O que faz o pedagogo na escola?

O que faz o pedagogo na escola?

 

 O que faz o pedagogo na escola?

Será que você sabe mesmo?…

 

 

 


- Como pedagoga, com habilitação em Orientação Educacional, formada em 1986, estive distante do trabalho em escolas por algum tempo e, quando voltei, já nos primeiros anos do século XXI, encontrei tudo muito pior. A reação foi de choque, susto, perplexidade e indignação. A situação era mais caótica e carente do que nunca, no ensino público brasileiro, o que fica absolutamente visível quando convivemos, diariamente, com a falta de recursos, de todos os tipos, e de conhecimento, nas escolas.


Sendo a Baixada Fluminense – para onde entrei por concurso público – uma das regiões mais violentas do Estado do Rio de Janeiro, logo ficou claro que a situação de pobreza, miséria, e ignorância imperavam, por todos os lados. É sobre essa realidade, que representa bem uma grande parte do país, que escreverei este meu relato.


Como lidar com isso?


Como ainda não existem concursos públicos para a função de psicólogo escolar, quem acaba fazendo um pouco o trabalho que seria do psicólogo é justamente o orientador educacional, nas redes de ensino onde ainda existe essa função
– na maioria das redes, quando se fala em “pedagogo escolar”, só se pensa numa espécie de coordenador pedagógico, que trabalha mais com os professores, de maneira geral. Mas a função do chamado “orientador pedagógico” deixarei para próximos artigos, desenvolvendo mais, aqui, o papel do pedagogo que é orientador educacional. O pedagogo é um “especialista em educação” e só nos formamos com esse título porque estudamos por quatro anos, fizemos inúmeros estágios, atuamos no magistério também, tudo para alcançarmos esse título, tantas vezes usado de forma raivosa e pejorativa por tantos companheiros professores, infelizmente…


Como também sou psicóloga, acreditava que esse conhecimento e experiência seriam úteis, contribuiriam para aprofundar o trabalho como pedagoga, mas, no entanto, o que rapidamente me mostraram foi que o que esperavam do orientador, na prática, era apenas que cumprisse um papel burocrático, enviando relatórios e ofícios para a Secretaria de Educação, além de encaminhamentos de alunos com algum tipo de problema de saúde física ou mental que estivesse atrapalhando sua convivência e aprendizado no ambiente escolar, fornecendo-lhes endereços e telefones de hospitais públicos e de escolas onde haviam “salas de recurso”, isto é, classes onde alunos com necessidades especiais complementavam o aprendizado do ensino formal e regular das escolas comuns. Tínhamos, também, que encaminhar os casos de violência doméstica, negligência e abandono para o Conselho Tutelar, além de termos que enviar correspondência para os alunos com muitas faltas, pois a freqüência tinha que ser controlada, o que era cobrado pela Secretaria de Educação. E o pensamento corrente era: se os pais vão aos lugares que indicamos ou se os alunos faltosos vão reaparecer ou não, devíamos agir como se não tivéssemos nada a ver com isso, pois já “tínhamos feito a nossa parte” e, portanto, a escola não poderia ser responsabilizada por não ter agido. Mas, na prática, não estava agindo realmente e sim repetindo, ano após ano, uma conduta que ninguém questionava e que não estava dando certo.


Os alunos dessas escolas públicas pertenciam a comunidades muito carentes, de periferia, favelas, onde faltava de tudo um pouco. Mas a instituição escola só queria saber dos alunos uniformizados, chegando na hora certa, sem faltar e, de preferência, o mais quietinhos que pudessem durante as aulas, para que os professores pudessem dar suas aulas e para que a Secretaria de Educação não considerasse que a escola não estava indo bem. O “resto” não interessava.


O que importava era manter as aparências e manter a papelada em dia.


Boa escola era considerada aquela onde a disciplina imperava melhor e onde tudo estava sempre limpinho, aparentemente bem cuidado, para que, se chegasse alguém de surpresa para fiscalizar algo, não encontrasse nenhuma falha. Por isso, as falhas, em geral, eram varridas para debaixo do tapete. Por exemplo, os alunos considerados “problemáticos, indisciplinados e difíceis” viviam suspensos, vi vários serem expulsos das escolas, mesmo isso sendo fora da lei, pois todos preferiam que eles estivessem o mais longe possível para não atrapalhar.


