O verdadeiro golpe
O verdadeiro golpe em andamento
É óbvio que o golpe institucional se caracterizou pelo afastamento da presidenta eleita (mesmo que governando com o programa do adversário) e a colocação do seu vice no lugar. Mas tenho alertado para os reais motivos do golpe neste espaço. A primeira motivação é viabilizar medidas para resolver a crise na lógica da elite (sem mediações indesejáveis). A segunda, da qual vivemos mais um capítulo no dia de hoje, diz respeito ao desmonte da reserva de recursos para as políticas sociais, especialmente saúde e educação.
Como já escrevi antes, tal medida se materializa na Proposta de Emenda Constitucional n] 241 de 2016, denominada Novo Regime Fiscal, a qual estabelece teto de gastos públicos tendo por base a correção inflacionária de um ano por outro, revogando na prática os dispositivos constitucionais de vinculação de recursos de impostos para saúde e educação.
Pois bem, mesmo antes da PEC tramitar, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Senador Wellington Fagundes (PR/MT), apresentou substitutivo e o mesmo consta da pauta de votação de amanhã (13 de julho de 2016). Enquanto todas as atenções estarão concentradas na eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, a Comissão Mista de Orçamento pode aprovar a revogação da vinculação de recursos federais para saúde e educação.
O relator apresentou a seguinte redação ao artigo 3º da LDO:
Art. 3º A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2017 terão como limite para a despesa primária total dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social a previsão dos pagamentos desse tipo de despesa a serem efetuados em 2016, corrigida pela estimativa proposta pelo Poder Executivo da variação, para o período de janeiro a dezembro deste mesmo ano, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
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1º A previsão de pagamento a que se refere o caput, incluídos os restos a pagar, será apurada de acordo com o relatório a que se refere o § 4º do art. 55 da Lei nº 13.242, de 30 de dezembro de 2015.
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2º A execução da lei orçamentária de 2017 terá como limite a despesa primária efetivamente paga em 2016, nela incluídos os restos a pagar pagos, corrigida pela variação acumulada, de janeiro a dezembro de 2016, do IPCA publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, assegurado montante mínimo de pagamento das despesas classificadas com o código de grupo de natureza da despesa 4 (GND 4) em montante igual ao efetivamente pago em 2016, incluídos os restos a pagar, corrigido pela variação do IPCA acumulada de janeiro a dezembro de 2016.
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3º No cálculo do limite a que se refere o caput, assim como para fins de verificação do seu cumprimento, não se incluem:
I - transferências constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º, art. 157 a art. 159 e art. 212, § 6º, e as despesas referentes ao art. 21, caput, inciso XIV, todos da Constituição, e as complementações de que trata o art. 60, caput, inciso V, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT;
II – despesas extraordinárias pagas pelo Poder Executivo na forma do § 3º do art. 167 da Constituição;
III - despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral;
IV - outras transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita vinculadas; e
V - despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
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4º Caso seja verificado, no relatório de que trata o § 4º do art. 54 desta Lei, que o déficit primário do exercício de 2017 será inferior à meta dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União referida no art. 2º, a diferença será acrescida ao montante mínimo de pagamento de despesas classificadas com o código GND 4, a que se refere o § 2º deste artigo.
Traduzindo:
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As despesas que poderão ser consignadas no Orçamento 2017 somente poderão alcançar o patamar do valor efetivado em 2016, corrigido pela inflação medida pelo IPCA.
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As vinculações constitucionais não foram ressalvadas como exceção para o cálculo das despesas possíveis de serem autorizadas, ou seja, os recursos destas duas áreas, no máximo, serão os deste ano corrigidos pela inflação.
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Mesmo que a arrecadação de impostos aponte para um percentual de gastos obrigatórios maior (conforme os artigos 198 e 212), os mesmos não poderão ser inscritos no Orçamento de 2017.
Esta redação é inconstitucional. Não se pode flexibilizar a vinculação constitucional por meio da Lei de diretrizes Orçamentárias. E é uma clara tentativa de aplicar uma medida restritiva do governo, importante para viabilizar o superávit primário e mostrar eficiência para os verdadeiros patrocinadores do golpe, de forma a criar um fato consumado e um ambiente favorável para a aprovação da PEC 241 de 2016.
Talvez não seja coincidência que a CMO resolva discutir este absurdo no mesmo dia em que se tenta viabilizar a eleição de um presidente afinado com a necessidade do governo ter tranquilidade para aprovar seus pacotes de maldades. O que está em jogo não é apenas retirar a influência de Cunha no comando da Câmara, mas ter um clima legitimado para aprovar mais rapidamente a retirada dos direitos, especialmente em um ano que teremos ainda a votação do impeachment no Senado, Olimpíadas e depois eleições municipais, tudo dificultando a devida concentração dos parlamentares no que é essencial para as elites: desmontar os direitos inscritos na Constituição de 1988, viabilizando assim as condições para ter recursos para pagar credores da dívida e aumentando a taxa de lucro do empresariado às custas da precarização das condições de vida dos mais pobres.
Espero que os parlamentares progressistas e as entidades do movimento social coloquem a boca no trombone e impeçam este ataque subterrâneo ao texto constitucional.
http://rluizaraujo.blogspot.com.br/2016/07/o-verdadeiro-golpe-em-andamento.html