Reforma no Estado e Educação

Reforma no Estado e Educação

Reforma no Estado e implicações para a Gestão Educacional

Oséias Santos de Oliveira* & Neila Pedrotti Dabrach*

 

Com a reforma do Estado, na década de 1990, impõe-se uma nova forma de Gestão da Educação, através do processo de descentralização das ações, repassando maior compromisso e autonomia à sociedade e em especial à comunidade escolar. Diante dos inúmeros desafios, que permeiam o mundo globalizado, a Gestão Educacional, vista de modo mais próximo no contexto brasileiro, passa a ser percebida como possibilidade de maior participação e de integração para o desenvolvimento de um projeto sustentável para o país, que necessariamente precisa ser pensado sob o prisma educativo.

A proposta deste artigo parte da crise do capitalismo e da reforma do Estado e seus desdobramentos no campo educacional, no que diz respeito aos processos de descentralização e municipalização do ensino público.  Situa-se a legislação da educação e as ações de governo, do período atual, como o Plano de Desenvolvimento da Educação, que assegura o regime de colaboração entre Sistema Federal, Estaduais e Municipais de Ensino, entre outras ações prioritárias na inserção do país no cenário das nações com índices educacionais considerados aceitáveis. Ao adentrar nestas questões, levantamos alguns elementos que questionam a eficácia destas ações, na medida em que parte de uma base neoliberal não levando em conta as diferenças regionais na consecução de tais políticas.

Mudanças no mundo do trabalho e reforma do Estado: a emergência do Estado Neoliberal

A sociedade atual, determinada pelo modo de produção capitalista, o qual organiza não apenas os meios de produção, mas também as relações sociais, fica sujeita às suas crises. Nas palavras de Wood (2001, p. 11), “seja quais forem os meios encontrados para restringir ou reparar os danos é certo que muitos milhões de pessoas sofrerão tanto da cura quanto da doença.”.

Reportando-nos ao contexto da mais recente crise do capitalismo, muitas foram as mudanças ocorridas, com vistas a “salvar” este sistema. Por volta dos anos 1970, associado à queda da taxa de lucro, a saturação do modelo de produção taylorista/fordista[1], com as greves dos trabalhadores e a crise do Estado de Bem-Estar-Social, constituíram um quadro de tensão no sistema de metabolismo social do capital. Sendo que as relações de reprodução capitalista assentam-se no tripé Capital, Estado e Trabalho (ANTUNES, 2005), a crise dos anos 70, ao afetar cada um destes elementos constitutivos, impõe a necessidade de se buscar alternativas que refletissem em mudanças, de forma simultânea, em cada campo.

Como resposta a esta crise, iniciou-se um processo de reorganização do sistema ideológico, político e de produção do capital. As expressões mais evidentes foram o advento do Neoliberalismo, no campo Estatal, com a privatização e a desregulamentação dos direitos do trabalho e a adoção do padrão de acumulação flexível, através do modelo de produção toyotista. Estas medidas cumpriram um papel essencial na superação da crise ao atingirem o plano ideológico, através do culto ao individualismo e subjetivismo e a contenção das lutas dos operários através da abertura à “participação” no processo produtivo.

Ao atuar como organizador das relações no mundo do trabalho, o toyotismo recorre aos princípios da flexibilização, do trabalho em equipe, da participação, da autogestão, autonomia, entre outros. Tais princípios, ao serem incorporados ao mundo da produção assumem outro significado, coerente com os objetivos da acumulação capitalista. De acordo com Lima (2002), no contexto do neoliberalismo:

autonomia (mitigada) é um instrumento fundamental de construção de um espírito e de uma cultura da organização-empresa; a descentralização é congruente com a “ordem espontânea” do mercado; respeitadora da liberdade individual e garante a eficiência econômica; a participação é essencialmente uma técnica de gestão, um fator de coesão e consenso”. Assim, nesta perspectiva, conceitos como “autonomia”, “comunidade educativa”, “projecto educativo”, continuarão a ser convocados, e até com maior freqüência, mas como instrumentos essenciais de uma política de modernização e racionalização, como metáforas capazes de dissimularem os conflitos, de acentuarem a igualdade, o consenso e a harmonia, como resultados ou artefactos, e não como processos e construções colectivas (LIMA, 2002, p. 31).