Na prática, era gritante que a Escola era de exclusão, em todos os sentidos – inclusive em relação aos profissionais que viam e questionavam esse estado de coisas e eram, em geral, rejeitados
-, o que tornava o discurso político atual de inclusão das diferenças na Educação Brasileira, inclusão dos alunos com necessidades especiais nas turmas regulares, enfim, essa ideia de inclusão tornava-se quase uma piada de mau gosto, pois, com a mentalidade reinante e a falta de recursos, o que acontecia era que esses alunos acabavam mais excluídos ainda, pois os professores não sabiam como lidar com eles, não tinham preparo para isso e, mesmo se tivessem, tinham que lidar com turmas lotadas, o que inviabiliza qualquer projeto em que poderiam dar uma atenção mais individualizada aos alunos. Além disso, muitas vezes pareciam bastante incomodados e mesmo assustados, preferindo esses alunos “diferentes” longe dali.


Em reuniões pedagógicas, onde pedagogos, administradores da escola, pessoal da secretaria da escola, diretores e professores deveriam se reunir para estudar – chamavam-se “Grupos de Estudo” e constavam do horário regular dos profissionais da escola -, fazia-se e falava-se tudo menos estudar. Eram reclamações, lamentações, críticas aos alunos “indisciplinados”, etc. Se eu, como pedagoga, ou outra colega, trazíamos um texto para reflexão ou para mostrar experiências que, apesar dos pesares, têm dado certo em várias escolas pelo país, aconteciam reclamações de todos os tipos, desde o tamanho do texto até críticas sobre o conteúdo – “não tem nada a ver com a nossa realidade!”, diziam, mesmo sem nem lerem com atenção ou refletirem com calma sobre o texto. Se o dito texto tivesse mais do que três páginas já incomodava também, já achavam que seria “chato” e que teriam que sair tarde da escola por causa disso, pois sempre queriam aproveitar esses momentos para irem mais cedo para casa. Era desanimador “nos virarmos” em busca de assuntos interessantes e pertinentes e nos deparamos com essas reações. E sempre procurávamos mostrar a realidade dos alunos que tínhamos e de suas famílias, já que, como pedagogos, também assumíamos essa função na escola, e, por isso, realmente conhecíamos de perto os inúmeros problemas que viviam e a complexidade de todo aquele contexto, pois sempre nos reuníamos com os pais e os alunos, individualmente, podendo ver de perto o quanto suas vidas eram penosas, em muitos casos, e, em outras, o quanto eram repletas de ignorância, violência e preconceitos. Esse conhecimento maior sobre os alunos e suas famílias poderia ser muito útil a todos! Mas muitos profissionais não queriam conhecer realmente os alunos. Principalmente os professores (não todos, é claro!), queriam alunos quietos, interessados e só. Os outros que se mudassem de escola!


Esses “educadores” muito teriam a aprender com o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que diz:


“Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem.”

 

Utilizei, junto com as equipes pedagógicas que trabalhei, inúmeras dinâmicas de grupo nessas reuniões, vários trabalhos de sensibilização e de arte, de valorização dos profissionais e de busca de aproximação entre todos os segmentos da escola. Uma das funções do orientador educacional é justamente procurar tecer essa rede de relacionamentos, atuar sobre as relações que acontecem na escola ou que a atingem indiretamente, procurando uma união que mantenha a pluralidade existente mas que ganhe força política para lutar pelas mudanças tão necessárias para todos.


E os Conselhos de Classe? Acabavam sempre sendo reuniões onde muros de lamentações se levantavam, acusações de todos os tipos e por todos os lados – muito raramente alguma autocrítica era feita – e imperava o pensamento, que já deveria estar absolutamente ultrapassado, mas, na prática, infelizmente não está, de que se tirássemos os “alunos-problema” da escola, tudo ficaria bem.


