Protestos, tem a ver com você?
PROTESTOS RELIGIOSOS, ESTADO LAICO E RESPEITO AO OUTRO: O QUE ISSO TUDO TEM A VER COM VOCÊ?
Como um protesto aparentemente simples e que não tem nada a ver comigo me fez questionar as manifestações religiosas existentes no país, e por que estou compartilhando isso com você neste texto.
Deparei-me há alguns dias com manifestantes na Avenida Paulista, uma das mais icônicas avenidas da cidade de São Paulo, e, também por isso, muito usada para protestos. Naquele dia, uma faixa estendida no vão do Museu de Arte de São Paulo, o MASP, com os dizeres em mandarim, inglês e português, rogava: acabem com a opressão contra o Falun Gong. Tirando a expressiva faixa trilíngue, o que mais me chamou a atenção foi o grupo de manifestantes, formado por senhores e senhoras de traços orientais, a maioria já na terceira idade. A curiosidade me levou a pesquisar mais acerca de Falun Gong. Você sabe o que é?
O Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa, é uma prática de estímulo de corpo e mente através de exercícios e meditação que foi banida da China em 1999 pelo governo. Como informa a Anistia Internacional, desde a proibição o governo chinês vem lançando mão de uma campanha de intimidação e perseguição, dirigido por uma organização especial chamada de Escritório 610. Desde então, dezenas de milhares de praticantes do Falun Gong veem sendo arbitrariamente detidos e levados para hospitais psiquiátricos – onde são submetidos a experimentos – ou enviados para locais de reeducação pelo trabalho, que é uma forma de detenção administrativa, imposta sem acusação, julgamento ou revisão judicial, e que na prática significa tortura e outros maus-tratos sem condenação prévia. Era disso que tratava o protesto pacífico de idosos que testemunhei. Eles só queriam o direito de manifestar sua crença religiosa.
Prisão de praticantes na China. Fonte: Por 明慧分类资料网, Attribution, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9097370
No vão do MASP, aqueles que protestavam a favor do Falun Gong o faziam em solidariedade aos praticantes chineses, visto que qualquer pessoa aqui tem o direito de expressar sua opinião religiosa sem ser condenada à prisão por isso. Todavia, este movimento de apoio abriu espaço para uma reflexão mais ampla. Por sorte não há no Brasil opressão do governo, mas será mesmo que tudo relacionado às religiões é tão tolerado assim? Pense bem.
Aqui temos liberdade, mas isso não é o mesmo que respeito. Por mais que vivamos num Estado laico, notadamente algumas religiões são mais prestigiadas que outras. Candomblé, por exemplo, infelizmente muitas vezes tem sua imagem deturpada e relacionado a energias ruins, o que na verdade é um absurdo, visto que é uma religião de base africana, praticada por muitos escravos que vieram para cá, e dos quais grande parte de nós descendem.
Fonte: Black Women of Brazil. Retirado de: www.afreaka.com.br
Nesse sentido, é ainda mais crítico o caso de imigrantes como os haitianos, por exemplo, cuja prática religiosa, vuduísmo, é ainda mais estigmatizada. Esse tipo de comportamento pode ser explicado, ainda que não justificado, pela ignorância. E digo isso considerando as duas acepções do termo: primeiramente, o ignorante, dito “burro”, cujo pensamento tem a profundidade de um pires e infelizmente não é muito apto a abstrações e ao exercício de empatia. Este dificilmente irá muito longe. Para o segundo grupo de ignorantes, a solução é mais fácil.
Sabemos que muito do imaginário popular é formado a partir de impressões causadas pelo medo. Nada mais natural, afinal, todos temos medo do desconhecido. Porém, já é dado o momento de que preconceitos sejam desfeitos e barreiras transpostas: “Troque o medo do que você não conhece por curiosidade!”, é uma das frases que encontramos com facilidade na internet. Já pensou se as pessoas realmente fizessem este exercício de aprendizado? Imagine o quão enriquecedor seria, as crianças aprendendo qual é o “ser” que o coleguinha de escola acredita, e o por quê.
Fonte: "Empathy" lilyfield, sydney street art via photopin (license)