A reformulação no modelo Estatal, a partir dos princípios neoliberais, é decorrente destas mudanças na base produtiva. Enquanto no modelo de produção fordista necessitava-se de uma base estatal forte na economia, caracterizado pelo Estado de Bem-Estar Social, no toyotismo a regulação da economia é feita pelo próprio mercado, com diminuição expressiva da atuação do Estado, o qual deve descentralizar suas funções para o mercado e sociedade civil, garantindo o livre fluxo do capital.

A organização da proposta neoliberal tem sua base delineada através do Consenso de Washington, formulado em novembro de 1989 e que prevê um  programa de ajuste e estabilização inclui reformas centrais que serão executadas nos países em desenvolvimento e especialmente na América Latina. Entre as dez regras básicas deste ajustamento macroeconômico destacam-se: disciplina fiscal, redefinição das prioridades dos gastos públicos, reforma tributaria, liberalização do setor financeiro, manutenção de taxas de cambio competitivas, liberalização comercial, atração das aplicações de capital estrangeiro, privatização de empresas estatais, desregulação da economia, proteção de direitos autorais.

Esta época foi marcada pela emergência de uma nova divisão internacional do trabalho, baseada na globalização da produção sustentada pelas empresas multinacionais que se converteram nos principais atores da nova economia mundial. Como características principais desta nova economia destacam-se: economia denominada pelo sistema financeiro e de investimento global; processos de produção flexíveis e multilocais, baixos custos de transporte, revolução nas tecnologias de informação e comunicação, desregulação das economias nacionais, preeminência das agências financeiras multilaterais.

Na concepção de Santos (2005, p.29) “estas transformações tem vindo a atravessar todo o sistema mundial, ainda que com intensidade desigual consoante a posição dos países no sistema mundial”. Estas transformações trouxeram inúmeras implicações para as políticas econômicas nacionais, sendo o principal alvo da proposta neoliberal, passando então a guiar-se por certas exigências e orientações. As economias nacionais passam a abrir-se ao mercado mundial e os preços devem adequar-se aos preços internacionais. A economia de exportação passa a ser prioridade e as políticas monetárias e fiscais devem ser orientadas para a redução da inflação e da dívida pública.

Os Estados, sendo alvo direto destas transformações, devem ter seus setores empresariais privatizados, reduzindo-se a regulação estatal da economia, bem como reduzindo o peso das políticas sociais no orçamento deste. Nas palavras de Harvey (2008, p. 17), o Estado Neoliberal consiste no “aparelho de Estado cuja missão fundamental é criar condições favoráveis à acumulação lucrativa de capital pelos capitalistas”.

Em decorrência desta política econômica global, os estados nacionais são forçados a reformular sua estrutura de ação. No Brasil, a Reforma do Estado partiu do pressuposto de que a crise estava no Estado e não no próprio sistema capitalista, orientando-se a partir da lógica da Terceira Via[2] (PERONI, 2006). Diante da inoperância do Estado em resolver os problemas econômicos, e em certa medida ele ser considerado o causador deste desequilíbrio ao investir em políticas sociais, consideradas improdutivas pela lógica do mercado, a solução estaria em “racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que as instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população” (PERONI, 2006, p. 14).

O processo de reordenamento das políticas públicas em educação, em especial no Brasil, vive um tempo histórico a partir do próprio reordenamento do Estado. As políticas dos Estados hegemônicos são decisivas para as mudanças impostas à nova morfologia do trabalho e às novas relações econômico-sociais. As ações de supremacia destes Estados sobre os Estados periféricos e semiperiféricos é assim destacada por SANTOS (2005, p.36) “o estado-nação parece ter perdido sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e política”. Deste modo, é possível perceber que o enfraquecimento do Estado reduz ainda mais sua capacidade de organização e de controle de seus bens, suas idéias, configuradas em ações e projetos e demandas sociais e econômicas, e sua própria soberania.

Neste cenário, as políticas públicas sofrem diretamente a interferência destas contradições, uma vez que o Estado não se encontra apenas sob a atuação dos governos nacionais, mas está inserido dentro de um processo de governação mais amplo. Aliado a isso, não só a economia passa a ser determinada globalmente, mas as proposições para as diferentes esferas da sociedade, dentre elas a educação – uma vez que, para o neoliberalismo, a educação cumpre um papel estratégico no desenvolvimento da economia, através da produção do “Capital Humano”.

