Ranking alternativo do Enem
Ministério da Educação cria ranking alternativo do Enem
Órgão leva em conta o perfil socioeconômico dos estudantes de cada instituição, o tempo de permanência deles na escola e a contribuição da instituição para o avanço do estudante
No ranking do Inep, o Colégio Santo Agostinho, em Minas Gerais, é a melhor escola de grande porte e com alto nível de permanência Foto: colégio santo agostinho / divulgação
O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Chico Soares, diz levar sempre um tapete na bolsa, para sapatear de raiva em cima quando vê escolas usarem o resultado do Enem como prova de que têm qualidade. O tapete é um gracejo, mas a raiva é verdadeira.
– Imagina como eu fico furioso. Você diz: “Essa escola é muito boa”. Mas ela não é. Selecionou os alunos. Por que o aluno sabe o que sabe? A família é a grande explicação. Então, se você seleciona os seus alunos, o que você diz que é seu, na verdade não é seu, é da família – observa.
Enem revela desigualdade educacional no Brasil
O Inep tradicionalmente se posiciona contra rankings do Enem. Entende que eles desconsideram a origem social do aluno e alimentam uma indústria de maquiagem de resultados, com criação de turmas artificiais projetadas para alcançar notas altas e dar uma falsa impressão sobre o colégio. Desde o ano passado, para se contrapor a essa situação, o instituto passou a divulgar outros dados além da média nas provas, incluindo o perfil socioeconômico dos estudantes de cada instituição e o tempo de permanência deles na escola.
Em agosto, quando apresentou os dados do Enem de 2014, o órgão deu um passo adiante: criou seus próprios rankings, que levam em conta a contribuição da escola para o avanço do estudante.
– Há escolas que trabalham com alunos muito mais difíceis, pois tiveram menos oportunidades em casa de ler e se letrar. O Inep não gosta de fazer ranking, mas como isso virou a forma de consumir o resultado do Enem, entramos para dar outras dimensões. Fomos à lista e pegamos a melhor escola de nível socioeconômico baixo. Essa escola agrega muito. Por quê? Porque recebe alunos que trazem pouco de casa e acrescenta muito a esses alunos – afirma Soares.
RS tem apenas uma escola entre as cem melhores nas provas objetivas do Enem
O Inep fez quatro rankings (veja abaixo). Só um deles consagra um colégio entre os de maior média no Enem. Os demais são uma demonstração da desigualdade do sistema. A melhor escola de grande porte e alunos de baixa renda é um colégio cearense que ocuparia apenas a posição 8.581 no ranking convencional do Enem.
O ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, que ainda ocupava o cargo quando os rankings alternativos foram divulgados, defende a ideia de que a melhor escola é aquela que “pega o aluno em condições mais difíceis de pobreza e faz com que ele tenha o desempenho bom”.
– Na verdade, a escola é invadida pela desigualdade social externa a ela. É isso que torna o Brasil um país injusto. A escola tem um poder de enfrentar essa maldade que vem de fora, mas não é um poder gigantesco – avalia.
ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE CACULÉ (BA)
- No que é melhor: é a melhor escola privada com alunos de nível socioeconômico baixo ou muito baixo
- Por que isso é importante: as escolas privadas tendem a receber estudantes de renda alta, que naturalmente se saem bem nos estudos. Muitas vezes, esses colégios ficam com um mérito que não é seu, mas dos alunos de perfil diferenciado que acolhe.
- Localização: Caculé, na Bahia
- Rede: é uma escola privada, mas de perfil comunitário, com apoio da prefeitura e do governo do Estado
- Alunos: 171 alunos, todos de Ensino Médio
- Fundação: 1985
- Média nas provas objetivas em 2014: 486,81
- Posição geral no Enem: 10.932
- O que tem de diferente: a escola forma técnicos em agropecuária e adota a pedagogia da alternância. Durante o mês, o aluno passa 12 ou 13 dias lá, em tempo integral. As atividades vão das 6h10min às 21h. Durante o resto do mês, ele volta para casa, com atividades escolares a realizar. O entendimento é que, como vivem em propriedades rurais, aplicam na prática em casa o que aprendem no colégio. Cada aluno pagar cerca de R$ 40 ao mês.
- Palavra do diretor, Geraldo Marques da Silva: “O envolvimento das famílias é
muito forte. Quando a gente faz uma reunião de pais, comparecem de 70% a
80%. E olha que atendemos 18 municípios. Tem pai que vem de uma distância de 200 quilômetros. Não sei o que motiva, mas é assim”.
ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA MARIA CÂNDIDO KNEIPP (ES)
- No que é melhor: é a melhor escola de pequeno porte, com alto nível de permanência (mais de 80% fazem todo o Ensino Médio no estabelecimento) e com alunos de patamar socioeconômico baixo ou muito baixo
- Por que isso é importante: escolas com alunos e nível socioeconômico baixo estão entre as que enfrentam mais dificuldade para reter os estudantes e obter bom rendimento deles
- Localização: Muniz Freire, no Espírito Santo
- Rede: estadual
- Alunos: 40, todos no Ensino Médio
- Fundação: 2007
- Média nas provas objetivas em 2014: 511,31
- Posição geral no Enem: 7.061
- O que tem de diferente: atende a um distrito no interior do município. Ainda que existam poucos estudantes na região, foi criada porque a distância até a cidade é de 13 quilômetros. Funciona apenas à noite,i instalada em um prédio no qual, durante o dia, opera um colégio municipal. Os alunos são trabalhadores rurais, que passam o dia na lavoura. A biblioteca consiste em quatro prateleiras na secretaria. Em cada um dos três trimestres do ano, professores de diferentes áreas propõem um projeto, geralmente relacionado com um problema da comunidade.
- Palavra da coordenadora, Maria Luciana Soares Zuim: “Sempre somos surpreendidos pelas boas notícias, mas desde 2010 a escola apresenta bons índices. Os alunos são comprometidos. Para eles, a escola é tudo. Como são trabalhadores rurais do interior, não têm acesso a tecnologia. O local de encontro, para ficar antenado, é a escola. Eles a valorizam muito. Além disso, por ser um colégio pequeno, o professor dá atenção personalizada”.
ESCOLA ESTADUAL PADRE JOÃO BOSCO DE LIMA (CE)
- No que é melhor: é a melhor escola de grande porte, com alto nível de permanência (mais de 80% do estudantes fazem todo o Ensino Médio no estabelecimento) e com alunos de patamar socioeconômico baixo ou muito baixo.
- Por que isso é importante: no caso de alunos de nível socioeconômico baixo e muito baixo, é difícil ter bom rendimento e permanência. Para escolas grandes, o desafio é ainda maior.
- Localização: Mauriti, no Ceará
- Rede: estadual
- Alunos: 432, todos de Ensino Médio
- Fundação: 2009
- Média nas provas objetivas em 2014: 500,86
- Posição geral no Enem: 8.581
- O que tem de diferente: funciona em tempo integral, com atividades das 7h20min às 17h10min. São nove aulas por dia, incluindo conteúdos da base curricular comum e disciplinas profissionalizantes (em agropecuária, informática, construção civil, enfermagem e finanças). Cada turma tem um professor responsável, com carga horária reservada a cuidar das questões que a envolvem. Se um aluno começa a faltar, por exemplo, esse professor procura os pais para descobrir o que está havendo. Em 2014, houve um único caso de abandono.
- Palavra do diretor, Júlio César Feijão Matos: “A nossa cidade é uma típica cidade do interior nordestino, que vive das aposentadorias e do Fundo de Participação dos Municípios. As famílias são de baixa renda. A dificuldade que enfrentamos é a própria formação inicial, a bagagem que uma parte dos alunos deixa de trazer. Há uma deficiência nessa bagagem inicial. Mas como o aluno passa o dia conosco, muito próximo do professor, isso favorece”.
COLÉGIO SANTO AGOSTINHO (MG)
- No que é melhor: é a melhor escola de grande porte (mais de 90 alunos) e com alto nível de permanência (mais de 80% do estudantes fazem todo o Ensino Médio no estabelecimento)
- Por que isso é importante: para ter uma boa nota no Enem e poder fazer propaganda disso, muitas escolas recrutam alunos de destaque em outros colégios, já no final do curso, e afastam os que não tem bom desempenho. Por isso, as escolas mais bem colocadas no Enem tendem a apresentar índice baixo de permanência dos alunos. Também há redes que criam pequenos colégios apenas com alunos brilhantes, para se poderem anunciar como campeãs do Enem.
- Localização: Belo Horizonte, em Minas Gerais
- Rede: particular
- Alunos: 3.458, sendo 794 no Ensino Médio
- Fundação: 1934
- Média nas provas objetivas em 2014: 697,91
- Posição geral no Enem: 23º
- O que tem de diferente: acredita no longo prazo. O perfil do aluno que termina o secundário é de alguém que está na instituição desde o Fundamental. No Médio, a permanência é de 95%. O colégio faz questão de manter todos os estudantes, tanto os mais fortes quanto os mais fracos. Não adota estratagemas para melhorar seu resultado no Enem. Ao ficar em primeiro lugar no ranking alternativo do Inep, cumprimentou alunos e professores, mas não fez publicidade.
- Palavra do diretor, Francisco Morales: “O importante é contar com uma equipe preparada, atualizada e bem remunerada. E entender que o trabalho não é feito só no Ensino Médio, mas no colégio como um todo. Se você não tem boas equipes na Educação Infantil e no Fundamental, não adianta ter uma ótima equipe no Médio”.
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