Era um trabalho que exigia muita paciência e uma busca constante de bons relacionamentos com as pessoas
. Encontrei bastante ajuda nisso com os funcionários mais simples das escolas – merendeiras, faxineiras, porteiros… -, pois, em geral, moravam na própria comunidade e conheciam bem aquelas crianças e adolescentes, assim como as idéias, costumes e toda a cultura do lugar. Aprendi muitíssimo com eles, escutei muito, observei muito, assim como fazia com todos, pois sem se abrir para o novo, é impossível chegar à um lugar e vir cheio de regras que possam ser úteis ali. Mas, muitas vezes por ignorância, outras vezes por medo e, outras ainda, por necessidade de auto-afirmação e segurança, muitos profissionais chegam com uma postura arrogante, julgando o tempo todo, tentando entender, através de seus valores de classe média, realidades e culturas tão diferentes. Vi muitas injustiças acontecerem por causa disso.


Os cargos de Direção e Vice-Direção das escolas são cargos de confiança nessas regiões
. Não acontecem eleições nem concursos. Quem escolhe são os vereadores e o prefeito. E, em geral, o que mais vi foram pessoas totalmente despreparadas para assumirem a responsabilidade desses cargos, sem o menor conhecimento do que a função exige, mas convenientemente “obedientes” em relação aos que os colocaram ali. Verdadeiros “paus-mandados”, para usar uma expressão popular. Por terem o “rabo-preso” (outra expressão popular que cabe aqui), não podiam questionar nada que viesse de cima e tinham que ir levando a escola de qualquer jeito, alguns com o dinheiro do próprio bolso, pois faltam materiais didáticos, salas refrigeradas e bem equipadas e iluminadas, as turmas são lotadas, entre outros problemas gravíssimos que afetam diretamente e diariamente a rotina escolar. Os professores têm razão quando dizem: “como dar aulas interessantes assim?”


Muitos pedagogos, acreditando serem parte da “equipe diretiva” da escola – o que só são no discurso, pois não possuem, politicamente, nenhum poder decisório -, acabam atuando como verdadeiros “cães de guarda” dos diretores, sempre defendendo-os e dizendo amém para tudo que vem deles e das Secretarias de Educação. Muitas vezes, por serem apolíticos, como tanta gente nessa área de Educação (ter visão política não é só lutar por melhores salários e plano de carreira, como, infelizmente, muitos acabam fazendo na prática – não que não sejam pontos importantes para batalharmos, claro! -, sem perceber que a questão é muito mais ampla!), acabam agindo até com boas intenções, mas ingenuamente. Isso sempre me deixou tristíssima e/ou irritada, pois eu já era (e sou) do tipo que “batia de frente”, questionava, ia na Secretaria de Educação, buscava uma atuação mais consciente e, por isso, sentia-me bastante só, em muitos momentos. Eu não havia estudado tanto, me preparado tanto, para atuar apenas como uma burocrata escolar! E muito menos para manter a postura de “mocinha obediente, ao lado da “autoridade” do diretor da escola”, que nem mesmo eleito ou concursado era!!!


E os passeios? Poucos ônibus estão disponíveis e, geralmente, quebrados
, o que faz com que seja comum pedirem favores a vereadores para poderem levar os alunos, em algum momento, para um tipo de aula mais dinâmico. Eu mesma tive que levar, para aulas-passeio e atividades culturais, turmas inteiras de ônibus comuns, com a ajuda de professores, porque achava fundamental tirá-los um pouco daquele ambiente e apresentá-los ao mundo de outras formas. Sempre adoraram isso! Os alunos que pareciam tão desinteressados em sala de aula, segundo os professores, mostravam-se animados nesses passeios, curiosos, querendo aprender e com brilho nos olhos.  Isso era estimulante!


Mas,  trabalhar em Educação Pública hoje, com o mínimo de senso crítico e sensibilidade, é mexer em vespeiro e sair bem machucado!


Bem… Muito mais tenho pra contar e acredito que esses relatos encontrem pessoas que se identificarão e outras que descobrirão como é muito mais difícil do que parece o trabalho do pedagogo escolar. Aos poucos, em outros artigos, vou  expondo mais, porque considero fundamental que os profissionais de educação realmente se conheçam, se respeitem e se unam, pois uma mudança na educação onde só se fala de “professores de um lado e todos os outros educadores do outro lado” enfraquece essa luta, empobrece as discussões e não está dando certo há muitos e muitos anos…


Abraços a todos…

Regina Milone
Pedagoga, Arteterapeuta e Psicóloga

Rio, 20/10/2012

 

http://www.diariodoprofessor.com/2012/10/20/o-que-faz-o-pedagogo-na-escola-sera-que-voce-sabe-mesmo/




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