Pedagogia das ocupações
A PEDAGOGIA DAS OCUPAÇÕES
por Mônica Padilha em 04/11/2016
O movimento estudantil nos trouxe um conhecimento muito maior sobre cidadania do que todo o tempo que estivemos enfileirados estudando em aulas padrão. Em uma semana de ocupação, aprendemos mais sobre política e cidadania do que muitos anos que passamos em sala de aula. (Ana Júlia, estudante ocupada no Paraná)
As ocupações nas escolas, institutos federais e universidades não estão dando apenas uma resposta política aos ataques a educação pública no Brasil. Esses movimentos também apresentam, na sua prática pedagógica, parâmetros para uma reforma educacional que verdadeiramente contemple os estudantes em seus anseios por uma educação emancipadora.
A vida na ocupação é diametralmente oposta à vida escolar. No lugar de poucos decidindo o que todos farão, sendo os professores os únicos detentores da organização do espaço, os muitos, os estudantes, é que se apropriam de toda a dinâmica do processo político-educativo diário.
O currículo nas ocupações é vivo. Ele se constrói e é aprendido a partir da necessidade, que é o que determina um aprendizado duradouro. Esses estudantes agora sabem como funciona um processo legislativo para aprovação de leis, seja de um Projeto de Lei (como a malfadada Escola sem Partido), Proposta de Emenda à Constituição (como a tenebrosa PEC 241 no congresso ou PEC 55 no senado) ou ainda que uma medida provisória (como a de reforma do ensino médio) é um ato legal do executivo, mas que é possível sua aprovação ou revogação no Congresso. Para se fundamentar, precisam conhecer melhor a história da legislação brasileira e como é organizado o orçamento federalizado no Brasil.
A relação com o espaço físico passa a ser outro. Pois são os próprios estudantes responsáveis caso algo se quebre ou se deteriore na escola. A limpeza, a organização das salas e o uso de materiais são feitos de forma racional e sem desperdício. Também é preciso calcular a quantidade de comida para o número de ocupantes e planejar financeiramente os custos de uma ocupação. Além disso, é preciso se comunicar com a imprensa e a população nas redes sociais e canais variados. Eles escrevem notas, elaboram atas e confeccionam cartazes a fim de expressar suas ideias. Ainda se integram em redes, comunicando-se com outras escolas ocupadas e conhecem outras realidades que ajudam a compreender a deles mesmos.
Vocês viram que não falei em Matemática, Português, Geografia ou História. Nas ocupações não existe a divisão de pessoas por idades-série; há erros, mas não há reprovação; há desafios, mas não há provas.
Para manter uma ocupação os estudantes precisam se dividir em grupos de trabalho, ou comissões. Nesse momento cada um trabalha de acordo com sua individualidade: tem aqueles que preferem atuar nas articulações políticas, outros na logística de alimentação e limpeza, ainda aqueles que contribuem melhor na programação cultural, segurança do local e comunicação.
Concomitante com a valorização da subjetividade é realizada a gestão do espaço coletivo com as decisões tomadas nas assembleias. Lá os estudantes aprendem a ouvir o outro, a formar sua opinião baseado em argumentos e, ao fim, expõem sua opinião de forma organizada, fazendo o maior esforço para que se façam entendidos em um curto espaço de tempo. Quem é professor sabe o quanto essa gestão das falas é desgastante na sala de aula. O professor não consegue ser ouvido, ao mesmo tempo em que deseja uma participação e escuta do colega pelo outro. Os ocupados também brigam e divergem, mas agora eles se identificam enquanto grupo, o diálogo passa ser o instrumento usado para mediar esses conflitos.
As ocupações apresentam linhas pedagógicas interessantes para uma reforma educacional que precisamos. Baseado na autonomia, currículo vivo, valorizando a individualidade ao mesmo tempo em que proporciona a gestão coletiva do espaço.
Mônica Padilha
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