Professor está sobrecarregado
Turmas mal comportadas tem levado professores a níveis alarmantes de estresse
No passado professores tinham que lidar com alguns alunos difíceis por turma, mas hoje as coisas se inverteram, e o que era exceção aos poucos foi se tornando a regra. Professores estão tendo que lidar com turmas fora de controle o tempo todo, em alguns casos, com mais da metade de alunos mal comportados por sala, sem respeito por regras e que desprezam qualquer tipo de autoridade.
Colocar limites em um ou dois alunos é uma coisa, mas em turmas inteiras todos os dias é outra completamente diferente. Ter que lidar com essa situação o tempo todo tem gerado um rápido esgotamento nos professores, o que geralmente ocorre quando um profissional se sente altamente estressado, emocionalmente exausto, cansado e indiferentes sobre o que acontece aos alunos.
Jovens rebeldes na escola são vistos em cada geração, e, embora raramente dure até a idade adulta, pode ser difícil saber as razões por trás do comportamento disruptivo. Alterações no desenvolvimento do cérebro, hormônios, estresse e pressão dos colegas, todos desempenham sua parte em dar a um jovem uma razão para agir desafiadoramente. Mas então o que mudou?
É difícil explicar, visto que os motivos são diversos, mas o que tem sido consenso entre especialistas é que o grande aumento de famílias desestruturadas tem consequentemente gerado uma quantidade maior de crianças e adolescentes levando uma vida sem regras e limites básicos. E mesmo em famílias consideradas estáveis, a maioria dos pais trabalham a semana toda e não tem tempo de educar corretamente seus filhos. Seja como for a responsabilidade de colocar limites e regras tem ficado cada vez mais com o professor.
Professores são seres humanos, e há um limite para se expor uma pessoa a níveis altos de stress. Em muitas escolas ainda é comum colocar toda a responsabilidade no professor, ao dizer principalmente que o professor não tem controle de turma como um tipo de limitação profissional. Não tendo a quem recorrer e ainda com medo de ser demitido, o stress do professor aumenta e a queda no rendimento do profissional é inevitável, o que em muitos casos leva o profissional a perder o emprego. “É mentalmente e fisicamente desgastante. É onerosa e demorada. É implacável e aparentemente interminável”, esse foi o comentário de um professor de ensino médio que já lidou com muitas turmas difíceis.
'A vida em sala de aula tem uma natureza excepcionalmente estressante ", disse Stan Gilmore, do Instituto de Aconselhamento, em uma reportagem do The Guardian. "Os professores nunca podem baixar a guarda e são obrigados a exercer um nível de controle incessante sobre mais de 30 alunos. "A maioria dos professores, vão testemunhar que em algum momento em sua carreira de docente têm encontrado dificuldades em lidar com a pressão implacável para manter a ordem, levando ao tipo de exaustão emocional coloquialmente conhecido como um" colapso mental ". John Bangs, chefe de educação na NUT, está preocupado com o impacto de tal pressão. Ele apontou para o suicídio, em julho passado, de Jed Holmes que foi encontrado morto, envenenado por monóxido de carbono, na véspera de uma inspeção. Colegas dele na escola primária em que trabalha, disse que os resultados do exame da escola tinham caído ligeiramente na sequência de uma ingestão de alunos extras e que Holmes tinha sido diagnosticado com depressão ligada ao estresse no trabalho. "As consequências humanas deste estresse excessivo sobre os professores são graves e de grande alcance", disse Bangs. 'Eles podem incluir sintomas físicos, mas também questões de saúde mental, incluindo ansiedade, depressão, insônia, a síndrome de burnout e um aumento do risco de suicídio. A maioria dos professores experimentam estresse no trabalho pelo menos duas a quatro vezes por dia, com mais de 75 por cento dos problemas de saúde dos professores atribuídos ao estresse.
