Ódio aos Professores
O Ódio aos Professores se Profissionaliza
Prof. Dr. Fernando de Araujo Penna
Esta foi uma publicação feita na página de Facebook “Professores contra o escola sem partido” no dia 02 de abril de 2016. Por desrespeitar as regras de convivência da página, foi devidamente apagada, mas não sem antes ser registrada. Basta lê-la para constatar o ódio direcionado aos mais de cinquenta mil professores que usam esta página para discutir o projeto de lei 867/2015, que se propõe a incluir o “programa escola sem partido” na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e outros similares. Todas as publicações da página são respeitosas (sem recorrer ao estímulo ao ódio ou ataques pessoais), de cunho argumentativo (problematizando as ações e os discursos dos grupos que defendem estes projetos) e mobilizadoras (organizando o combate democrático aos projetos em questão). Então o que faz uma pessoa entrar nesta página e revelar todo o seu ódio e preconceito contra os professores?
Em um texto anterior, intitulado “O Ódio aos Professores” e publicado no dia 18/09/2015, eu tentei compreender as razões deste ódio que já se manifestavam em comentários na época da criação da nossa página. Analisei textos e imagens compartilhadas nas páginas e grupos dedicados à defesa das ideias do “movimento escola sem partido” e encontrei representações – dos professores, de escolas/universidades e de pensadores caros ao campo educacional – que me fizeram compreender o ódio crescente aos professores dentre estes grupos. Os professores eram representados como monstros que corrompiam a inocência das crianças, as escolas como o espaço no qual as suas qualidades eram destruídas e os pensadores do campo educacional, como Paulo Freire, como aqueles que arquitetaram o plano maligno de doutrinação das crianças e dos jovens. Não surpreende, portanto, que pessoas que desconhecem o que se passa nas escolas ficassem com ódio dos professores. Da publicação deste texto para cá, alguns processos tornaram-se mais claros e a campanha de ódio se intensificou.
O que percebo hoje, que não percebia antes, é o uso político do medo. A tentativa, requentada da época da Guerra Fria e da Ditadura Militar, é recriar uma figura do “perigo comunista”, que agora assume a forma dos “petistas” e, mais atualmente, dos “petralhas”. Os professores, nas imagens compartilhadas pelos defensores de uma “escola sem partido”, aparecem, quase sempre, usando uma “estrela do PT” como adereço. Todos os movimentos progressistas ou de esquerda são enquadrados dentro deste espantalho e qualquer um que use uma camisa vermelha merece ser perseguido. Os defensores de uma “escola sem partido” enquadraram os professores nesta categoria a ser perseguida, mas ainda elevaram o tom, pois estes “ratos escravos do stalinismo” “querem doutrinar as crianças” (como afirmou o autor do comentário que abre este texto).
Foi manipulando este medo que o movimento “escola sem partido”, criado em 2004, ganhou força nos últimos anos, especialmente quando se aproveitou do combate covarde à discussão da temática gênero nas escolas. A figura do “comunista comedor de criancinhas” parece ter voltado à vida com uma nova roupagem: a do professor que doutrina as crianças inocentes. Eis uma imagem compartilhada pelo próprio movimento escola sem partido na sua página de facebook:
Como nas imagens já analisadas no texto “Ódio aos professores”, os alunos aparecem como crianças pequeninas e indefesas, sem poder algum de reação frente à ação do professor. Este último é representado usando uma camisa vermelha com uma estrela branca (uma referência ao PT) e carregando uma bolsa roxa, na qual está escrito “cartilhas”. Dentro da bolsa existem cartilhas com as cores do arco-íris, numa clara referência aos movimentos LGBT, e o professor, com uma das suas mãos, envia uma das cartilhas “GOELA ABAIXO” (título da “charge”) de um aluno. A pequena criança chora sem reação, enquanto seus olhos são preenchidos pelas cores do arco-íris.
A resposta das pessoas que acompanham as publicações da página do movimento “escola sem partido” no facebook são de revolta, por acreditarem que seus filhos serão “corrompidos” por “professores doutrinadores”. A imagem abaixo foi postada como um comentário na página do movimento e demonstra a escalada desta situação em níveis preocupantes:
Um homem com expressão ameaçadora mira uma arma de cano duplo na direção daquele que olha a imagem e a legenda diz: “ensine ideologia de gênero para a minha filha que você não vai para a cadeia EU VOU PARA A CADEIA”. A mensagem não é nada sutil e constitui uma ameaça de morte para todos professores. O pai da imagem irá para a cadeia porque ele matará o professor. O movimento escola sem partido manipula este medo e, como consequência, alimenta este ódio aos professores.
