O Substituto

O Substituto

“O SUBSTITUTO”, um filme para repensar a vida.

Título original: Detachment (2011).

País: EUA.

Diretor: Tony Kaye.

Roteiro: Carl Lund.

Vencedor do prêmio do público na Mostra Internacional de São Paulo

O título original expõe de forma rápida toda a problemática do filme e dos seus personagens, o que não aparece refletido na tradução ao português. A palavra inglesa “detachment” pode ser traduzida como ”desapego” ou “distanciamento”, mas também “indiferença”. Isso é o que o filme retrata, de forma diversa, positiva e negativamente. O protagonista, um professor que somente faz substituições sem nunca assumir uma vaga fixa, vive carregando uma história familiar tortuosa que não acaba de assimilar. Chamado para realizar uma substituição em uma escola em um estado completo de caos, encontrará professores/as que não sentem apego nenhum pela sua profissão, estudantes desencantados e aborrecidos da vida antes mesmo de começá-la, adolescentes à procura de adultos em quem confiar e com os quais substituir pais negligentes ou ausentes. 

Durante somente três semanas o professor substituto (Henry Barthes) deverá enfrentar a doença (Alzheimer) e morte do avô, com quem viveu uma terrível história familiar; a vida de uma adolescente prostituta e maltratada, que acabará hospedando na sua casa; alunos violentos e sem perspectiva de futuro, outros com uma carga incrível de sofrimento e carentes do mais básico; professores/as que ainda tentam fazer o seu melhor com alunos/as que não estão para nada interessados em estudar, enquanto outros, carregando histórias pessoais trágicas, afundam na angústia e na depressão. 

O filme começa com uma epígrafe do grande Albert Camus: “E eu nunca me senti tão imerso e ao mesmo tempo tão desapegado de mim e tão presente no mundo”. Essa é a situação pessoal do protagonista. Talvez o único professor, de quantos o filme mostra, realmente interessado em educar seus alunos e não somente em transmitir conhecimentos. Um professor que tenta chegar ao centro da tempestade que os adolescentes vivem, questionando o que a sociedade lhes oferece como via única para suas vidas, descortinando os dramas que ocultam, denunciando a manipulação latente que sofrem.

A vida é dura, complexa, confusa. A vida de todas as pessoas, também a daqueles que tentam construir um futuro melhor, trabalhando para fazer a diferença. É difícil libertar os outros sendo ainda escravo. É impossível achar o caminho certo, enfrentar o caos da realidade, passar por cima de manipulações e humilhações, assumir feridas e ofensas, estando sozinho. Todos nós precisamos de uma mão amiga, alguém com quem caminhar, deixando para trás juízos, preconceitos, análises simples e estereotipadas da vida e das pessoas, alguém que nos aceite como somos e que saiba descobrir o tesouro existente dentro de nós. Essa deveria ser a missão de todo educador. Neste mundo tão complexo, todos nós deveríamos ser educadores e educandos, uns dos outros, para juntos descobrirmos os sendeiros da felicidade, para não afundar no caos e na dor.

Junto ao nosso protagonista aparecem outros professores e diretores escolares, desencantados, decepcionados, frustrados, em algum caso próximo já da demência. Os próprios problemas pessoais são carregados dia e noite, sem solução, sem oxigenação, condicionando todas as ações e decisões. Os problemas dos outros somente acrescentam mais carga de culpa, de vergonha, de desespero. Sem confiança, sem esperança, sem horizonte nem rumo, o professor acaba se transformando em vítima da vida, em objeto de chacota, de humilhação por parte de todos. Não tem nada para oferecer para os adolescentes porque não tem vida própria, somente um se arrastar dia após dia pela realidade hostil e violenta. Neste tempo complexo e difícil somente os indiferentes sobrevivem, mas isso é vida? 

O filme retrata de forma crua a realidade pessoal e social, os sentimentos mais íntimos de vidas sofridas, relacionamentos interpessoais insanos, um ambiente escolar dramático, o fracasso de uma política educativa concebida em escritórios de políticos, famílias que somente agravam a tragédia na vida dos adolescentes. 

O diretor combina de forma genial o filme e o documentário, levando o espectador a mergulhar nos sentimentos, nas vivências mais profundas dos personagens, principalmente do protagonista quem, desde seu próprio drama pessoal, tenta encontrar uma janela por onde fugir desta trágica barbárie. Não precisa exibir explicitamente os acontecimentos, não quer transformar o sofrimento em espetáculo. As lembranças, as palavras, as imagens são mostradas como flashes fotográficos. É bem significativo que a personagem que representa de forma trágica o caos e sofrimento da vida seja fotógrafa amadora, usando a fotografia para representar de forma artística a dor, a angústia, a solidão das pessoas que estão ao seu redor e de si própria.

