PL reforma trabalhista

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

PROJETO DE LEI Nº        , DE 2016

 (Do Sr. Julio Lopes)

Altera a redação do artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 618 – As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de medicina e segurança do trabalho.

  • 1º - No caso de flexibilização de norma legal relativa a salário e jornada de trabalho, autorizada pelos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal, a convenção e acordo coletivo de trabalho firmado deverá explicitar a vantagem compensatória concedida em relação a cada cláusula redutora de direito legalmente assegurado.
  • 2º - A flexibilização de que cogita o parágrafo anterior limita-se à redução temporária de direito legalmente assegurado, especialmente em período de dificuldade econômica e financeira pelo qual passe o setor ou a empresa, não sendo admitida a supressão do direito previsto em norma legal.
  • 3º - Não são passíveis de alteração por convenção ou acordo coletivo de trabalho normas processuais ou que disponham sobre direito de terceiro.
  • 4º - Em caso de procedência de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção coletiva que tenha disposto sobre normas de medicina e segurança do trabalho, processuais ou de direito de terceiros, deverá ser anulada igualmente a cláusula da vantagem compensatória, com devolução do indébito.”

Art. 2°. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho - OIT possui duas Convenções, ratificadas pelo Brasil, que propõem aos países signatários que prestigiem a negociação coletiva como forma de composição dos conflitos coletivos de trabalho.

São elas as Convenções 98, de 1949, e 154, de 1981 da OIT.

No caso da Convenção 98 da OIT, sobre a “Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Coletiva”, com seu texto aprovado pelo Decreto Legislativo 49, de 1952, e promulgada no Brasil pelo Decreto 33.196/53, de Getúlio Vargas, cujo art. 4º, dispõe expressamente que: “Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego” (grifos nossos).

Ou seja, para se fomentar e promover a negociação coletiva, as autoridades nacionais, sejam executivas, legislativas e judiciárias, devem adotar as medidas necessárias de estímulo e não comprometimento da negociação coletiva. E isto desde os tempos de Getúlio Vargas.

No caso da Convenção 154, sobre o “Incentivo à Negociação Coletiva”, com seu texto aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 22, de 1992, e promulgada pelo Decreto 1.256/94 do Poder Executivo, a OIT foi mais além , ao dispor, em seu artigo 8º, que “as medidas previstas com o fito de estimular a negociação coletiva não deverão ser concedidas ou aplicadas de modo a obstruir a liberdade de negociação coletiva” (grifos nossos). Ou seja, prestigiar e incentivar a negociação coletiva significa não obstruí-la pelo excesso de intervencionismo estatal nas relações laborais passíveis de negociação coletiva.

Em suma, sob o prisma da normativa internacional ratificada pelo Brasil, as autoridades executivas legislativas e judiciárias devem não apenas estimular, incentivar e promover a negociação coletiva direta entre empregadores e trabalhadores, através de suas entidades sindicais, mas especialmente não as obstruir pelo excesso de intervencionismo restritivo daquilo que possa ser objeto das normas coletivas.

Sob o prisma da normativa constitucional, a Carta Política de 1988 observou os ditames das já referidas convenções da OIT, ao dispor expressamente sobre o estímulo à negociação coletiva, como também ao balizar perfeitamente os limites da autonomia negocial coletiva, em seu art. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, que dispõem:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; (...)” (grifos nossos).

O que os dispositivos constitucionais que tratam expressamente sobre negociação coletiva, sob o prisma de seus instrumentos normativos, que são as convenções e acordos coletivos, estabelecem é que as convenções e acordos coletivos de trabalho são fontes formais e materiais de estabelecimentos de direitos trabalhistas e que, no caso de salário e jornada de trabalho, é possível sua redução, mediante tutela sindical. É o que está expresso na Constituição.

Ou seja, normas legais que disponham sobre verbas salariais e jornada de trabalho são passíveis de flexibilização, desde que esta se faça através de negociação coletiva entre empresas e sindicatos, nos limites da Constituição.

A exegese desses dispositivos constitucionais relativos à negociação coletiva foi realizada pelo Supremo Tribunal Federal, no precedente RE 590.415-SC (Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 30/04/15, por unanimidade), ao exercer o controle de constitucionalidade das decisões judiciais da Justiça do Trabalho, vindo a traçar limites menos restritivos à autonomia negocial coletiva, assim se pronunciando:

“DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. (...) 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida (...)”.