O cenário que o professor como um todo enfrenta é de baixa remuneração, superlotação das salas de aula, aumento da indisciplina e do desrespeito, desvalorização social e falta de estrutura e de recursos nas escolas. Essa pressão tem tido repercussões, esses profissionais não estão apenas deixando a profissão mais cedo, mas cada vez menos estão entrando nela. E muitos já colocam a carreira no ensino escolar como temporária, até que oportunidades melhores apareçam, como por exemplo, ingressar como docente em uma faculdade pública ou particular, onde o salário é mais atrativo e as possibilidades de crescimento profissional são maiores. A verdade é que não importa quantas reformas se faça na educação, a qualidade vai continuar caindo até que a carreira de professor seja verdadeiramente valorizada.
Professor está sobrecarregado com tarefas que são dos pais, diz educador
Marcos Meier, para ele, tecnologia mal utilizada não ajuda em nada a educação.
A relação entre família, sociedade e escola é o tema da edição deste ano da Feira Educar Educador, que começa nesta quarta-feira (16), no Centro de Exposições Imigrantes, na Zona Sul de São Paulo. O mestre em educação Marcos Meier vai dar a palestra que sintetiza o evento: "Família, sociedade e escola: onde pretendemos chegar?". Para ele, o professor tem sido obrigado a assumir uma tarefa que é relativa aos pais na educação de crianças e adolescentes.
Ao viajar o Brasil dando palestras para professores, o mestre em educação Marcos Meier, que já foi ele mesmo professor de matemática no Paraná, se deparou com uma tendência preocupante a partir dos depoimentos dos docentes. "O professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo, hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta disso", afirmou.
Segundo o especialista, o acesso à informação e tecnologia nos últimos anos tem feito com que as relações se modifiquem e os adolescentes de hoje, vivendo em famílias cada vez mais ocupadas e passando horas excessivas do dia com o telefone, o computador e o videogame, não desenvolva os mecanismos de socialização necessários para o convívio pessoal.
As famílias, para Meier, não devem ser divididas em "estruturadas" e "desestruturadas" por causa de sua formação, já que o aumento no número de divórcios tem criado novas relações. Ele defende o enfoque na funcionalidade da família. "Existem famílias com papai, mamãe e filhos que sãp desfuncionais, porque os pais não dão atenção às crianças, e famílias sem o pai, mas em que a mãe faz um trabalho maravilhoso, ou os avós e tios também ajudam", explicou.
A falta de tempo dos pais, também cada vez mais conectados às tecnologias, faz com que os poucos momentos com os filhos sejam de interação, com brincadeiras, jogos e diversão, e provoca a escassez momentos de intimidade necessários para construir uma relação de qualidade entre eles. O resultado é que as crianças hoje em dia chegam às escolas cada vez mais indisciplinadas, aumentando assim a exigência dos professores para manter a autoridade.
A 19ª Feira Educar/Educador mistura um amplo congresso com educadores com feira de negócios - são mais de 150 empresas expositoras e cerca de 230 palestrantes nacionais e internacionais. A feira vai até sábado (19). Leia a íntegra da entrevista de Meier ao G1.
Do que se trata o tema geral da Educar 2012?
Eu farei a palestra-tema do evento, "Família, sociedade e escola: onde pretendemos chegar?". A nossa sociedade hoje está sofrendo transformações muito grandes em termos de acesso à informação e tecnologia, que faz com que as relações se modifiquem. Os adolescentes antigamente se reuniam e ficavam horas dançando ou batendo papo, fazendo festas de garagem. Então eles eram obrigados a aprender a lidar com o cara chato, com o sarna, aquele que incomoda. O adolescente tem a característica de corrigir um ao outro, pegar no pé, isso é muito saudável para desenvolver mecanismos de socialização, a pedir com licença, por favor, desculpa.
E qual a diferença hoje?
Com a tecnologia, ele não tem mais a oportunidade do olho no olho, se não gostou de um cara, ele bloqueia no MSN [mensageiro instantâneo], na sala de bate-papo. O adolescente não está mais acostumado a aceitar crítica, ele fica frágil, não suporta as críticas. Isso faz também com que, na escola, o professor que exija um pouco mais é mal visto. O adolescente reclama, acha ruim, não está acostumado a receber esse tipo de cobrança do professor que pega no pé.