Políticas Educacionais: possibilidades de cooperação/colaboração entre os sistemas de ensino

Neste contexto, a gestão educacional brasileira, passa a ser concebida com o intuito de proporcionar um novo modelo de gestão, de acordo com as recentes exigências da mundialização da economia e da atual configuração do Estado. A necessidade de repensar a gestão educacional, imprimindo-lhe características de qualidade é apresentada na Constituição Federal de 1988, que prevê mecanismos para tornar a educação um direito de todos. No art. 6º a Carta Magna insere a educação como um dos diretos sociais e no art. 205 preconiza ser ela direito de todos. Cabe salientar que este princípio está atrelado ao princípio de igualdade de todos perante a lei. Porém, na totalidade da atual sociedade, as diferenças de oportunidades são marcantes, pelas disparidades econômicas, pelos desníveis de acesso aos bens culturais e de informação e especialmente pela possibilidade, ainda limitadas, de inserção do cidadão no mundo do trabalho. Assim, mesmo que o intuito da lei seja o de promover a igualdade, é possível perceber que o mecanismo da democracia, ao não considerar as contradições e desigualdades sociais, acaba por tratar igualmente os desiguais.

O Art. 211 da CF/88 refere que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”, definindo ainda a esfera de atuação de cada ente federativo, ou seja a responsabilidade de cada um na organização, oferta e atuação, ficando a União incumbida da organização do sistema federal de ensino bem como dos territórios e também o financiamento das instituições de ensino públicas federais. Porém, destacamos o § 1º da Constituição onde referenda que entre suas funções, a União tem, “em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante  assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” (BRASIL, 1988). Através desta função fixada à União, a Constituição Federal procura a equalização das oportunidades educacionais, tendo em vistas as desigualdades regionais, a carência de recursos financeiros ou mesmo técnicos nos demais sistemas estaduais e municipais. Assim, os programas nacionais, definidos através do Sistema Federal de Ensino, na área de educação estabelecem diretrizes e financiamento para custear despesas com merenda escolar, transporte escolar, programas de livros didáticos, dinheiro direto na escola e demais programas que comprovam a ação eqüitativa e supletiva da União, diretamente ligadas aos Sistemas Municipais de Ensino.

O § 2º do mesmo artigo, define que “os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”, já o § 3º, que “os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio”. No § 4º temos a referência à organização dos sistemas de ensino, sendo que nesta organização “os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório”.

Castro (1988), pondera que:

Os princípios de colaboração entre os sistemas de ensino e da ação supletiva do Poder Público Federal, reafirmados em 1988, não foram suficientes para reverter o quadro de pouca racionalidade nas iniciativas dos três níveis de governos em nível educacional. Mesmo após 1988, prevaleceu a prática de cada nível fazer, geralmente mal, um pouco de tudo, com freqüência ignorando as iniciativas alheias. Apesar da evidência de ser necessário prestar maior apoio a quem dele mais precisa, a ausência de critérios técnicos e universais nas redistribuições tornou-se uma das características marcantes das ações governamentais (CASTRO, 1988, p. 84).

A atuação do Governo Federal, de modo a atender a sua função supletiva e de redistribuição de recursos, teve, desde a promulgação da lei, sua atenção voltada mais ao clientelismo e às negociações político-partidárias como priorização para atender aos Municípios e Estados. É preciso, entretanto, destacar as ações recentes, que se configuram como políticas de Estado para a área educacional.

Com a intenção de executar as ações previstas na CF/88, no Plano Decenal de Educação para Todos (1993), bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº. 9.394/96, foi promulgada a Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que institui o Plano Nacional de Educação, cuja duração é fixada em dez anos e preconiza que, com base nos diagnósticos, diretrizes, objetivos e metas constantes nesta lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar planos decenais correspondentes, abrangendo os níveis de ensino de sua competência.

Tendo em vista o disposto nos artigos 23, inciso V, 205 e 211, § 1o, da Constituição, e nos artigos 8o a 15 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o presidente Luis Inácio Lula da Silva sanciona o Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica.

