Perigos da PEC 241
ENTENDA OS PERIGOS DA PEC 241 PARA A EDUCAÇÃO
Especialistas comentam como a proposta de novo ajuste fiscal impacta na melhoria da qualidade educacional e inviabiliza o cumprimento do Plano Nacional de Educação
“Como garantir, por exemplo, o cumprimento da meta 20 do PNE se o Estado brasileiro estará impedido de aplicar ‘dinheiro novo’ em políticas sociais, inclusive na educação? E a meta 17 do Plano decenal, como alcançá-la se o piso nacional do magistério terá seu valor real congelado por 20 anos?”. Essas são alguns dos questionamentos do Fórum Nacional de Educação (FNE) sobre aProposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/16, prioridade da equipe econômica do governo de Michel Temer.
A PEC 241/16 delimita um teto para os gastos públicos em áreas sociais (tal como saúde, educação, assistência social), pelos próximos 20 anos, de forma que não ultrapasse os gastos do ano anterior, corrigidos pela inflação (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, ou IPCA). Ao propor esse novo ajuste fiscal, é considerada uma peça-chave para a recuperação da crise econômica atual. O governo espera aprová-la até o fim do ano.
As dúvidas do FNE sobre a matéria foram explicitadas em nota publicada no último dia 20. O Fórum, órgão composto por 50 entidades representantes da sociedade civil e do poder público, alerta ainda que “o objetivo do Estado brasileiro passará a ser exclusivamente o pagamento de juros da dívida aos credores internacionais e nacionais, uma vez que as despesas financeiras ficarão imunes de qualquer teto orçamentário”.
Desde quando foi apresentada, em 15 de junho, a PEC 241/16 tem preocupado militantes, movimentos sociais, especialistas das áreas de educação, saúde e assistência social, e sociedade em geral sobre as ameaças que ela pode trazer à precarização dos serviços públicos nas áreas sociais. “A criação da PEC 241 é o estado mínimo, que vai na contramão do estado de direito que está na Constituição. Corremos o risco de ter um grande retrocesso”, alerta Luiz Araújo, professor da Faculdade de Educação da UnB.
“Não dá para avançar em padrões de qualidade na educação com os mesmos investimentos que temos hoje” (Alessio Costa Lima, presidente da Undime)
Vinculações constitucionais e impacto no PNE
As preocupações não são à toa: uma análise dos efeitos da PEC 241/16 sobre a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), realizada pelo consultor Marcos Mendlovitz para a Câmara dos Deputados em junho, concluiu que haveria uma perda de R$ 58 bilhões em recursos nessa área até 2025. Na projeção, as despesas com MDE (rubrica que engloba o pagamento de salários dos profissionais da educação, a aquisição de material didático e transporte escolar, entre outros) cairia anualmente abaixo dos 18% da receita líquida de impostos – percentual mínimo de gastos do governo federal com a receita líquida de impostos, determinado pela Constituição.
“Desde 1934 nós temos vinculação constitucional para educação e saúde no Brasil. Perdemos essa vinculação duas vezes: no golpe do Estado Novo e durante o Regime Militar, ambos Estado de exceção. Essa será a primeira vez que nós vamos perder a vinculação constitucional no período democrático”, explica Luiz.
“Ter ameaçado essa questão do fim da vinculação do recurso pra nós é fatal. Nós sabemos o que isso implicará, sobretudo para aqueles dirigentes municipais que não têm um compromisso tão grande com a área de educação: ela deixará de ser prioridade”, diz Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e dirigente municipal de educação de Tabuleiro do Norte (CE).
Além da desvinculação das receitas da União, as entidades e os especialistas preveem a inviabilidade de cumprir o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005), uma vez aprovada a PEC. Para cumprir as metas do PNE e avançar na qualidade da educação brasileira, é preciso criar ainda cerca de 600 mil matrículas na pré-escola, 500 mil no Ensino Fundamental e 1,7 milhões no Ensino Médio. Isso sem falar no ensino superior, na valorização dos professores e das professoras e da implementação do Custo Aluno Qualidade (CAQ).
“Eu acho que a aprovação da PEC 241 revoga a Lei 13.005. Essa lei pressupõe que você tenha uma expansão da rede, e essa expansão significa aumento de gasto – e, em algumas áreas, aumento de gastos consideráveis, que é o caso do ensino superior e do ensino profissionalizante”, diz Luiz.
A questão das creches é um exemplo claro de como a PEC afeta na ponta, ou seja, nos municípios. A meta 1 do PNE estabelece a ampliação da oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos, até 2024. Isso significa, hoje, um aumento de 3,2 milhões de novas matrículas na creche.
“Quem oferece diretamente as creches são os municípios, mas eles não têm mais condições de ampliar, porque já estão usando seus recursos. Ou seja, eles precisariam de mais repasses do Estado e principalmente da União, que é quem mais arrecada. De cada R$ 100 que um brasileiro paga, a União fica com cerca de R$ 56; estados ficam com R$ 25 e o que sobra fica com o município”, explica o prof. José Marcelino Rezende Pinto, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Eleições municipais
Preocupados com os impactos dessa medida, a Undime, junto com o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), divulgou uma nota, em 17 de agosto, explicitando suas preocupações e pedindo mais diálogo e debate sobre a matéria. “Nós, como representantes dos secretários municipais das três áreas, achamos por bem nos reunir para debater, buscar, conhecer e passar essas informações para os gestores municipais – porque, afinal de contas, a cobrança surge primeiro no município”, explica Alessio.
