Reforma e dados demográficos

Reforma e dados demográficos

Reforma da Previdência omite dados demográficos relevantes

Para o governo, o endurecimento das regras de acesso aos benefícios previdenciários repousa sobre a necessidade de manutenção do sistema, que nas próximas décadas estaria fadado à falência.

Por Cristiane Sampaio para o Brasil de Fato

Especialistas afirma que Temer esconde números que mostram que população apta para o trabalho segue em linha ascendente

Especialistas afirma que Temer esconde números que mostram que população apta para o trabalho segue em linha ascendente

No entanto, fontes ouvidas pelo Brasil de Fato desmistificam as previsões governistas e tiram das sombras um dos relevantes aspectos invisibilizados pela PEC 287: o número de idosos está aumentando, mas a população em idade ativa – aquela que está apta ao trabalho –, segue em linha ascendente até 2060. Tal constatação faria cair por terra o argumento de que uma bomba-relógio anuncia o declínio da Previdência pública.

A afirmativa se baseia em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A despeito do aumento do número de pessoas com mais de 65 anos – que deve chegar a um terço da população em 2060 –, o IBGE projeta um percentual de 60,2% do total para a população em idade ativa nessa mesma década. A quantidade é maior que a verificada em 1980, quando o Instituto identificou que 57,6% do contingente populacional pertenciam a esse grupo.

A chamada “idade ativa” compreende a faixa dos 15 aos 65 anos e se refere às pessoas que se encontram à disposição para contribuir com a produção de riquezas para o país, mesmo que não estejam atuando no mercado de trabalho.

O fato de o Brasil ter, para 2060, uma projeção de pessoas em idade ativa maior que a da parcela dependente (crianças e idosos) configura uma situação de “bônus demográfico”, expressão utilizada pelos especialistas para se referir às oportunidades econômicas que surgem a partir desse quadro.

Ao tentar emplacar a PEC 287, o governo superestima os dados referentes à população idosa – que precisa ser sustentada pela Previdência – enquanto ofusca os que tratam do contingente apto a custear o sistema. É o que diz o economista Flávio Tonelli Vaz, um dos autores do último estudo lançado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) sobre o tema. O especialista aponta ainda que a PEC erra ao comparar ativos e inativos.

“O governo está olhando a pirâmide populacional somente pelo lado de cima. Os números que ele mostra sobre o envelhecimento não são falsos, mas esse não é o dado econômico, pois o que importa é o número de pessoas que podem contribuir. Você pode ter, por exemplo, um número zero de idosos, mas, se a maioria da população é infantil, pouca gente está contribuindo com o sistema”, explica Vaz.

Erro de projeção

A pesquisadora Denise Gentil, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), levanta ainda outro aspecto do panorama demográfico brasileiro que vem sendo omitido no debate público: apesar do aumento do número de idosos, a taxa de crescimento dessa população tende a diminuir no período entre 2021 e 2060.

Com uma mensuração atual de 4% ao ano, a referida taxa deve cair pra menos de 1% em 2060, segundo informa a pesquisadora. Ela aponta que esse comparativo, originário de dados do IBGE, tem sido invisibilizado na propaganda oficial da reforma de Temer.

“Nos estudos do governo, projeta-se um gasto previdenciário explosivo em 2060 e sem considerar isso. Eles estão calculando uma despesa com aposentadoria a taxas crescentes e proporcionais ao PIB [Produto Interno Bruto], quando deveria ser proporcional à taxa de crescimento da população idosa”, explica a pesquisadora.

Para Gentil, tal constatação demonstraria um problema de interpretação demográfica por parte do governo. Mais que isso, colocaria em xeque a credibilidade do discurso oficial porque atinge um ponto nevrálgico da PEC 287, uma vez que reforça o contraponto à ideia de que a Previdência caminha para o colapso.

“O modelo é enviesado para elevar o gasto e mostrar um déficit crescente, ou seja, estamos fazendo uma reforma da Previdência a partir de um modelo falho, completamente inconsistente e cientificamente impróprio para ser utilizado como referência para uma reforma”, afirma a economista.

A análise da pesquisadora tem como substrato um estudo que vem sendo desenvolvido em parceria com outros pesquisadores, tanto nacionais quanto internacionais, para detalhar erros de projeção que têm sido cometidos pelos governos brasileiros em relação à Previdência. “Abrimos a caixa-preta do modelo previdenciário brasileiro, que agora está desnudo”, antecipa Gentil. A pesquisa será divulgada em detalhes no próximo mês.