Um filme questionador, provocativo, que impacta e nos leva a formular perguntas como: O que estamos fazendo com as nossas vidas? Até que ponto vivemos apegados aos nossos dramas? Até que ponto somos indiferentes diante da dor e sofrimento das outras pessoas? Que tipo de educador somos? Qual é a nossa missão como educadores neste mundo caótico?  

Para terminar, deixo aqui alguns diálogos do protagonista, a maior parte tirados das cenas que parecem mostrar a gravação de uma espécie de depoimento, de confissão pessoal.

  • “A maioria dos professores aqui, em determinado ponto, acreditava que podia fazer a diferença”. 

  • “Eu sei como é importante ter um rumo e também ter alguém que possa ajudar a entender as complexidades do mundo em que se vive”.

  • “Eu sou uma das poucas pessoas aqui que quer te dar uma oportunidade, agora eu só vou pedir pra você sentar e fazer o seu melhor”.

  • “Você já foi usada e descartada tantas vezes que até se acostumou com isso”.

  • “Eu perco muito tempo tentando não me envolver, para não me comprometer”.

  • “Devia ter um pré-requisito, um currículo para poder ser pai, antes das pessoas tentarem”.

  • “Incoerência é acreditar deliberadamente em mentiras sabendo que elas são falsas. Por exemplo: eu preciso ser bonita para ser feliz... ser magra, famosa, estar na moda... Os nossos jovens de hoje são ensinados que as mulheres são prostitutas, vadias, coisas para serem fornicadas, espancadas, envergonhadas. Isto é um holocausto publicitário, vinte e quatro horas por dia, pelo resto de nossas vidas. Os poderes instituídos vivem nos emburrecendo até a morte. Então, para nos defendermos e conseguirmos lutar contra a assimilação dessa burrice em nossos processos mentais, temos que aprender a ler, para estimular a nossa própria imaginação, para cultivar a nossa própria consciência, nossos próprios sistemas de crenças. Todos nós precisamos dessa competência para nos defender, para preservar as nossas mentes”.

  • “Todos temos problemas, coisas com as quais temos que lidar, e todos nós levamos eles para casa de noite, e levamos para o trabalho de manhã cedo. Eu acho que tudo isso, essa impotência, essa constatação, esse mal presságio, estar à deriva em um mar sem boia nem salva-vidas, quando você achou que seria você quem jogaria a boia”.

  • “Será que você nunca sentiu, nunca quis mandar alguém se ferrar, ir para inferno, porque a coisa está toda ferrada, a coisa está ferrada ou será que você não viu?”.

  • “O coração inteligente de uma criança pode desvendar as profundezas do mundo e dos locais sombrios, mas poderá entender o delicado instante de seu próprio distanciamento?”

  • “Nós nascemos assim, não há o que fazer, a não ser reconhecer como as coisas são injustas, e só isso não basta, eu não vou aguentar!”

  • “Somos todos iguais, todos nós sentimos dor, todos nós temos um caos em nossas vidas. A vida é muito, muito confusa, eu sei, não temos todas as respostas, mas eu sei que se você deixar rolar tudo dará certo”. 

  • “Eu queria que tudo tivesse sido diferente, eu tentei, entendeu? O negócio é que todos nós temos problemas e os nossos assuntos para cuidar. Alguns dias são melhores que outros, outros já não são tão bons, e tem dias que temos nosso espaço limitado por outras pessoas”.

  • “Muitos de nós acreditam que podem fazer a diferença e, quase sempre, nós acordamos e constatamos o fracasso”.

  • “Todos precisamos de alguma coisa para nos distrair da complexidade da realidade. Ninguém quer saber de onde tudo isso saiu. Ninguém quer saber da luta que é necessária para poder se tornar homem, para sair do mar de dores do qual todos temos que sair”.

  • “Temos essa responsabilidade de guiar os nossos jovens, para que eles não acabem se desmoronando, para que não acabem caindo no esquecimento, se tornando insignificantes”.

  • “Estamos fracassando. Fracassamos. Fracasso no sentido de que deixamos todo mundo na mão, incluindo nós mesmos”.

  • “Quando se anda pelo corredor ou se está na sala, quantos de vocês já sentiram o peso, fazendo pressão para baixo em vocês? Eu já.”


http://aguerrea.blogspot.com.br/2013/03/o-substituto-um-filme-para-repensar-vida.html 

 




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