Por trás dos números
Quanto custa nossa educação (e o que está por trás dos números)
03/07/2017
Em oficina no Congresso, José Marcelino de Rezende Pinto diz que números do governo federal sobre o investimento em educação são tendenciosos e não espelham a realidade das escolas
Letícia Cavalcante Do Repórter do futuro
Quanto custa a educação no Brasil? Esse foi o tema central abordado na oficina ministrada pelo professor e doutor em Educação José Marcelino de Rezende Pinto, da USP (Universidade de São Paulo). A atividade foi realizada na quinta-feira (29), na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, durante o 1º Congresso de Jornalismo de Educação, organizado pela Jeduca.
Bem humorado, José Marcelino tratou de questões acerca do financiamento da educação, desigualdades do sistema tributário e transparência na prestação de contas, apontando fatores que enfraquecem o ensino público num país com grande desigualdade social. O professor alertou ainda para os cuidados que o jornalista deve ter ao analisar os investimentos do Brasil em educação. Para ele, a falta de transparência com os investimentos em educação é majoritariamente uma questão política, que vai desde indicadores e estatísticas tendenciosos até desvio de verbas pela corrupção.
Segundo dados do governo federal, o Brasil seria um dos países que mais investem em educação, se tomássemos como medida apenas o percentual do PIB, chegando a 6%. Os gastos em relação ao PIB são comparáveis aos de países como Finlândia, Áustria, Alemanha e Coreia do Norte, líderes no investimento em educação. Mas o gasto individual por aluno é bem mais baixo. O Brasil investe US$ 3,16 por aluno em período letivo, ante os US$ 11,3 da Áustria, por exemplo.
Para José Marcelino, a conta não bate. Segundo o especialista, os números apresentados pelo governo federal não correspondem à realidade que chega às escolas, universidades e pesquisas. Diversos fatores afetam a transparência desses números.
Apesar de estados e municípios terem a obrigação constitucional de investir 25% de suas receitas com impostos em educação, valor complementado pelo governo federal via fundos como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), o professor aponta que há uma série de problemas na arrecadação de tributos. Como exemplo, usou o ITR (Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural), pago por proprietários de terras, que deveria ser recolhido pela União e destinado aos municípios para que 25% de seu valor fosse investido em educação pública. De acordo com o professor, o imposto não é devidamente cobrado e os valores repassados são inexpressivos, o que ele associa ao peso da expressiva bancada ruralista do Congresso Nacional.
José Marcelino também chama atenção para as prestações de contas dos estados e municípios, nas quais há uma grande disputa sobre o que pode ser considerado gasto com educação. Em muitos casos, os entes federados incluem gastos com aposentados, por exemplo, e os Tribunais de Contas aceitam porque a legislação é omissa nesse ponto.
A disparidade entre escolas públicas e privadas também foi discutida na oficina. Defensor da escola pública, o professor apresentou dados que mostram a diferença do investimento por aluno nas duas redes. No Brasil, a escola privada, com melhor desempenho no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), custa em média cerca de R$ 1 mil reais por aluno ao mês, enquanto o repasse do Fundeb é de menos de R$ 300 para cada aluno da rede pública.
Para José Marcelino, essa diferença é um sintoma do quadro grave de desigualdade social do país, que se prolonga justamente pela falta de investimentos no ensino público. A segregação entre estudantes em ambientes escolares de acordo com a classe social é outro aspecto da desigualdade. "Quanto mais mista uma turma, melhor para o todo", disse.
O professor finalizou sua fala destacando que, apesar dos números oficiais, o Brasil ainda busca condições mínimas para o ensino público e pena por conta da instabilidade política. Ele ressaltou que a educação deve ser ter um tratamento multifatorial, com investimentos voltados para seus elementos básicos -- professores, infraestrutura e alunos -- para se alcançar a redução efetiva da desigualdade social.
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