No corpo do voto de Sua Excelência, o Ministro Relator explicitou as razões pelas quais se fazia necessário recolocar o problema dos limites da autonomia negocial coletiva em seus termos constitucionais e internacionais, assim se pronunciando:

“VI. A RELAÇÃO ENTRE NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DEMOCRACIA: A MAIORIDADE CÍVICA DO TRABALHADOR

  1. A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social.
  1. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável da população do debate público. (...)
  1. Nessa linha, não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho. Tal ingerência viola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociações coletivas como instrumento de solução de conflitos coletivos, além de recusar aos empregados a possibilidade de participarem da formulação de normas que regulam as suas próprias vidas. Trata-se de postura que, de certa forma, compromete o direito de serem tratados como cidadãos livres e iguais.
  1. Além disso, o voluntário cumprimento dos acordos coletivos e, sobretudo, a atuação das partes com lealdade e transparência em sua interpretação e execução são fundamentais para a preservação de um ambiente de confiança essencial ao diálogo e à negociação. O reiterado descumprimento dos acordos provoca seu descrédito como instrumento de solução de conflitos coletivos e faz com que a perspectiva do descumprimento seja incluída na avaliação dos custos e dos benefícios de se optar por essa forma de solução de conflito, podendo conduzir à sua não utilização ou à sua oneração, em prejuízo dos próprios trabalhadores.

(...)

  1. Não socorre a causa dos trabalhadores a afirmação, constante do acórdão do TST que uniformizou o entendimento sobre a matéria, de que “o empregado merece proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganância”. Não se pode tratar como absolutamente incapaz e inimputável para a vida civil toda uma categoria profissional, em detrimento do explícito reconhecimento constitucional de sua autonomia coletiva (art. 7º, XXVI, CF). As normas paternalistas, que podem ter seu valor no âmbito do direito individual, são as mesmas que atrofiam a capacidade participativa do trabalhador no âmbito coletivo e que amesquinham a sua contribuição para a solução dos problemas que o afligem. É através do respeito aos acordos negociados coletivamente que os trabalhadores poderão compreender e aperfeiçoar a sua capacidade de mobilização e de conquista, inclusive de forma a defender a plena liberdade sindical. Para isso é preciso, antes de tudo, respeitar a sua voz” (grifos nossos)” (grifos nossos).

A diretriz traçada pelo Supremo Tribunal Federal, como ratio decidendi desse leading case, se deveu ao quadro jurisprudencial refratário à flexibilização de direitos trabalhistas apresentado pela Justiça do Trabalho em suas diferentes instâncias, calcada numa concepção superlativamente abrangente da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. De forma meramente exemplificativa e louvando-se apenas em precedentes do TST, órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, podem ser referidos os seguintes casos de anulação de cláusulas de acordos e convenções coletivas que, à luz da nova orientação da Suprema Corte, teriam plena validade: redução de horas in itinere (cfr. E-RR-690-82.2013.5.09.0459, DEJT de 15/05/15); alteração da base de cálculo das horas in itinere (cfr. E-RR - 132800-63.2008.5.15.0100, DEJT de 15/05/15); alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade (cfr. E-RR-13-37.2012.5.03.0012 , DEJT de  30/04/15); divisor de horas extras (cfr. E-ARR-1563-33.2012.5.09.0325, DEJT de  08/05/15); majoração de carga horária em face de transferência de setor por automação de serviços (cfr. E-RR-280800-51.2004.5.07.0008, DEJT de 20/06/14); desconsideração da hora noturna reduzida em jornada de 12x36 (cfr. E-ED-RR-631600-36.2007.5.09.0594, DEJT de 24/10/14); pagamento englobado de horas extras, diárias e comissões (E-ED-RR-200-35.2006.5.09.0094, DEJT de 21/03/14); integração do prêmio produtividade ao salário (E-RR-1110-97.2012.5.09.0661, DEJT de  15/05/15); retenção de parte da gorjeta pelo empregador (E-ED-RR-139400-03.2009.5.05.0017, Rel. Min. Márcio Eurico, DEJT de 21/11/14); quitação de passivo trabalhista em PDV (E-ED-RR-206100-27.2007.5.02.0465, DEJT de 19/12/14).

Os exemplos servem para ilustrar como, em matéria de negociação coletiva, à luz da jurisprudência do STF, o art. 7º, VI, XII, XIV e XXVI, da CF, quando admite a flexibilização da legislação trabalhista mediante negociação coletiva, sob tutela sindical, quando se tratar de salário e jornada de trabalho, não estão sendo devidamente observados pelas Cortes Trabalhistas.

