Por dentro do Fundeb

Por dentro do Fundeb

Definição do que pode ser incluído nas despesas de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino é uma das dúvidas mais frequentes dos gestores

Filipe Jahn

Filipe Rocha


Consta na legislação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a principal fonte atual de financiamento da educação brasileira, que no mínimo 60% do seu valor deve ser utilizado para pagamento de salário de professores em exercício, enquanto o restante pode ser gasto em despesas realizadas no ensino fundamental, por meio de ações de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).

O problema que muitos gestores enfrentam é compreender quais dessas ações são permitidas ou não perante a lei. A Secretaria de Educação de Rondônia, por exemplo, pretendia utilizar parte da verba para despesas operacionais dos jogos escolares em 2009 e para a aquisição de uniformes dos alunos. Mas, após uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), verificou que o fundo não poderia ser usado, pois tais despesas não fazem parte do conjunto de ações de manutenção e desenvolvimento.

Há casos ainda em que o Fundeb é utilizado incorretamente e as contas do ente federativo são questionadas. Foi o que aconteceu em Cubatão (SP), onde a prefeitura comprou grades de proteção para os estudantes, utilizadas durante o desfile de aniversário da cidade. Em agosto, o Conselho Municipal de Educação (CME) emitiu um parecer rejeitando o gasto, por não estar relacionado ao ensino. Já na cidade de Tancredo Neves (MG), um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) apontou que a compra de combustível para o transporte escolar, feita com recursos do Fundeb entre março e agosto de 2008, era irregular. Isso porque os veículos usados eram de uma empresa contratada, e caberia a ela arcar com tal custo.

Ações corretas
A Prefeitura de Tancredo Neves poderia comprar o combustível com o dinheiro do Fundeb apenas se os veículos fossem de propriedade pública. Essa possibilidade, assim como todas as outras, está prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Os artigos 70 e 71 expressam quais ações são consideradas ou não como de MDE.

Entre as despesas permitidas estão a aquisição, manutenção e funcionamento das instalações e equipamentos necessários ao ensino, o uso e manutenção de bens e serviços, a remuneração e aperfeiçoamento dos profissionais da educação e a aquisição de material didático e transporte escolar. Entretanto, o mais importante é saber que a utilização do recurso deve estar sempre diretamente atrelada à necessidade de uma instituição para atingir objetivos que visam o ensino e a atividade escolar, segundo as diretrizes curriculares do sistema educacional. Ou seja, quadras poliesportivas podem ser construídas nas dependências de uma escola pública com o dinheiro do fundo, mas não em praças públicas. Obras de ampliação e reforma de unidades educacionais também valem, só que o recurso não pode ser utilizado para uma construção que melhore o acesso a uma escola. Instrumentos para as aulas de música podem ser custeados, porém a aquisição para fanfarras ou bandas escolares não é caracterizada como manutenção e desenvolvimento.

Também não são considerados como MDE: compra de alimentos para merenda escolar, pesquisas não vinculadas às instituições de ensino ou que não visem o aprimoramento da sua qualidade, transferências de recursos para aplicação em ações somente assistenciais, desportivas ou culturais e o pagamento de profissionais do magistério que estejam exercendo função em outra área.

Contudo, a Lei nº 11.494, que regulamenta o Fundeb, prevê algumas "exceções". Fonoaudiólogos e psicopedagogos podem ser pagos com a parcela dos 40% se a atuação deles for imprescindível ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos. E despesas com alimentação, passagem e diárias podem ser pagas com essa porcentagem do Fundeb. Desde que sejam associadas à realização de atividades indispensáveis para a realização e qualificação do ensino, como a viagem de servidores a um encontro que vai discutir assuntos da educação pública do respectivo estado ou município.

Custo-aluno
Além dessas ressalvas, apesar de a lei sobre o Fundeb estabelecer que todo o recurso pode ser aplicado indistintamente entre etapas e modalidades, o governo federal utiliza um índice de ponderação que fixa um limite mínimo a ser utilizado. O índice tem os anos iniciais do ensino fundamental como base, com o fator 1,00. No caso do fator de ponderação para as creches públicas em tempo integral, por exemplo, o índice é 1,10. Ou seja, o custo-aluno dessa modalidade é 10% maior do que o dos anos iniciais do ensino fundamental. Já a educação de jovens e adultos com avaliação no processo é 20% menor: 0,80.
Há ao todo 21 fatores de ponderação. Eles são definidos pela Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade, que conta com representantes dos municípios, estados e com o ministro da Educação. "Esses fatores funcionam como um instrumento de política pública para a educação. Eles equilibram o peso que cada segmento vai ganhar", explica o coordenador-geral de Operacionalização do Fundeb, Vander Borges.

