Professores estão morrendo

Professores estão morrendo

Os professores estão morrendo

Qual o seu bem mais valioso?

Por Fernando Bitencourt Lopes 02/09/2016

 

Seria seu carro, modelo último ano, sua casa, terreno, apartamento, ... conquistado com o suor de seu trabalho?

E se, de repente, encontrasse uma lâmpada mágica e de lá surgisse um grande gênio, lindo, imponente, engraçado (como aquele dos desenhos animados), e lhe desse a opção de ter tudo, todos os bens que quisesse, milhares de milhões de reais, sem desconto de imposto de renda e de lambuja seu time campeão do mundo. Tudo isso em troca de uma coisa besta, boba: a sua vida.

Será que algum de nós trocaria a vida por qualquer outro bem, por qualquer outra coisa? Provavelmente nunca em sã consciência, porque se há vida, deve haver a esperança, o tentar novamente, a reconciliação, o dia de amanhã. Mas e se não houver esperança?

E esse é o convite desse texto. Sugiro aos que consigam suportar cenários alarmantes, que façam uma pesquisa rápida em algum sítio eletrônico de busca com os termos “adoecimento de professores”, “licença de professores”, “suicídio de professores”. Já adianto que pela consulta que fiz o que encontrarão não se tratará de fofocas de revistas de famosos, especulação midiática ou discursos comunistas, fascistas, liberais, mas uma infinidade de artigos acadêmicos, estudos, teses, publicações, pesquisas de governos e sindicatos e até documentos oficiais como pareceres do Conselho Nacional de Educação, demonstrando que o adoecimento, a morte de professores devido às suas condições de trabalho é tese, é fato, é tragédia anunciada.

Dados do ano passado, publicados pela imprensa, sobre a rede estadual de ensino do Estado de São Paulo mostram que dos 220 mil educadores dessa rede, mais de 20% (48 mil), foram obrigados a tirar licença médica pelo menos uma vez durante o ano. Diariamente 372 licenças médicas tem que ser concedidas a professores, totalizando 136 mil afastamentos médicos anuais. Entre as causas de adoecimento, a principal são desordens mentais e comportamentais, responsáveis por 27,8% dos casos. [1]

No sítio eletrônico do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), encontramos artigos e pesquisas indicando que o adoecimento entre os professores se tornou uma quase epidemia [2]. A FUNDACENTRO, uma fundação que promove estudos e pesquisas sobre as condições dos ambientes de trabalho e é vinculada ao ministério do trabalho, publicou em 2007 o estudo “Condições de Trabalho e suas Repercussões na Saúde de Professores da Educação Básica no Brasil - Estado da Arte e Resenhas”[3], que traz um panorama geral sobre, já naquela época, as centenas de pesquisas realizadas sobre o tema que com o tempo apenas aumentaram, o que pode ser notado pelas divulgações no sítio eletrônico da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)[4]

            Os professores estão adoecendo, estão perdendo a esperança. O pior é que nesse cenário de adoecimento notado nas pesquisas é possível concluir que as mortes de professores sejam de algum mal súbito ou de modo lento, sendo debilitados a cada salário atrasado, a cada falta de material de trabalho, assédio moral, tendem a aumentar. Infelizmente não são raros os casos como o da professora Jucélia Almeida[5], que recentemente após uma longa luta contra salários atrasados, se suicidou. Mas será que precisamos ir longe para verificar isso?

            Muitos de nós professores da rede municipal de educação de Sumaré sentimos no corpo, mente e coração o que lemos nas publicações. Todos os dias logo de manhã na sala dos professores, vemos o desgaste da equipe gestora na procura por professores para substituir os que estão afastados por questão médica; nas rápidas conversas entre nossos pares, notamos o desânimo por conta do pagamento de salários de forma parcelada, as contas vencidas, os juros dos empréstimos e cartão de crédito. Isso ainda agravado pelas condições de falta de material, apoio ou orientação pedagógica; alunos violentos, indisciplinados ou que demandam por atendimento especial, fato que nos provoca desespero, pois tais crianças precisam de um apoio que não podemos oferecer; jornadas de trabalho extensas, salas com quase 40 educandos, o que consiste para a grande maioria dos professores no trabalho de 6 aulas de manhã, outras 6 a tarde e para muitos um terceiro turno de 5 aulas a noite, em redes de ensino diferentes e escolas distantes,  totalizando de 200 a 300 pessoas com as quais o educador tem contato diário e deve oferecer atenção pedagógica, afeto, orientação, disciplina. Muitas vezes a cadeira do professor na sala de aula passa a ser um objeto de decoração, sem contar que alimentação regrada, lazer, ócio, a prática constante de atividades físicas se tornam sonhos distantes. Vemos tudo isso, mas não conseguimos nos ajudar de verdade, conversar sobre os problemas que nos afligem. Somos afogados na falta de tempo, e nosso direito inalienável da vida nos é sutilmente usurpado.