Regime tripartite

Assim como Denise Gentil, Flávio Tonelli Vaz é um dos críticos do discurso que prega o déficit previdenciário. Ele lembra que o sistema não vive exclusivamente das contribuições feitas por patrões e empregados.

“Num regime tripartite como o nosso – o que é definido pela Constituição Federal –, parte das contribuições vem do Estado, e aqui no Brasil se paga muito pouco”, afirma, acrescentando que a média de participação estatal nos últimos dez anos foi em torno de 16% dos benefícios.

Vaz traça ainda um paralelo com os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que congrega os países responsáveis pela produção da maior parte das riquezas mundiais. A média de participação estatal na Previdência registrada entre eles foi de cerca de 45% no mesmo período.

“Na verdade, o que o governo brasileiro chama de déficit é a contribuição estatal que ele não quer dar, e o discurso demográfico vem sendo usado como argumento para amparar isso”, aponta Vaz.

Desenvolvimento

A Fundação Anfip, que tem produzido diversos estudos sobre a questão previdenciária, ressalta que a longevidade da população é desejável e não poderia ser apontada como um problema para justificar a PEC 287.

“A questão não é a demografia em si, mas a ausência de um projeto de desenvolvimento para o país. Uma coisa que conta bastante para o financiamento do sistema previdenciário é a dinâmica do mercado de trabalho, que não está funcionando como deveria”, afirma a presidente da entidade, Maria Inez Maranhão.

Ela destaca o número de estabelecimentos que fecharam as portas em 2016. No comércio, por exemplo, mais de 108 mil lojas formais encerraram as atividades no ano passado, deixando 182 mil trabalhadores à deriva. Os dados foram divulgados recentemente pela Confederação Nacional do Comércio.

“Enquanto isso, o Estado brasileiro segue investindo no capital financeiro e gastando dinheiro com os juros da dívida pública, que consomem mais de 40% do orçamento da União. A economia do país está concentrada aí. Esse é o problema”, aponta a presidente, que é auditora fiscal.

Ela critica o caráter austero da PEC 287 e acusa o governo de “inverter as prioridades”. “Se não tem emprego, as lojas estão fechando e a aposentadoria não vai dar mais para nada, para onde estamos indo? Veja que o governo canaliza a maior parte do orçamento pros investidores enquanto quer tirar migalhas da população. Nós não precisamos dessa reforma. Precisamos discutir a economia do país e pensar num projeto de desenvolvimento”, opina Maria Inez.

Previdência X emenda 241/55

Para o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, as questões demográficas que atravessam a PEC 287 não podem ser desvinculadas do debate sobre os investimentos na área da educação. Ele destaca que a qualificação de crianças e jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho é um dos aspectos que deságuam na arrecadação previdenciária.

“Com investimentos maciços em educação, essa população fica menos sujeita a empregos precários e rotativos, contribuindo para aumentar a produtividade do país, os salários e o PIB. Tudo isso tem um efeito positivo na Previdência, porque ela passa a arrecadar mais”, ressalta o parlamentar, que também foi ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República na gestão de Dilma Rousseff.

Flávio Tonelli Vaz acrescenta que não só o componente educacional conta nesse cenário da produtividade. “Sem investimentos na economia, teremos um contingente de pessoas com curso superior trabalhando em caixa de supermercado, por exemplo. Se o empresariado não investir em máquinas, equipamentos, etc., não há como o país ser mais produtivo”, explica o especialista, evidenciando que as empresas têm grande responsabilidade nesse panorama porque detêm o capital e os instrumentos de produção.

No entanto, o economista aponta que o empresariado se sustenta também na contrapartida estatal, que neste momento estaria comprometida por conta das restrições impostas pela emenda constitucional 241, aprovada pelo Congresso Nacional no final do ano passado. A medida, que estabelece um teto para as despesas, congelou os investimentos nas áreas sociais num período de 20 anos.

“Os empresários precisam ter certeza de que o Estado vai fazer a sua parte, mas o problema é que a emenda impede isso. Mesmo que o governo quisesse fazer esse investimento na produtividade hoje, não seria possível, porque ele retirou do país a capacidade de utilizar o orçamento de forma anticíclica”, analisa o economista.

Assim, com uma população jovem pouco qualificada profissionalmente e sem investimentos na economia, o país tende a amargar problemas que emperram a engrenagem do sistema previdenciário.

“O governo está caminhando exatamente no sentido inverso. Além de desmanchar o sistema de proteção social, com a PEC 287, ele desmantela o futuro das novas gerações e do país como um todo. Se a política seguir nessa linha, nós vamos perder o bônus demográfico, e aí sim todo esse caos que eles vêm apresentando em relação ao futuro da Previdência vai se transformar em realidade”, finaliza Vargas.

