Qualidade e hora-atividade
Hora-atividade e o direito à qualidade na educação
Pensar o trabalho do professor exclusivamente como tempo de ação em sala de aula é ignorar a natureza do trabalho, um erro que nenhuma política pública consequente pode cometer
- Andréa Barbosa Gouveia e Marcos Ferraz
O debate sobre a hora-atividade tem sido pauta constante na imprensa do Paraná, nas últimas semanas. Mas nem sempre os leitores compreendem o que está em jogo.
Os autores canadenses Tardif e Lessard, da Universidade de Montreal, explicam que a atividade docente é um trabalho com limites imprecisos, pois supõe relações interpessoais que variam conforme se alteram: os grupos de estudantes, o contexto social em que os sujeitos constroem o aprendizado e o próprio conteúdo do conhecimento produzido pela humanidade, que avança sem cessar. Na palavra dos autores, é um trabalho cognitivo. Assim, pensar o trabalho do professor exclusivamente como tempo de ação em sala de aula é ignorar a natureza do trabalho, um erro que nenhuma política pública consequente pode cometer. É para o professor organizar suas aulas, corrigir avaliações, interagir com os pais de alunos e atualizar sua formação cultural e pedagógica que a legislação brasileira definiu a hora-atividade.
A hora-atividade não é um benefício de professores e professoras. Ela é um mecanismo da política educacional
A lei do Piso Salarial Profissional Nacional, aprovada em 2008 e referendada em todo o seu conteúdo pelo Supremo Tribunal Federal, regulamentou o mecanismo de reconhecimento e cálculo desta jornada de trabalho docente que vai além da atividade de ensinar, dentro da sala de aula. Afirma a lei que hora-atividade é equivalente a um terço da jornada de trabalho desenvolvida pelos professores e professoras no interior da sala de aula. Esta definição independe da duração da aula, se de 20 minutos, 50 minutos, uma hora ou quatro horas. O mecanismo é simples: basta calcular um terço da jornada em sala de aula.
A hora-atividade não é um benefício de professores e professoras. Ela é um mecanismo da política educacional para garantir à sociedade condições para que o profissional da educação possa desenvolver com qualidade a sua profissão. Mas a hora-atividade não é um fim em si mesmo. É meio para produzir uma educação de melhor qualidade. Reduzir a hora-atividade significa, no caso do professor, obrigá-lo a trabalhar em casa, além de sua jornada e sem remuneração para isso. Por muito tempo, esta prática foi a regra nos sistemas educacionais brasileiros, contribuindo apenas para as deficiências históricas de nossa educação. O que a sociedade paranaense espera de qualquer governante comprometido com uma política educacional séria é que este cumpra a legislação nacional e atue para garantir melhores condições de trabalho aos professores, e não o contrário.
Vivemos um tempo em que indicadores educacionais dos estudantes têm sido tomados como termômetros de qualidade em educação. Ainda que cada indicador contenha limites, eles também revelam alguns importantes aspectos da realidade. Lembremos que, quando observamos os resultados de proficiência dos estudantes nos exames em larga escala, a rede pública federal de ensino sempre se destaca, com escolas de grande qualidade. Um dos aspectos centrais a explicar estes resultados é que, na rede federal, a hora-atividade é, há muito tempo, condição constitutiva da jornada de trabalho docente.
Criar tergiversações sobre o cálculo da hora-atividade é produzir subterfúgios ao cumprimento da lei. Mais que um desrespeito aos professores e professoras, é um ataque a uma necessidade básica de qualquer sociedade contemporânea: o seu direito à educação de qualidade.
Andréa Barbosa Gouveia, doutora em Educação, é professora do Programa de Pós-Graduação no Setor de Educação da UFPR e presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped). Marcos Ferraz, doutor em Sociologia, é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação no Setor de Educação e chefe do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da UFPR.