Ao todo são fixadas 28 diretrizes no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação que abordam questões pontuais que envolvem: alfabetização; acompanhamento da freqüência escolar; combate a repetência e a evasão; ampliação da jornada escolar; acesso, permanência e inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais na escola regular; promoção da educação infantil; oferta de educação de jovens e adultos; programa de regime de colaboração para formação inicial e continuada de profissionais da educação; implantação de plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação; envolvimento dos professores nas discussões das propostas pedagógicas das escolas; divulgação na escola e na comunidade os dados relativos à área da educação, com ênfase no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB; gestão participativa na rede de ensino; elaboração de plano de educação e instalação de Conselho de Educação, quando inexistentes; integração entre os programas da área da educação com os de outras áreas como saúde, esporte, assistência social, cultura, dentre outras; transformar a escola num espaço comunitário e manter ou recuperar aqueles espaços e equipamentos públicos da cidade que possam ser utilizados pela comunidade escolar; entre outros.

O art. 3o deste decreto, define que o IDEB será o indicador para a verificação do cumprimento de metas fixadas no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. O IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil), constitui-se, portanto, em um dado quantitativo da qualidade educacional dos sistemas de ensino e das escolas, individualmente.

Como referendado sobre as mudanças no modelo de Estado, a partir da política neoliberal, o novo modelo de gestão incorporado por este paradigma baseia-se em práticas de avaliação a posteriori, como forma de monitoramento da organização e funcionamento interno. No caso das instituições educacionais ao invés de um controle rígido interno, como no caso da administração escolar baseada no modelo fordista, os inúmeros índices de avaliação cumprem a função de um controle externo mascarado, justificado em função da garantia de um padrão mínimo de “qualidade”, atuando como uma estratégia deregulação do sistema de ensino.

Visando a atuação mais direta nos sistemas municipais ou estaduais, que apresentem maiores necessidades, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação ainda estabelece o Plano de Ações Articuladas – PAR, que se configura como o conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes. Através do PAR, realiza-se o levantamento do diagnóstico da educação básica dos sistemas de ensino e, a partir deste, estados e municípios elaborarão o PAR, com auxílio de equipe técnica, que identificará as medidas mais apropriadas para a gestão do sistema, com vistas à melhoria da qualidade da educação básica.

Conforme assegura Saviani, em entrevista ao informativo Sinpro:

O PDE pode ser visto como uma tentativa do governo de responder aos clamores da sociedade no que se refere aos graves problemas de qualidade da escola básica pública. Iniciativa válida, já que procura centrar o foco na qualidade construindo instrumentos de aferição do nível de eficácia do ensino ministrado (caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica-IDEB) e se voltar, precipuamente, para as administrações municipais em que se detecta ponto de estrangulamento do ensino fundamental (SINPRO, p. 02, 2007).

Pensar as políticas educacionais de modo a favorecer o desenvolvimento dos sistemas municipais é uma tarefa a ser perseguida, ainda que encontre resistências de natureza operacional e mesmo técnica, seja pela falta de recursos ou mesmo de interesses em uma ação de auto-gestão, onde localmente tem-se a responsabilidade de planejar e refletir sobre o ensino e as formas de participação da comunidade nos processos de gestão democrática do ensino e da escola.

Breves reflexões conclusivas

As recentes discussões no campo educacional têm suscitado uma maior reflexão acerca do papel da educação para o fortalecimento do Brasil, enquanto nação que projeta-se no cenário mundial, especialmente por estabelecer um projeto de desenvolvimento sustentável, que engloba questões de ordem econômica, de serviços sociais básicos e pelas ações que visam promover uma educação de qualidade. Observa-se um grande esforço governamental para efetivar políticas educacionais que venham ao encontro das reais necessidades de formação e de preparação da sociedade para o exercício da cidadania e participação. Contudo, a análise efetivada por muitos pensadores e instituições de ensino/pesquisa aponta que falta ao Brasil um projeto nacional para a educação. As ações de governo estão atreladas ao engajamento e a vontade política. Exemplo disto é a disseminação da idéia do Plano de Desenvolvimento da Educação que se vincula a uma articulação governamental denominada Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, e que, segundo concepção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, 2008:

a estrutura de ambos não permite considerá-los projetos de desenvolvimento, um vez que não tratam de questões estruturais, mas de ações conjunturais e focalizadas – no caso da educação, meritocráticas e duvidosas. Conseqüentemente, ao nosso ver, falta-lhes o caráter sistêmico das políticas públicas, com idéias e eixos de ações interligados às diversas áreas de Estado, visando atingir objetivos e resultados não apenas quantitativos, mas qualitativos; de rompimento paradigmático; de amplo desenvolvimento social e não apenas econômico (CNTE, 2008).