A proposta é realmente intimidar os professores. O MEC fez circular um cartaz com os seguintes dizeres: “Professor@, ninguém pode lhe impedir de discutir gênero/sexualidade na escola. Se for intimidad@, denuncie: Central de Atendimento Ministério da Educação 0800-616161/ secadi@mec.gov.br”. Miguel Nagib, o criador do movimento escola sem partido, divulgou o comunicado do MEC de seguinte maneira no seu perfil público de facebook:
O cartaz foi acompanhado do seguinte comentário: “Acusaram o golpe e resolveram blefar. Não consegui verificar a autenticidade desse cartaz. Em todo caso, afirmo: professor que pagar para ver vai quebrar a cara”. Esta é uma tentativa clara de intimidar os professores. Esta tentativa é ampliada pelo mesmo Miguel Nagib em um texto de sua autoria, “A ideologia de gênero no banco dos réus”, publicado na Gazeta do Povo:
Ao cair nessa conversa e tratar seus alunos como cobaias da teoria de gênero, esses professores estão correndo um altíssimo risco. Refiro-me à possibilidade de os pais dos seus alunos entenderem que essa prática pedagógica implica algum tipo de dano aos seus filhos ou ao seu direito de dar a eles a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções – direito previsto no artigo 12, IV, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Se isso acontecer, os professores poderão vir a ser processados por danos morais pelos pais dos seus alunos. Ser réu numa única ação judicial já é motivo de dor de cabeça. Imagine figurar como réu em dezenas de processos ajuizados por dezenas de pais de alunos! […] O professor é pessoalmente responsável pelos danos que causar no exercício das suas funções. Por isso, é melhor ficar esperto e pensar duas vezes antes de seguir as recomendações do MEC. Na dúvida, vale consultar um advogado.
Miguel Nagib tenta intimidar os professores com a ameaça de dezenas de processos e desautoriza as recomendações do próprio MEC. “É melhor ficar esperto e pensar duas vezes antes de seguir as recomendações do MEC”. Outra tentativa clara de intimidar os professores.
Um último exemplo da tentativa recorrente da organização “escola sem partido” e seu criador, Miguel Nagib, de intimidar os professores:
“Volta às aulas com Escola Sem Partido – Ajude o professor do seu filho a conhecer e respeitar os limites da liberdade de ensinar”. A editoração gráfica e a mensagem de “volta às aulas” fazem parecer apenas uma mensagem inocente desejando um bom retorno às atividades do segundo semestre. Ela é diretamente direcionada aos seus pais, mas tem como real destinatário os próprios professores: os pais devem “ajudá-los a conhecer e respeitar os limites da liberdade de ensinar”. Ainda assim, poderia ser uma campanha de conscientização, estimulando um diálogo aberto na comunidade escolar, no qual professores, alunos, funcionários, famílias e sociedade civil construiriam juntos uma escola plural. No entanto, ao clicar na imagem, somos levados a um modelo de notificação extrajudicial a professores. Segundo a organização “escola sem partido”, os pais deveriam notificar extrajudicialmente os professores. Esta organização e seus defensores vem tentando intimidar os professores, de maneira que estes não exerçam o seu ofício de acordo com seus saberes e sua formação profissional, mas abandonando temas centrais à formação dos alunos por medo de ser alvo de acusações injustas proferidas por pessoas que não tem entendem a complexidade do processo educacional. O saber profissional dos professores não é reconhecido e eles são ainda mais desvalorizados.
Porém, é em situações como a evidenciada pela imagem a seguir que observamos a dimensão que essa cultura de ódio está atingindo:
Esse comentário foi publicado numa postagem da página de um movimento de ocupação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele foi excluído pelo seu autor, mas o “print” tirado antes disso preservou o texto original. Nele, estudantes são incentivados a produzir “evidências” a respeito da atuação de “professores doutrinadores” em troca de compensação financeira, podendo variar de 50 a 150 reais. Tal comentário é uma pista do caminho perigoso que o ódio aos professores pode estar prestes a tomar: uma iniciativa de sistematizar a perseguição a professores. Aqui podemos perceber uma manifestação completamente diferente das formas de opressão aos professores. A lógica de uma “economia da perseguição” demonstra o processo de banalização pelo qual o valor político da atuação de profissionais da educação está passando. Professores não são mais só bodes expiatórios para os medos e receios de certos grupos, mas sua cidadania e liberdades fundamentais passam a ser privatizadas.