Reconhecimento social e salário
Só 2,4% dos jovens brasileiros querem ser professor
Há dez anos, porcentual era de 7,5%, segundo estudo da OCDE. Baixo reconhecimento social e salário motivam recusa
Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo 24 Junho 2018
SÃO PAULO - Enquanto a maioria dos colegas de classe do ensino médio estudava para ser médico ou advogado, Henrique de Pinho José se imaginava dentro de uma sala de aula, ensinando Biologia. A vontade era tamanha que surpreendia os amigos e até mesmo os professores. José é uma exceção, já que no Brasil cada vez menos jovens querem seguir a carreira docente. Hoje, apenas 2,4% dos alunos de 15 anos têm interesse na profissão. Há dez anos, o porcentual era de 7,5%.
Os dados são do relatório Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na média, os países avaliados também tiveram queda na proporção de alunos de 15 anos interessados pela carreira. O porcentual passou de 6% dos adolescentes para 4,2%. Segundo o estudo, a baixa atratividade da carreira se deve ao pouco reconhecimento social e aos salários.
Filho de pais que não tiveram a oportunidade de fazer faculdade, José conseguiu uma bolsa em uma escola particular no ensino médio e depois cursou Biologia e licenciatura. “Para famílias menos favorecidas, ser professor não é uma péssima ideia. Mas, na escola privada, os alunos são incentivados a irem para carreiras mais prestigiadas”, diz. Hoje, aos 25 anos, ele dá aula para crianças de 6 e 7 anos em uma escola municipal de Praia Grande, no litoral paulista.
No Brasil, são alunos como José que querem ser professores. O relatório indica que quanto menor a escolaridade dos pais, maior é a proporção dos interessados na carreira. Os dados mostram que a profissão é a escolha de 3,4% dos jovens filhos de pais que só concluíram o ensino fundamental. Entre os filhos de pais que cursaram até o ensino superior, o porcentual cai para 1,8%.
Desvalorização
Aluno do 3.º semestre de Letras do Instituto Singularidades, Maicon Ferreira, de 19 anos, lembra que foi desencorajado a seguir a carreira pelos professores da escola técnica onde fez o ensino médio integrado ao curso de Automação. "Muitos professores eram engenheiros e me aconselharam a escolher outra graduação. Eles diziam que quem dá aula ganha mal, é desvalorizado, passa por muito estresse. Mas eu sabia que era essa a carreira que queria seguir.”
De família de baixa renda, Ferreira conta que em casa sempre conviveu com problemas financeiros. Foi um projeto de Literatura, desenvolvido por um professor de Português, que o ajudou a seguir estimulado na escola. “Tive uma infância difícil, minha família sempre viveu com uma renda mensal per capita de no máximo R$ 300. Esse professor e o projeto fizeram com que eu me encontrasse, ganhasse autoestima. Quero ser esse professor para oferecer a outros alunos o mesmo que recebi.”
Metade dos docentes não indica carreira
Falta de reconhecimento, de respeito e de salário justo são apontados como razão, mostra Todos pela Educação
Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo 24 Junho 2018
SÃO PAULO - Todos os anos, a professora Elisângela Gusmão, de 44 anos, pergunta aos seus alunos dos anos finais do ensino fundamental (6.º ao 9.º ano) se gostariam de ser professores. Raramente alguém levanta a mão. Apesar de a visão das crianças sobre a profissão lhe causar tristeza, Elisângela compreende, afinal nem ela própria recomendaria a carreira – assim como metade dos docentes. Uma pesquisa do Todos pela Educação feita em maio mostra que 49% dos professores não indicariam a docência a um jovem.
“Não me arrependo da escolha profissional, mas não gostaria que meus filhos fossem professores. É uma categoria muito desvalorizada pelo sistema e pela sociedade”, diz Elisângela, que há 15 anos dá aula de Educação Física em uma escola estadual na zona leste de São Paulo. A pesquisa identificou que entre as palavras mais usadas pelos professores para justificar a contraindicação da carreira estão reconhecimento, respeito e salário.
Segundo o relatório da OCDE, a valorização de quem entra em sala de aula para ensinar as crianças foi o caminho trilhado pelos países que hoje têm os melhores indicadores educacionais do mundo. Tornando a carreira mais atrativa, esses sistemas conseguiram levar os melhores alunos para a profissão e, consequentemente, formaram melhores professores.
