Percursos dos Cotistas
*Gregório Durlo Grisa
Antes das cotas, premissas negativas vicejavam nos discursos dos contrários a política. A qualidade da universidade iria cair, os cotistas iriam abandonar mais seus cursos, entre outras. Dados da UFRGS mostram que os cotistas evadem o mesmo e até menos que alunos do universal. As cotas iniciaram em 2008 e a UFRGS vem ocupando o posto de melhor universidade federal ano após ano, a qualidade aumentou. Percebeu-se que os cotistas estão sujeitos a problemas que já eram históricos em seus cursos, apenas não haviam sido estudados antes. A avaliação de desempenho dos estudantes virou uma prática após as cotas.
Porém, nem tudo são flores. Há um nível de retenção entre os cotistas que preocupa em algumas áreas. Essa retenção está relacionada ao capital econômico e educacional dos alunos que tem diminuído com o passar dos anos (para os cotistas raciais, por exemplo, a tendência de serem mais pobres é clara se comparado aos cotistas raciais antes da Lei de Cotas).
Em pesquisa de Pós-Doutorado apoiada pelo CNPq, no PPG em Sociologia, visei compreender as razões para os diferentes percursos acadêmicos dos alunos cotistas. O questionário da pesquisa foi respondido por um total de 320 ingressantes pelas cotas, oriundos de cursos de todas áreas. Evadidos, retidos e diplomados responderam o instrumento.
Entre os evadidos a maioria abandonou a universidade nos três primeiros semestres do curso.
A falta de tempo para estudos e a decepção com o curso foram as razões mais assinaladas. Parcela significativa indicou que a mudança dos horários das disciplinas poderia ter evitado o abandono. Entre os retidos, 57% assinalaram a falta de tempo para atividades acadêmicas como motivo da retenção, mesma proporção dos que apontaram a mudança de horários de disciplinas como medida que poderia ter evitado a retenção. Imensa maioria dos evadidos e dos retidos trabalha, muitos indicam que se os valores das bolsas de estudos fossem maiores, seu rendimento acadêmico poderia ser melhor.
O grupo dos diplomados assinalou, em maioria, o apoio familiar como principal variável para ter concluído o curso. Esse apoio se refere tanto a aspectos materiais quando subjetivos/psicológicos. Apontaram o acompanhamento acadêmico e a assistência estudantil como políticas a serem aperfeiçoadas na UFRGS. Muitos usufruíram de bolsas de estudos durante a graduação, atividade que se difere socialmente daquelas assalariadas referidas pelos dois primeiros grupos.
Nas respostas à questão dissertativa, a crítica ao comportamento didático-pedagógico dos docentes é uma tônica. A dificuldade em se fazer entender e em criar ambientes de aprendizagem são problemas relatados. A formação continuada dos professores no que tange aos aspectos didáticos, em especial, do professor-bacharel, é um tema que também ajuda a explicar os fenômenos da evasão e da retenção segundo os estudantes.
As evidências indicam que uma política acadêmica com vistas à garantia do sucesso acadêmico de estudantes cotistas deve levar em conta a flexibilização da oferta curricular. Ela envolveria outras temporalidades em termos de seriação aconselhada e carga horária semestral, quantidade de disciplinas obrigatórias e variedade nos horários da oferta de turmas. Meu trabalho mostra que o fenômeno da retenção entre os cotistas não pode ser relacionado unicamente a reprovações em disciplinas.
A retenção também se deve ao baixo número de matrículas em atividades acadêmicas efetuadas por esse grupo, quando se compara com a média geral. Isso significa que ao fazer menos créditos, alguns alunos demoram mais tempo para se diplomar e não acompanham a maioria da turma com a qual ingressou. Há espaço para uma política estratégica da instituição nessa orientação de matrícula aos estudantes.
Outro fator relevante é a política de bolsas, considerando tanto o número de vagas oferecidas, a remuneração praticada e as atividades desenvolvidas.
Como mostram os dados dos diplomados, endereçar as bolsas aos cotistas com baixa “relação” com a academia seria um motor de democratização das oportunidades, bem como de aquisição do habitus universitário por esses estudantes.
Elenco no relatório da pesquisa dez medidas, algumas já mencionadas, para combater a evasão e a retenção na UFRGS, quatro delas envolvem remanejo e aportes de recursos financeiros e seis não. Por exemplo, reformulações curriculares. Caberia um levantamento acerca das reprovações e desistências nos dois primeiros anos de curso e a avaliação do quão o currículo influencia para que isso ocorra, por curso.
Outra medida seria incentivar a criação de redes de apoio por parte dos alunos por curso. Desenvolver uma política que ressignifique as noções de “trote acadêmico” e incentive a criação institucional de redes de colaboração entre os estudantes. O apoio dos colegas, o acolhimento e o auxílio mútuo são variáveis que contam para a permanência nos cursos. A criação de um programa de tutorias para acompanhar estudantes retidos também seria importante.
A conclusão dos cursos por parte dos cotistas, em especial os negros de baixa renda, não pode ser concebida como de responsabilidade exclusiva do estudante. Os dados mostram que se algumas mudanças de gestão e organização acadêmica não forem realizadas, estaremos ampliando o acesso dessa população ao ensino superior sem a garantia de que sua maioria irá chegar a diplomação.
As estratégias atuais são insuficientes para dirimir a evasão e a retenção. Diante de um contexto de crise fiscal do Estado e consequente crise orçamentária das universidades, não parece viável, no curto prazo, que as políticas de assistência estudantil foquem apenas em aspectos econômicos. As rupturas políticas que ensejariam um aumento significativo de investimento na educação não estão no horizonte imediato, porém, a vida e a trajetória acadêmica desses estudantes estão acontecendo no agora, isso faz com que a criatividade e a inovação de gestão sejam as saídas para a elaboração de políticas de acompanhamento a assessoramento estudantil.
*Doutor em Educação pela UFRGS,
professor do IFRS - Bento Gonçalves
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