Como a família influencia esse comportamento?
A indisciplina tem aumentado bastante justamente por causa do tempo. As crianças estão cada vez menos sob orientação de um adulto. O pai dificilmente tem tempo para ficar com os filhos, a mãe trabalhando fora ainda tem todas as atividades da casa. Então ela tem momentos de interação, mas não tem momentos de intimidade. Tem aquela hora de fazer bagunça, e eles deixam regras de lado, ninguém quer pegar no pé do filho porque são tão poucos minutos para ficarem juntos. Então não tem qualidade essa relação. E esse estilo cada vez mais descomprometido tem efeitos na escola também.
Que efeitos?
As crianças, que deveriam estar aprendendo a ter educação com os pais, acabam chegando na escola totalmente indisciplinadas, batendo e xingando em vez de conversarem. O professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo, hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta disso. De uma aula de 40 ou 50 minutos que poderia estar sendo muito bem aproveitada com conteúdo, 20 minutos com certeza estão sendo jogados no lixo. Isso vai irritando tanto o professor, que depois não tem paciência na hora de explicar o assunto. Ele está sendo exigido além da conta, o professor foi preparado para ensinar currículos escolares, não para dar a educação que a família antigamente ensinava.
A falta de interesse dos alunos na escola também não têm a ver com o abismo de gerações, já que os professores são muito menos adeptos das novas tecnologias?
É bom que professores aprendam a usar as novas tecnologias, mas temos um mito que é o seguinte: a gente acha que o aluno que usa computador e internet está aprendendo mais, mas quando passa um trabalho ou pesquisa para ele, o aluno não sabe filtrar informação na internet, o que aparecer no google eles colocam no trabalho deles. Não viram se era pegadinha, se o site tem autoridade. Eles acham que fizeram a pesquisa por colocar informações numa página, às vezes nem leram com atenção.
Esse é um problema generalizado?
Tem o outro lado, temos sim escolas com nível de educação de primeiro mundo, temos pesquisas na área da educação, da relação professor-aluno, suficientes para poder dar palestra a professores da Europa sobre como dar aula. O problema é que esse conhecimento que as boas escolas têm não chega a todas as escolas. Enquanto algumas escolas do Sul estão discutindo se usam lousa digital de uma ou outra marca, outras estão emendando quadro negro com cartolina porque ele está rachado.
Absorver a tecnologia é inevitável para a escola?
Tem escola hoje que proíbe que professores tenham Facebook porque alunos falam mal do professor e da escola lá. Por outro lado, tem escola incentivando que o professor tenha Facebook, que coloque os alunos como amigos para trocar informações e tirar dúvidas. Você pode usar a tecnologia a favor da aprendizagem ou vê-la como uma ameaça à escola. Mas esse tipo de visão retrógrada vai ter que desaparecer.
O que falta para isso acontecer?
Hoje temos uma problema que é a falta de softwares de qualidade para a escola. Tem software que o aluno dá um clique, vira uma página, dá outro clique, vira outra página. Aquilo nada mais é do que um livro em formato digital, mas o grau de interatividade é zero. Tem que tomar muito cuidado ao levar o aluno para o laboratório de informática. Às vezes é perder tempo com o computador, é melhor pegar um professor apaixonado por aquilo que ensina do que usar um software com baixo grau de interatividade. Isso em psicologia a gente chama de postura passivo-aceitante, é como a criança na frente da televisão, só recebe informação. Tem muito professor que coloca o aluno nessa postura, e também tem muito software que segue o mesmo caminho. A chave é a interação do aluno com o conhecimento. Pode ser no computador, sozinho ou com o professor em sala de aula. Desde que haja espaço para interagir com o conhecimento, é isso que precisa acontecer para o aluno aprender.