Realidade virtual
A realidade virtual na sala de aula
A realidade virtual já frequenta escolas públicas brasileiras. O desafio é usá-la de modo a facilitar o aprendizado dos alunos
"Lá vem o tubarão, lá vem o tubarão! Ahhh!”, o grito é de Lara Souza de Freitas, de 8 anos. Ela não está no fundo do mar nem parada num aquário gigante. Lara está em sua sala de aula, na Escola Estadual Santa Rosa de Lima, na periferia de São Paulo. Ela segura óculos de papel enquanto pula, empolgada. Não é uma aula de origami. É uma parte da aula de ciências.
Pela primeira vez, Lara e seus amigos experimentam o programa de realidade virtual que a partir deste ano será usado em aulas de ciências, geografia e história de escolas públicas estaduais em São Paulo. Trata-se do Google Expeditions. Esse é o nome do programa que leva o observador para o fundo do mar ou para qualquer outra parte do planeta – e fora dele. Dentro dos óculos de papel, há um celular com o programa de realidade virtual. Para qualquer lugar que Lara vire a cabeça, a cena a sua frente (e o tubarão) se mexe. É como se ela estivesse lá, dentro da jaula de segurança, no fundo do mar, mirando um tubarão-branco, inúmeros peixinhos em torno dele e, atrás dela, corais e outros peixes coloridos. Lara não é a única que grita. “Nossa, lembrei que eu não sei nadar e fiquei com muito medo”, diz, ofegante, Julia Baptista da Silva, de 8 anos. Em seguida, ela explode numa gargalhada.
As crianças não mergulham a esmo. O professor decide o ambiente que os alunos devem visitar. Com o uso de um tablet, ele controla uma seta discreta na paisagem que dirige o olhar de cada aluno para os detalhes que ele quer mostrar. Na tela do professor, há fichas com informações sobre o que a criança observa.
Educação é um dos principais horizontes da realidade virtual. A imersão que ambientes virtuais propiciam pode reproduzir vivências e facilitar a compreensão – e a apreensão – de conceitos de forma muito mais eficiente do que a teoria pura. O mundo acadêmico sabe disso. Instituições de ensino superior americanas como as universidades da Califórnia, Stanford, Harvard, Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carnegie Mellon e Boston College participam de um consórcio com 7 mil associados de todo o mundo, o Immersive Education Initiative. Ele se dedica a construir sistemas de realidade virtual que possam impulsionar a educação, em qualquer nível, da pré-escola à pesquisa de doutorado, e para todos os públicos, de idosos a pessoas com qualquer tipo de deficiência. Acredita-se que a realidade virtual seja a próxima grande mudança que a tecnologia trará para a vida das pessoas.
A perspectiva de que os programas de realidade virtual se tornarão parte das necessidades (quase) básicas dos consumidores, como ocorreu com o telefone celular, levou os gigantes da tecnologia a iniciar uma corrida. A iniciativa do Google é a primeira de uma série que deve aterrissar no Brasil nos próximos anos. No ano passado, Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, pagou US$ 2 bilhões pela empresa que produz o Oculus Rift, programa de realidade virtual com o uso de óculos. Um dos alvos do Facebook são escolas e universidades. A Microsoft já tem seu HoloLens, também óculos de realidade virtual, em universidades nos Estados Unidos. A coreanaSamsung colocou seus óculos Gear no mundo dos jogos e agora ensaia a incursão na educação. No British Museum, em Londres, a Samsung patrocina uma exibição que mostra como é andar na superfície de Marte.
Com exceção do Google, nenhuma dessas empresas chegou ao Brasil com seus óculos – por enquanto. Um dos fatores que contribuem para a pole position do Google nas escolas brasileiras é o custo. A ideia, simples e eficiente, de criar óculos de papelão e reservar a tecnologia para um programa que pode rodar em qualquer celular possibilitou à empresa de Larry Page e Sergey Brin chegar aonde a versão eletrônica desses óculos, que podem custar até R$ 4 mil,dificilmente chegará: à periferia. O acordo com o governo de São Paulo prevê custo zero para o Estado em investimentos no programa e na compra dos óculos de papelão. A Secretaria de Educação estuda a quantidade de celulares e tablets que cada escola receberá. O mesmo ocorrerá em Manaus a partir deste ano. “Quando trabalhava no Expeditions, pensava nas crianças que têm menos possibilidade de viajar”, diz o designer português Antonio Costa, criador do Expeditions.
A viabilidade econômica da realidade virtual, no entanto, não dá passe livre para o sucesso pedagógico. Há diversas experiências que provam que a associação entre tecnologia e pedagogia pode produzir um casamento feliz. Mas todas estão concentradas no mundo das escolas de ponta, que têm recursos financeiros e talentos e professores fluentes na língua das inovações tecnológicas. Aí mora o grande desafio do uso da realidade virtual nas escolas no Brasil. A primeira escola a servir como laboratório para o Expeditions foi aEscola Internacional Ítalo-Brasileira, em São Paulo. A instituição privada, de classe média alta, testou a realidade virtual em suas aulas de ciências, com aparente sucesso. “O interesse das crianças pelos conteúdos de ciências e geografia aumentou muito”, diz Ana Paula Girello, professora do 4o ano. “Elas voltam do fim de semana contando o que viram e pedem por conteúdos semelhantes em realidade virtual.” A diferença fundamental é que nesse colégio há um núcleo de tecnologia e educação, com pesquisa e desenvolvimento para levar as crianças a prestar mais atenção ao que está sendo ensinado do que ao meio usado para isso.
O Google tem essa preocupação. “O Expeditions deve ser usado de um jeito que facilite o aprendizado”, diz Costa. “Os professores precisam de ajuda para aprender a fazer isso. Nas escolas públicas do Brasil, os professores têm muito menos contato com tecnologia do que nos Estados Unidos e na Austrália.” Por enquanto, as primeiras incursões ao mundo virtual se mostraram eficientes para estimular os alunos a participar da aula. As crianças deixaram a sala perguntando quando voltariam. Aumentar o estímulo das crianças pela escola não é pouca coisa, mas as ambições em educação devem ser maiores. Contrariando o sociólogo canadense Marshall McLuhan, nessa área, o meio não pode ser a mensagem.
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2016/01/realidade-virtual-na-sala-de-aula.html