Com efeito, em se tratando de normas de medicina e segurança do trabalho, processuais ou relativas a direito de terceiros (como FGTS), obviamente não há margem para a flexibilização. Mas tratando-se de salário e jornada, com vantagens compensatórias ofertadas pelas empresas para flexibilizar determinados direitos, não há como se falar em nulidade das cláusulas. E muito menos anulação apenas das cláusulas desvantajosas ao trabalhador, sem a anulação do próprio negócio jurídico materializado no acordo ou convenção coletiva, já que fruto de mútuas concessões, ou a anulação concomitante das vantagens compensatórias outorgadas pelo setor patronal.

Nesse sentido seguiu o voto do Min. Teori Zavascki, no supracitado precedente do STF:

“Considerando a natureza eminentemente sinalagmática do acordo coletivo, a anulação de uma cláusula tão sensível como essa demandaria certamente a ineficácia do acordo em sua integralidade, inclusive em relação às cláusulas que beneficiam o empregado. Aparentemente, o que se pretende é anular uma cláusula, que poderia ser contrária ao interesse do empregado, mas manter as demais. Não vejo como, num acordo que tem natureza sinalagmática, fazer isso sem rescindir o acordo como um todo” (págs. 39-40 do inteiro teor do acórdão).

A rigor, a dificuldade que a Justiça do Trabalho enfrenta ao analisar as ações anulatórias de cláusulas de convenções e acordos coletivos, olvidada uma visão ampliativa do conceito de indisponibilidade de direitos, é o fato de que, adotada exclusivamente a teoria do conglobamento, segundo a qual o instrumento normativo como um todo é o que manifesta a vontade de trabalhadores e empregadores, não se tem conseguido detectar quais vantagens compensatórias foram obtidas pelos trabalhadores em face da flexibilização de seus direitos, uma vez que não explicitadas nos acordos e convenções coletivas.

Nesse sentido, a justificativa básica do presente projeto de lei é a de parametrizar melhor os limites da autonomia negocial coletiva, à luz tanto da jurisprudência do STF quanto do TST, de modo a cumprir tanto o espírito quanto a letra da Constituição Federal e das Convenções da OIT sobre o prestígio à negociação coletiva.

E quais seriam esses parâmetros que norteariam a negociação coletiva, dando maior segurança a patrões e empregados ao negociarem novas e melhores condições de trabalho, inclusive em contextos de crise econômica? Basicamente os seguintes, expressos no texto do projeto de lei ora em apreço:

a) não é possível a supressão de direito trabalhista constitucional e legalmente assegurado;

b) não é possível a flexibilização de norma relativa a medicina e segurança do trabalho, norma relativa a direito de terceiros e norma processual;

c) é possível a redução, mas apenas temporária, de direito de natureza salarial ou ligado a jornada de trabalho;

d) tal redução econômica deve ser compensada com vantagem de natureza salarial ou sindical, expressa no instrumento coletivo;

e) eventual anulação da cláusula flexibilizadora deve ser acompanhada da anulação da vantagem compensatória conexa, como imperativo da justiça e do caráter sinalagmático do acordo.

Nesse mesmo sentido seguiu o governo ao editar, diante do contexto econômico de recessão por que passa atualmente o país, com aumento significativo da inflação e do desemprego e redução da produtividade, a Medida Provisória 680/15, instituindo o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), com a finalidade explícita, além da preservação de empregos (art. 1º, I) e da recuperação econômico-financeira das empresas (art. 1º, II), de fomento à negociação coletiva (art. 1º, V).

A MP 680/15 deixa claro que é possível flexibilizar salário e jornada em períodos de retração econômica global ou setorial, mediante negociação coletiva (CF, art 7º, VI, XIII, XIV e XXVI), a bem do próprio trabalhador.

O que a MP propôs foi que empresas e sindicatos, para preservar empregos, reduzissem jornadas e salários em até 30% (art. 3º), mediante acordos coletivos de trabalho (§ 1º), sendo que o governo colaboraria com os trabalhadores, destinando recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para compensar parte da perda salarial havida (art. 4º e § 1º).

Ou seja, a MP 680/15, excepcionada a menção à ajuda do FAT, constitui reprodução, em nível infraconstitucional, do que dispõe a Carta Magna quanto à flexibilização das normas legais que dispõem sobre jornada e salário, mediante tutela sindical.

O mesmo se propõe no presente projeto de lei, mas especificando melhor os parâmetros dessa flexibilização, de modo a dar maior segurança jurídica às empresas e maior proteção aos trabalhadores nessa negociação.

Tendo em vista os relevantes interesses de que se reveste esta proposição, esperamos contar com o apoio dos nobres Pares do Congresso Nacional.

Sala das Sessões, em     de abril  de 2016.

Deputado JULIO LOPES

 




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