Mesmo as propostas dos atuais candidatos às prefeituras de todo o país estão em risco – e por isso mesmo a população precisa ficar mais atenta ainda para o que eles dizem que vão fazer, e como se posicionam em relação à essa Proposta. “A PEC 241 inviabiliza todo o plano de governo de prefeitos que lançarem iniciativas novas, porque eles não terão como cumprir ações que forem além do orçamento de 2016. O que ele prometer de novo, além do que já existe, será uma inverdade, porque não haverá recurso”, diz Alessio.
Os defensores do texto explicam que a PEC limita os gastos das despesas primárias, mas não impede que os gastos aumentem em determinado setor. A contrapartida, porém, é a compensação por meio de cortes em outras áreas. “Seria errado dizer que a PEC proíbe o aumento de gasto. Só que como ela comprime todos os gastos públicos, significa que a única possibilidade de você aumentar na Educação – por exemplo, construir uma creche ou escola nova – é economizando em algum canto”, diz Luiz Araújo.
Ele alerta, porém, para a precarização desses serviços, à medida que em todas as áreas os recursos são necessários e também estão escassos. “Matematicamente, existe várias formas de fazer esse remanejamento de recursos. É necessário contratar mais professores, então? Você pode congelar os salários, pra aumentar a folha de pagamento pelo número de pessoas, por exemplo. Só que isso não é viável, na prática, porque você vai desorganizar os serviços. Seria uma crueldade”, explica.
Para o presidente da Undime, essa matemática não funciona principalmente porque ainda precisamos melhorar muito na Educação brasileira: “não dá para avançar em padrões de qualidade na educação com os mesmos investimentos que temos hoje”.
“A PEC 241 tem que ser combatida com todas as forças porque ela inviabiliza a melhoria da qualidade da educação, o cumprimento do PNE e as demais políticas sociais” (José Marcelino Rezende Pinto, presidente da Fineduca)
Mobilização social
A PEC 241 está atualmente em tramitação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e a expectativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é que a emenda seja votada no dia 17 de outubro, para que possa ser apreciada pelo Senado ainda em novembro.
Além do FNE e da Undime, outras organizações civis da área de educação também se manifestaram contra a PEC 241. É o caso da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, que, durante a 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 18 de setembro, entregou um dossiê à Education Commission alertando sobre as ameaças à garantia do direito humano à educação no Brasil das medidas tomadas pelo governo Temer. “Quando as pessoas liam ficavam estarrecidas. Ninguém acreditava principalmente por se tratar de dados oficiais. O Brasil perdeu sua liderança internacional e vai perder o que lhe dava brilho no mundo: as suas políticas sociais, construídas na interação entre sociedade civil e governos”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha.
A Campanha também produziu um vídeo explicativo sobre as ameaças dessa Proposta (acima) e criou uma página especial em seu portal dedicada ao acompanhamento de notícias sobre a matéria.
A iniciativa De Olho nos Planos, em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, realizou a campanha nas redes sociais #NãoàPEC241, durante o XXVI Encontro Nacional da Uncme. A campanha contou com a participação de alguns dos mais de 700 participantes do evento, que ocorreu de 31 de agosto a 2 de setembro, em Palmas (TO). Para ver todas as fotos, clique aqui.
Para os especialistas consultados, essa mobilização e pressão feita em todas as frentes, seja na incidência política ou na mídia e redes sociais, são necessárias e essenciais para mostrar o posicionamento da sociedade frente a essa PEC e garantir que o direito de todos e todas a uma educação pública de qualidade não seja violado. “Se não houver mobilização social, a probabilidade de a PEC 241/2016 ser aprovada é muito grande. Porque medidas bastante contrárias aos interesses da população têm sido aprovadas com frequência no Parlamento”, alerta Luiz Araújo.
“A PEC 241 tem que ser combatida com todas as forças porque ela inviabiliza a melhoria da qualidade da educação, o cumprimento do PNE e as demais políticas sociais. É preciso usar todos os espaços de esclarecimento, em uma disputa mesmo da opinião pública, da sociedade civil, dos espaços públicos, da rua”, diz José Marcelino.
Para o professor da UnB, vale mais ainda a marcação corpo a corpo, no Congresso. “O que impacta um parlamentar? Não são cartas, não são memorandos, manifestos das entidades. É a possibilidade de ele ter um ônus no seu eleitorado. Então eu acredito em marcar, fazer pressão em cada parlamentar para demostrar, lá na base deles, que terão prejuízo nas próximas eleições se votarem a favor da matéria”, defende Luiz. “Eu vejo que os secretários municipais e os secretários estaduais de educação e saúde estão se mobilizando. E tem muito mais gente prejudicada, como as universidades. Se todos os prejudicados se mobilizarem e fizerem ações conjuntas, temos um grupo considerável para enfrentar essa PEC”.
“A criação da PEC 241 é o estado mínimo, que vai na contramão do estado de direito que está na Constituição. Corremos o risco de ter um grande retrocesso” (Luiz Araújo, professor da Faculdade de Educação da UnB)
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Reportagem: Stephanie Kim Abe
Edição: Claudia Bandeira
Foto 1: Frases usadas na campanha #NãoàPEC241 (Crédito: De Olho nos Planos)
Foto 2: Luiz Araújo (Crédito: Ação Educativa)
Foto 3: Prof. José Marcelino Rezende Pinto (Crédito: Ação Educativa)
Foto 4: Alessio Costa Lima (Crédito: Divulgação/Undime)
Foto 5: Participantes da campanha #NãoàPEC241, durante o XXVI Encontro Nacional da Uncme (Crédito: De Olho nos Planos)
Cartilha em vídeo sobre a PEC 241