Por que Paulo Freire?
Por que Paulo Freire é Patrono da Educação Brasileira?
Juro que não gostaria de tratar desse assunto. Por falta de tempo, estômago e paciência. Também por não ser defensor vorás de tudo que produziu Paulo Freire, pois creio que sua obra precisa de atualizações em todos aspectos.
Gregório Grisa
Sinto duas tristezas ao escrever esse texto. A primeira é por viver em um tempo em que essa explicação ainda é necessária. A segunda, advêm da desconfiança de que a explicação será vã, para muitos casos. Dito isso, vamos lá.
Acessei e conheci a obra de Paulo Freire na graduação, na especialização e no mestrado. Participei da organização de dois Fóruns de Leituras de Paulo Freire e fui em outros três. Com o tempo, deixei de ir a esses encontros. Mudei o leque teórico de leituras no doutorado e no pós-doutorado e hoje já não tenho Freire em minhas leituras básicas, a não ser como inspiração para algum tema pontual. Vivi debates com setores de esquerda que criticavam muito Freire, o concebiam como cristão, fenomenólogo, existencialista, socialdemocrata. Essas matrizes realmente constituem a produção de Freire. Debati e analisei trabalhos marxistas criticando Freire. Esses trabalhos tinham como objeto a teoria, envolviam a leitura e o conhecimento do que ele produziu. Por tanto, parte da esquerda acadêmica critica Freire até hoje, mas o respeita pela obra.
Por outro lado, a crítica contemporânea da direita a Paulo Freire não é teórica, passa longe de ser fruto de estudo para uma posterior crítica. A acusação de que Freire seria um “doutrinador” se insere nas "guerras culturais" que hoje nos ocupam, em especial nas redes sociais. O que ocorre é uma reprodução de discursos que ligam determinados autores a posicionamentos políticos extremados. Esse processo se caracteriza pela superficialidade, e, em alguns casos, pela idiotice mesmo. Se reproduz memes ofensivos e pueris achando que se está fazendo grande crítica ou marcando território.
Por que Freire é patrono da educação? É simples.
Na área acadêmica da educação, da pedagogia, ninguém tem o reconhecimento internacional que ele tem. O critério da avaliação pelos pares é fundamental para a ciência, logo, se seus livros foram traduzidos para mais de 40 idiomas, se as principais universidades do mundo lhe concederam prêmios e se sua obra inspira práticas educativas é sinal de que ele é importante para sua área. Freire dá nome a institutos acadêmicos em países como Finlândia, Inglaterra, Estados Unidos, África do Sul e Espanha. Um grandioso seminário internacional sobre Paulo Freire foi realizado na Universidade Nacional da Coréia do Sul há alguns anos. Paulo Freire foi professor convidado de Harvard em 1969.
Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo na área das ciências humanas. O levantamento foi feito através do Google Scholar por Elliot Green, professor da London School of Economics. Freire é citado 72.359 vezes, atrás somente do filósofo americano Thomas Kuhn (81.311) e do sociólogo Everett Rogers (72.780). É mais referido do que pensadores como Michel Foucault (60.700) e Karl Marx (40.237).
Outro ponto de reconhecimento da sua obra foi a menção da “Pedagogia do Oprimido” entre os 100 livros mais pedidos em universidades de língua inglesa pelo mundo, segundo o projeto Open Syllabus. Reunindo mais de 1 milhão de ementas de estudos universitários americanos, ingleses, australianos e neozelandeses, o livro de Freire foi o único brasileiro a entrar no top 100 da lista.
Eu tenho muitas críticas ao pensamento de Freire, em especial ao uso que, por vezes, dele é feito. Deixei de usar conceitos de Freire por ter encontrado outros mais adequados aos meus fenômenos de pesquisa. Ler, entender e criticar é um movimento necessário e respeitável.
Porém, é inadmissível que a mediocridade intelectual de algumas pessoas se revista de "opinião política" e seja levada a sério. Aqueles que replicam discursos de milícias digitais que nunca leram uma orelha de livro do autor, que "politizam e moralizam" sem nenhum critério, não merecem consideração.
Infelizmente são essas pessoas que querem retirar o título de Patrono da Educação Brasileira de Paulo Freire.
Pessoas que não sabem do que estão falando e que, por isso, trazem uma apreciação empobrecida sobre a homenagem que lhe foi feita. Posso discordar de suas premissas e propostas, militar em outro campo político e ideológico, mas não posso deturpar sua obra, mentir e distorcer argumentos para isso.
Ver problema em ter Paulo Freire como patrono é cair em mais uma armadilha belicista das redes sociais e reverberar uma incompreensão histórica.