Pagamento de precatórios
Audiência debate pagamento de precatórios
Criação de uma câmara de conciliação dos passivos, vinculada à Procuradoria-Geral do Estado, causa controvérsia
Fernanda Nascimento
A ampliação do percentual de pagamento dos precatórios pelo Executivo estadual e a proposta de criação de uma Câmara de Conciliação de Precatórios, pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), foram temas debatidos ontem em uma audiência pública promovida pela Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle da Assembleia Legislativa. Representantes do Executivo, deputados e precatoristas discutiram, ao longo de mais de três horas, alternativas para a aceleração no pagamento da dívida do Estado com seus credores.
Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou um prazo para o pagamento de precatórios dos estados e municípios: cinco anos a partir de janeiro de 2016. Com uma dívida estimada em R$ 8 bilhões em precatórios e uma média de pagamento de R$ 500 milhões nos últimos dois anos, o Estado precisará ampliar o ritmo de quitação dos débitos. Atualmente, os valores previstos por lei devem ser de, no mínimo, 1,5% da Receita Corrente Líquida.
O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul estima que, para atingir o pagamento no prazo estabelecido, este montante deverá ser de 5%. Para o Executivo, uma das alternativas de pagamento é a criação de uma Câmara de Conciliação de Precatórios, na qual a PGE fará a interlocução junto aos precatoristas, estabelecendo um desconto para pagamento da dívida de até 40%.
A proposta não é consenso e, apesar de já ter encaminhado projeto de lei para a Assembleia Legislativa, a própria procuradoria reconhece que alguns pontos, como a relação com os advogados neste processo, deverão ser mais aprofundados. A procuradora Karla Schirmer afirma que a relação será de "transparência". "A PGE vai elaborar a proposta de acordo com os parâmetros previstos pela legislação e não irá impor nada. O credor poderá escolher se quer ou não quer aderir ao contrato", disse.
O integrante da Comissão de Precatórios da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) é contrário à intermediação pelo próprio Executivo. "Não vejo por que o devedor possa dar o ritmo do contrato e da negociação. O Tribunal de Justiça poderia continuar fazendo esta conciliação", afirmou. O representante da OAB disse ainda que a entidade poderá ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), em decorrência de a proposta conter um "interesse exclusivo do devedor".
Entre os precatoristas, alguns concordam com a possibilidade de pagamento. Ainda que com valor menor do devido, a negociação poderia encerrar uma espera de anos. Outros consideram a medida um "novo calote" e, enquanto a audiência pública acontecia, integrantes do Movimento das Tricoteiras dos Precatórios faziam mantas, simbolizando o compasso de espera pelo pagamento da dívida. Marlu Carvalho Simões, do grupo Sempre Ativas, de servidores aposentados do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers), classificou a negociação como "cruel para quem espera há 20 anos".
Katia Terraciano, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado, disse que o "cumprimento parcial de uma sentença é um desrespeito". Houve quem ironizasse a situação, como a precatorista Dalila Souza: "não tenho herdeiros, para o Estado é ótimo que eu morra e não receba".
A possibilidade de ampliação de recursos para o pagamento dos precatórios também foi debatida. Sobraram críticas para a dificuldade do Estado em cobrar recursos não pagos, especialmente do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviços (ICMS) de empresas. Felipe Neri, também integrante da OAB gaúcha, defendeu a busca "por dinheiro novo, por financiamentos junto a organismos internacionais para o quitamento total da dívida". O deputado Frederico Antunes (PP), proponente da audiência pública e principal referência do tema no Parlamento estadual, somou-se à defesa de novos recursos.
"Precisamos fazer com que a busca da dívida ativa preveja uma parcela para os precatórios, assim como o resgate aos depósitos financeiros", disse. O deputado também defendeu uma penalização para governantes que descumprem a legislação ao não honrar com o pagamento de dívidas, gerando um passivo de precatórios.
"Precisamos cobrar dos mecanismos de controle e fiscalização, pois os governantes, muitas vezes, fazem leis e acabam por não cumpri-las", afirmou, em uma alusão ao pagamento do Piso Nacional do Magistério. O subsídio foi criado pelo ex-governador Tarso Genro (PT), durante sua gestão como ministro da Educação, e não foi pago em seu governo no Palácio Piratini. A questão está na Justiça, e a estimativa é de que, se o Estado for condenado, o montante de precatórios ? entre 2011 e 2015 ? giraria em torno de R$ 14 bilhões.
Além dos debates, a audiência pública realizou o encaminhamento de solicitação para que a bancada gaúcha rejeite qualquer Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretenda rever a decisão do STF, de pagamento dos precatórios até 2020. O tema da Câmara de Conciliação deverá ser novamente debatido nos próximos dias.
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=200921