Fonte: Brasil de Fato

http://www.vermelho.org.br/noticia/293864-1 


Proposta de Temer para Previdência fortalece campo de opositores

Fetag-RS

  

Até para os governistas idade mínima de 65 anos é exagerada. Mas não para por aí: parlamentares de partidos da base de Temer vêem restrições nas regras de transição e, especialmente, na desvinculação do salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Pela proposta de Temer o benefício deve ter o valor reduzido enquanto aumenta o tempo para acessá-lo, o que só aconteceria aos 70 anos.

Os beneficiados com o BPC são aquelas pessoas que não tem condições (ou por idade ou deficiências várias) de exercer atividade laboral normalmente. O valor pago a esse grupo é de um salário mínimo. "Se tem uma coisa cruel e sem escrúpulo, é essa desvinculação", afirmou à Folha o deputado Heitor Schuch (PSB-RS).

"A reforma do governo Temer inviabiliza os municípios. Essa crueldade nas maldades do governo Temer não tem limite", diz o deputado federal Elvino Bohn Gass (PT-RS). Em entrevista à Rede Brasil Atual ele identificou essa rejeição, que vem se tornando ponto comum entre forças políticas diversas. "Começa a se formar uma união como faz muito tempo que eu não via."

A proposta de reforma põe fim a aposentadoria por tempo de contribuição. Hoje, o trabalhador pode se aposentar proporcionalmente após 35 anos de contribuição (homens) e 30 anos (mulheres). Aquele trabalhador que pela regra atual poderia se aposentar aos 55 só poderá, de acordo com a proposta de Temer, se aposentar aos 65 anos. Essa é a idade mínima para homens, mulheres, trabalhadores rurais e urbanos se aposentarem, sem distinção, e com tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Para o benefício integral o trabalhador terá que trabalhar 49 anos.

De acordo com o diretor-técnico do Departamento de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz “Um olhar mais geral sobre a proposta mostra que retarda e restringe o acesso e arrocha o valor do benefício. A sociedade, que é beneficiária, deve mostrar a contrariedade. Tem que pressionar os parlamentares e que eles percebam para apresentarem alternativas.”

Estudos sobre o impacto da reforma da previdência para o Rio Grande do Sul podem levar o estado ao colapso, alertou Elvino. Em 69% dos municípios daquele estado, a Previdência é mais importante como fonte de recursos do que a soma dos repasses do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Preocupados, parlamentares, movimentos sindical e popular do estado criaram a Frente Gaúcha em Defesa da Previdência Pública.

Os números confirmam a preocupação: Em 2015, a cidade Pelotas (RS) recebeu 735% de recursos vindos de benefícios da Previdência se comparado à soma do ICMS e FPM. Na economia local de 340 mil habitantes os recursos da Previdência contribuíram com R$ 1,2 bilhão enquanto ICMS e FPM injetaram 122 milhões de reais.

A sensibilização dos municípios ganha força. De acordo com representantes das centrais de trabalhadores, federações de trabalhadores e trabalhadoras rurais do país está em andamento uma agenda com prefeitos, vereadores e associações comerciais dos municípios brasileiros acontecendo simultaneamente a protestos em prédios do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) e aeroportos do país.

No dia 21 de fevereiro, 17% da população de Santa Rosa, interior do Rio Grande do Sul, foi às ruas protestar contra a reforma da Previdência com o apoio do comércio local. Ganha corpo também a mobilização para a manifestação unitária do dia 15 de março coordenada pelas principais centrais brasileiras contra o texto da reforma. Entre as críticas feitas pelos dirigentes, está o caráter de urgência na tramitação da reforma estimulado pelo governo Temer.

"Como se espera, em 10 sessões, debater uma proposta que pode por fim em nossa Previdência? Um rito que deixa claro o desprezo ao diálogo com o amplo conjunto de setores que compõe nossa sociedade", declarou Gilson Reis, dirigente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) durante audiência pública realizada dia 21 na Câmara. "Não aceitaremos que acabem com o maior programa de distribuição e interiorização da renda no país", completou.

Participarão do ato do dia 15 de março as Frentes Brasil Popular, Povo Sem Medo, movimentos sociais e as centrais sindicais CTB, Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), Força Sindical, Central dos Sindicatos Brasileiros, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Intersindical e CSP-Conlutas.

http://www.vermelho.org.br/noticia/293864-1 




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