A política de descentralização da educação brasileira, enquanto concepção formatada nas bases do sistema neoliberal, ao passo em que prega a autonomia organizacional, de gestão e financeira ao sistema federal, aos 26 sistemas estaduais e aos 5.561 sistemas municipais, além do sistema distrital, que, nesta perspectiva têm a possibilidade de organizar-se de acordo com suas características e realidades, condiciona tais sistemas ao alcance de resultados estipulados por programas de avaliação externa que visam à regulação do sistema educacional, através de mecanismos como rankings e meritocracia.

Tal autonomia preconizada pela legislação acaba por se constituir em um canal para se fazer cumprir a política mais ampla, não resultando em atendimento às demandas sociais. No caso dos municípios brasileiros, constata-se que nem todos estão organizados em sistemas de ensino próprio, sendo que, nestes casos, ficam atrelados aos sistemas estaduais, que na maioria das vezes mostram-se distantes e alheios às reais necessidades dos municípios, especialmente dos mais distantes. Esta demanda toda de sistemas, com tarefas tão distintas, associada à ampla legislação proveniente do sistema federal constitui-se em uma rede complexa que tende a acentuar as diferenças e desigualdades entre os entes federados.

De fato, concorda-se que a autonomia é condição essencial para que ocorra o processo democrático seja nos sistemas de ensino, ou nas unidades escolares. Porém, é necessário rever se esta autonomia está acompanhada de condições para ser desenvolvida e se está contribuindo para descentralização ou para a regulação dos sistemas de ensino.

 

Referências:

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___. Plano Nacional de Educação. Câmara dos Deputados: Brasília, 2001. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10172.htm> Acesso em 29/09/2008.

CASTRO, M. L. O. de. A educação na Constituição de 1988 e a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional. Brasília: André Quicé, 1998.

CNTE. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Avaliação da CNTE ao Plano de Desenvolvimento da Educação. Disponível em <http://www.cnte.org.br/images/pdf/pde_avaliacao_cnte.pdf> Acesso em 30/09/2008.

GIDDENS, A. A Terceira Via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro: Recorde, 2001.

HARVEY, David. O Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008

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SINPRO – Sindicato dos professores e professoras de Guarulhos.  Entrevista: Dermeval Saviani. In: Expressão Sindical. Jan./ago. 2007. Disponível em: <http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/saviani_analisa_pde.htm> Acesso em 28/09/2008.

WOOD, E. A Origem do Capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

 

* Doutorando em Educação – PPGE/UFSM/RS

* Mestranda em Educação – PPGE/UFSM/RS

[1] De acordo com Sergio Lessa (2005, p. 76) a “impossibilidade ontológica de tornar repetíveis os atos humanos é a razão última para que a tentativa do taylorismo em padronizar absolutamente os atos singulares de trabalho tenha sido fadada ao fracasso desde o seu início. De fato, como tornar idênticos atos que sempre produzem algo novo tanto no mundo material que transforma quanto no indivíduo que o executa? Quantificados os atos humanos, padronizados seus movimentos constituintes, doutrinada a subjetividade operária pela ideologia dominante, ainda assim os atos de trabalho são sempre distintos, suas singularidades não são passíveis de cancelamento. Essa a razão fundamental para que o sonho dos “cientistas” do taylorismo não possa descer à terra: a padronização que almejavam é ontologicamente impossível.”

[2] “Terceira via se refere a uma estrutura de pensamento e da prática política que visa a adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao longo das últimas duas ou três décadas. É uma Terceira Via no sentido de que é uma alternativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo quanto o Neoliberalismo (GIDDENS, 2001, p. 36).

 

http://www.espacoacademico.com.br/096/96oliveira.htm 




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