Conselho
Para garantir a aplicação correta de todos esses recursos, outra determinação da lei é que todo município deve formar um Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. Ainda que não tenha papel fiscalizador e não possa executar sanções, o conselho pode exercer um controle social sobre as contas e ser uma ponte entre sociedade e dirigentes municipais. Está previsto que a prefeitura apresente mensalmente ao conselho demonstrativos da aplicação dos recursos do fundo. Caso haja algum indício de irregularidade, o conselho pode solicitar revisão das contas junto ao poderes locais ou, dependendo da situação, encaminhar denúncia ao Tribunal de Contas ou ao Ministério Público.

O conselho precisa ser criado por lei, decreto ou portaria e deve ser composto no mínimo por nove membros: dois representantes do poder executivo municipal, sendo um deles da secretaria municipal de educação; um diretor de escola; um professor; um servidor técnico de escola pública municipal; dois representantes de pais de alunos matriculados na rede pública municipal da Educação Básica; e dois alunos emancipados ou representantes de alunos, que podem ser pais e professores. Se houver um Conselho Municipal de Educação ou Conselho Tutelar, um de seus membros também deverá integrar o conselho do Fundeb.

A escolha dos membros é realizada pelas organizações que representam cada categoria, com a ressalva de que cônjuges e parentes consanguíneos até terceiro grau do prefeito, vice e dos secretários municipais não podem participar. Para evitar disputas, seja de ordem pública ou pessoal, a lei prevê regras como o impedimento de exoneração ou demissão sem justa causa de professor, servidor ou diretor de escola que participe do conselho, que também não podem ser transferidos ou afastados.

José Guimarães, especialista em financiamento da educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), acredita que, de modo geral, houve avanços na educação com a introdução do Fundeb, porém a maioria dos conselhos hoje atua somente como um órgão referendador. Para ele, há uma necessidade urgente de o fundo prever um repasse de verbas para estimular a existência e a divulgação de um conselho. "Assim a sociedade poderia conhecer e participar mais das decisões políticas do seu município", conclui.

Já a fiscalização dos recursos do Fundeb é realizada por meio de relatórios enviados anualmente pelos governos aos tribunais de contas dos estados e municípios, sempre com o parecer do conselho do Fundeb. A legislação permite no entanto que os tribunais adotem periodicidades diferentes para a verificação. O parecer do conselho deve ser apresentado ao Poder Executivo até 30 dias antes do vencimento do prazo fixado. Caso a aplicação do recurso do fundo seja destinada a gastos diferentes daqueles permitidos por lei, estados e municípios podem sofrer sanções como a impossibilidade de celebrar convênios públicos ou realizar operações de crédito junto a instituições financeiras, a perda da assistência financeira da União e até mesmo a suspensão do recebimento de transferências voluntárias. Quando há recursos federais na composição do Fundo, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União também atuam nessa fiscalização.

Para consulta:

http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/972 

Recurso é estabelecido com o percentual de impostos

O Fundeb substituiu o antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), e atende atualmente a cerca de 48 milhões de estudantes. A principal diferença entre os dois é que, enquanto o Fundef destinava-se somente ao ensino fundamental, o Fundeb cobre toda a Educação Básica - educação infantil, ensinos médio e fundamental e classes segmentadas, como Educação de Jovens e Adultos, educação indígena, profissional, do campo e educação especial.

O fundo é administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e, para obter sua receita, União, estados e municípios transferem para ele um percentual de uma série de impostos e tributos com a mesma periodicidade com que são creditados os valores das fontes que o alimentam, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE), dos Municípios (FPM), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp), Imposto sobre e Propriedade Territorial Rural (ITR) e Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Essa transferência começou no percentual de 16,25% sobre cada imposto, em 2007, para alcançar 20% neste ano e se tornar permanente até o término da vigência do Fundeb, em 2020. Além disso, há um aporte do governo federal, a título de complementação, que em 2009 chegou a R$ 5 bilhões, e que a partir deste ano será de 10% do total da contribuição de estados e municípios.

 

http://revistaescolapublica.com.br/textos/13/artigo246348-1.asp

 




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