, da Câmara dos Deputados, que prevê que a instauração do ensino de tempo integral, um dos objetivos anunciados pela MP, terá um custo de R$ 1,5 bilhão apenas em seus dois primeiros anos.
Algo que entende incompatível com a PEC 55/2016, que prioriza o congelamento dos gastos. AMP 746/2016 e os impactos do Teto de Gastos sobre a educação também foram criticadas por Dante Henrique, do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. Ele citou um estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) segundo o qual, se o teto de gastos concebido agora pelo governo estivesse em vigor desde 2002, a área da saúde teria recebido R$ 300 bilhões a menos e a educação teria perdido R$ 377 bilhões. Para Henrique, as duas propostas revogam os objetivos do Plano Nacional de Educação e o próprio pacto social consolidado a partir da Constituição de 1988.
Modelo “falido”
A reforma proposta pelo governo foi defendida pelo presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), Frederico Amancio, e pelo secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Rossieli Soares. Eles falaram no início da sessão e não puderam acompanhar a maior parte da reunião devido a compromissos. Amancio afirmou que grandes pontos da MP já vinham sendo discutidos pelo MEC durante a gestão de Dilma Rousseff e buscam substituir um modelo “falido, que comprovadamente não tem como dar mais resultados”. Disse que a filosofia que rege a reforma busca tornar o ensino mais atraente aos jovens. Ele citou dados recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) que, no seu entender, comprovam a estagnação do atual modelo. Os incentivos à flexibilização curricular e ao ensino integral presentes na reforma poderão reverter esse quadro, argumentou. Provocado por Fátima Bezerra, o representante do MEC defendeu a realização da reforma antes da definição da nova Base Nacional Comum Curricular, afirmando que “a arquitetura deve vir antes do conteúdo”
Mesmo com limitação, proposta de reforma é um avanço, diz Simone
A medida provisória que reforma o ensino médio é limitada, pois não resolve problemas graves da educação nem aumenta investimentos no setor, disse Simone Tebet (PMDB-MS) em discurso. Apesar disso, a MP 746/2016 trata de tema relevante e urgente e é um avanço, avaliou a senadora. Ela destacou mudanças como o ensino em tempo integral e a possibilidade de o aluno optar por disciplinas. — Treze disciplinas num ano é uma insanidade pedagógica. Fingimos que ensinamos e os jovens fingem que aprendem. Não conheço lugar nenhum no mundo que tenha 13 disciplinas no ano com só quatro horas diárias.
http://www12.senado.leg.br/jornal/edicoes/2016/11/10/jornal.pdf#page=1