Reforma perversa
‘Perversa, reforma da Previdência ignora desigualdades sociais’, diz Eduardo Fagnani
Cida de Oliveira Da RBA
A reforma da Previdência que está sendo desenhada pela equipe econômica do governo interino de Michel Temer (PMDB) foi duramente criticada na tarde de segunda-feira (22), primeiro dia do “4º Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde: acidentes, adoecimentos e sofrimentos do mundo do trabalho”, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, na capital paulista. Realizado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), o evento vai até a próxima sexta-feira (26).
Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp, Eduardo Fagnani atacou a política macroeconômica do governo interino de Michel Temer (PMDB-SP), que ele chama de “impeachment do processo civilizatório”, pautada na austeridade fracassada na Europa, com redução de direitos sociais e trabalhistas e privatização das poucas empresas públicas que sobraram. “Uma receita que o próprio FMI condena por não reduzir as desigualdades. Não dá para aceitar a tese ou consenso de que sem acabar com a Constituição não se faz ajuste”, disse.
De acordo com Fagnani, as desigualdades sociais forjadas pelos 300 anos de escravidão, pelo atraso de anos de democracia interrompida e agravadas pela reforma neoliberal de FHC, que atacou a Constituição, tornam o projeto de reforma previdenciária de Temer ainda mais perverso, injusto e cheio de distorções.
“Querem que todo mundo se aposente com mais de 65 anos de idade, com mais de 35 anos de contribuição, o que não existe em nenhum lugar do mundo. Não dá para ter o mesmo padrão de países feito a Dinamarca, onde as condições de vida são muito melhores para toda a população, que vive em média 8 anos a mais que os brasileiros. No Brasil, a maioria da população começa a trabalhar cedo, sem estudo, para ajudar a família, em empregos de baixa qualidade. Não tem as mesmas condições de vida e de saúde da classe média, que ingressa mais tarde no mercado de trabalho, em postos mais elevados, com melhores salários”, disse.
O professor da Unicamp criticou também a proposta do governo interino de acabar com as regras diferenciadas para os trabalhadores rurais e urbanos e com a correção com base na variação do salário mínimo. “A maior parte da pobreza do país está na zona rural do nordeste brasileiro, onde há cinco estados que a população vive em média 69 anos. É grande a desigualdade. Como podemos aceitar? É verdade que em alguns anos a maior parcela da população será idosa, mas não podemos aceitar o fatalismo demográfico. Existem alternativas para viabilizar aposentadorias. Com tantos ataques (pelo governo Temer), o Brasil tende a retroceder 100 anos, indo para uma época anterior à da criação da CLT.”
No seu entender, a Previdência carece de aperfeiçoamento, como buscam as reformas previdenciárias em outros países. “É normal que se faça reforma da Previdência, com mudanças para aperfeiçoamento, mas não uma reforma como pretende o governo Temer, que destrua o sistema que representa proteção para pelo menos 160 milhões de pessoas. O que está em disputa aqui é capturar um orçamento que corresponde a 8% do PIB”, destacou.
Ele mencionou alternativas como a criação de um fundo a partir de recursos do petróleo, como foi feito na Noruega, e ressaltou a necessidade de reforma tributária com o fim de isenções fiscais e o combate à sonegação de impostos. “No Brasil são mais de 60 setores isentos de contribuição, como igrejas e clubes, o que representa 25% de tudo que a União recebe. Em termos de sonegação de impostos, só perdemos para a Rússia”, afirmou, lembrando distorções tributárias que cobram imposto de renda sobre o salário dos trabalhadores mas isentam proprietários de iates –, bem como o combate à sonegação.
Fagnani participou de debate mediado pelo jornalista Luís Nassif, que discutiu ameaças à seguridade social. A mesa contou com a presença do advogado especialista em previdência e assessor sindical Antonio José Arruda Rebouças.
Sem desprezar a desigualdade de forças na disputa que envolve a reforma previdenciária, Rebouças destacou que a desvantagem dos trabalhadores deve ser enfrentada com maior presença dos sindicatos. “Ao contrário dos patrões, os sindicatos não vão às cortes supremas da Justiça e nem à imprensa. É preciso ir às ruas, às redes sociais e denunciar à população. Sem informação, a população não vai ter consciência dos fatos”, disse.
O advogado destacou ainda ataques já em curso na Previdência, como o cada vez mais comum cancelamento de benefícios para trabalhadores.