O Brasil, no entanto, caminha na contramão desses países: quem procura a profissão são os jovens com menor rendimento escolar. No País, a média de quem quer ser professor é de 354 pontos em Matemática e 382 em Leitura, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Do outro lado, os jovens que querem outras carreiras que exigem ensino superior têm média de 390 e 427 pontos, respectivamente. “Os baixos salários e o pequeno reconhecimento social podem deter estudantes academicamente talentosos, já que eles têm opções mais lucrativas e prestigiadas”, aponta o relatório da OCDE.
Ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, diz que o ingresso de alunos com menor rendimento nas licenciaturas não seria necessariamente ruim se houvesse uma boa formação inicial nas graduações para esses futuros professores. “São pessoas com outro repertório social e cultural, que podem fazer diferença no ensino, se conectar melhor com os alunos, pois entendem melhor a realidade do País. O problema é que temos uma formação inicial fraca e uma continuada deslocada das dificuldades vividas em sala de aula.”
Para Nicoly Oliveira, de 16 anos, foi a proximidade com alguns professores que a fez decidir pela careira docente. “É impressionante como eles conseguem ensinar e estimular mais de 30 alunos dentro de uma sala, cada um vivendo os seus problemas. Eles fizeram a diferença na minha vida, e eu quero ter uma profissão em que sinta ser importante para as crianças”, conta a aluna da escola estadual Castro Alves, na zona norte da capital.
Ela já decidiu que quer cursar Pedagogia para dar aula a crianças dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1.º ao 5.º ano) em uma escola pública. “Sei que não vai ser fácil por diversas questões: a violência, a falta de estrutura, o baixo salário. Mas são problemas com os quais convivi a minha vida toda e quero enfrentá-los”, afirma.
Filha de uma cabeleireira e um pedreiro que não tiveram a chance de concluir o ensino médio, Nicoly conta que os pais estão orgulhosos de sua escolha profissional e torcem pelo seu ingresso em uma faculdade.
Segundo o relatório da OCDE, em países como o Brasil, a carreira docente pode ser percebida como “um caminho para a mobilidade social”. É o que mostram os dados do Censo da Educação Superior: apesar de apenas 2,4% dos alunos quererem ser professor, 20% das pessoas que acessam o ensino superior vão cursar alguma licenciatura.
“Os cursos de formação de professores são mais acessíveis, porque não são em período integral, são mais baratos que outras graduações e há uma grande oferta de vagas. Também têm uma garantia mais rápida de entrada no mercado de trabalho, ainda que pague pouco”, diz Caroline Tavares, gerente de projeto do Todos.
Salário
A valorização docente também depende de boa remuneração. Dados mostram que o Brasil ainda caminha a passos lentos para chegar perto dos melhores exemplos educacionais. O professor da rede pública brasileira recebe, em média, cerca de R$ 38,9 mil por ano – um terço da média dos docentes de países membros da OCDE.
Os salários também são mais baixos quando a comparação é feita no Brasil, com profissionais com a mesma escolaridade. Relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) publicado este mês mostra que o salário de professores da educação básica é, em média, 25,2% mais baixo.
Um em cada cinco professores tem mais de 50 anos
O fato de a docência ser uma carreira pouco atrativa para os jovens brasileiros fez com que o quadro de professores envelhecesse no País. Hoje, um em cada cinco professores da educação básica tem mais de 50 anos. Além da preocupação com a reposição desses profissionais, que, em tese, se aposentarão nos próximos anos, especialistas destacam o distanciamento que professores mais velhos costumam ter em relação aos alunos.
“O mundo mudou mais rapidamente nos últimos anos e, com isso, a necessidade dos alunos é outra. O sistema educacional não acompanhou essa mudança. Precisamos reconfigurar a escola, usar novas linguagens, novas metodologias de ensino. O professor jovem é essencial para essa mudança. Quem está há mais tempo na carreira tem muita experiência, mas também precisa mudar”, diz Miguel Thompson, diretor do Instituto Singularidades. Segundo o Censo Escolar de 2016, apenas 14% dos 2,1 milhões de professores que lecionavam naquele ano tinham menos de 29 anos.
Aluna do Colégio Móbile, na zona sul de São Paulo, Gabriela Peres, de 17 anos, diz que passou a pensar em ser professora ao perceber que seus colegas com dificuldade em Biologia conseguiam aprender com ela. “Sempre gostei muito de estudar e descobri que também é muito legal ensinar”, diz. Filha de médicos, ela conta que os pais a alertaram sobre a baixa remuneração e o estresse da profissão. “Apesar de todos os pontos negativos, vejo meus professores em sala de aula e penso que quero ser como eles.”