            E nossos governos? Os estudos também indicam que ao invés de debater e estabelecer políticas públicas no enfrentamento desse mal, por vezes acabam por criar políticas que remetem a culpabilização do professor por se adoentar. Dificultam a concessão de afastamentos por questões de saúde, estabelecem bônus financeiro aos que não faltarem como evidente troca de dinheiro em detrimento da saúde, também propõem a ampliação da idade mínima para a aposentadoria (como se suportássemos), mantém valores baixos de salários e sem reajustes inflacionários que levam os professores a aumentar ainda mais sua carga de trabalho já estafante. Diferenciam os professores em classes, categorias, O, F, efetivo, contratado, PI, PII, mérito,... de modo a produzir nessa diferenciação a possibilidade de pagar salários ainda mais baixos, como se houvesse uma etapa de ensino mais importante na vida do educando ou professor que, por conta da etapa do ensino, trabalhasse mais ou menos do que o outro, numa evidente manobra no sentido da quebra da mobilização de categoria por melhores condições de trabalho.[6]

            Os prejuízos por conta desse adoecimento são altíssimos, sejam eles financeiros, no aprendizado, na vida. Na falta de professor, as opções das escolas, de modo geral, nunca oferecem a mesma qualidade de ensino do que a aula ministrada pelo professor titular, pois nessa ausência alguém deve ocupar aquele espaço, ou a turma é dispensada, desse modo a falta de um professor afeta toda a comunidade escolar.[7]

            E o tudo isso acontece conosco, com nosso colega, nosso aluno, nosso filho, em nossa comunidade é o que também nos mata pouco a pouco. Está tudo comprovado nos estudos. Acontece em todo o Brasil, acontece em Sumaré e não notamos a procura por soluções. Mas os educadores sabem que o mal está no temer geral do que lhes é imposto por políticas carrascas de quem os deveria ajudar. Desse modo, o que lhes resta é se alimentar de esperança, resistir e ter a coragem de encaminhar propostas alternativas garantindo sua sobrevivência nesses tempos que se apresentam sombrios e fortalecendo a luta na busca de condições que lhes garantam viver a vida com dignidade em sua plenitude.

 

 

[1]http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,estado-da-a-professores-372-licencas-por-dia-27-por-transtornos-mentais,10000022938

[2] http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/adoecimento-e-quase-epidemia-entre-professores/

http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/saude-dos-professores/

http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/pesquisa-aponta-que-depressao-e-maior-causa-de-afastamento-de-professores/

[3]http://www.fundacentro.gov.br/biblioteca/biblioteca-digital/publicacao/detalhe/2011/8/condicoes-de-trabalho-e-suas-repercussoes-na-saude-de-professores-da-educacao-basica-no

[4] http://www.cnte.org.br/

[5] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/professora-comete-suicidio-sergipe.html

[6] http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias-2016/os-truques-do-governo-alckmin-para-barrar-licencas-de-professores/

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2014/11/1545310-professores-de-sp-recorrem-mais-a-justica-para-tirar-licenca-medica.shtml

http://www.scielo.br/pdf/edreal/v38n3/16.pdf

http://www.scielo.br/pdf/es/v30n107/03.pdf

http://www.acaoeducativa.org.br/index.php/todas-noticias/2038-observatorio-da-educacao

http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/115547/ISSN2317-0452-2013-02-01-68-83.pdf?sequence=1&isAllowed=y

[7] http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT13-2861--Int.pdf

 

http://www.jornalismodiferente.com.br/ler-coluna/155/ 




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