O foco é o professor
Professor, o foco do sistema educacional finlandês
Em entrevista ao Carta Educação, ministra da Educação da Finlândia explica que segredo está no alto nível de formação dos docentes e na liberdade que eles têm em sala de aula
MARSÍLEA GOMBATA
À frente do Ministério da Educação e Cultura desde maio de 2015, Sanni Grahn-Laasonen se orgulha em dizer que a Finlândia não tem como norte testes amplos e padrões, mas faz um trabalho de formiguinha, dia a dia, com uma figura central no sistema educacional: o professor. “Não temos testes padrões na Finlândia. E eu diria que não estamos fazendo as coisas para nos sairmos melhor no Pisa. Estamos focados em ensinar, em elementos, por exemplo, que podem melhorar a educação de professores e promover a liberdade desses ao ensinar”, disse em entrevista ao Carta Educação, durante a rápida passagem por São Paulo, onde participou do evento Finlândia: Novas tendências em Educação, no Colégio Rio Branco, ao lado de de reitores de universidades finlandesas.
Mestre em Ciências Sociais, Sanni tem 32 anos e foi ministra do Meio Ambiente antes de ocupar a pasta de Educação. Ciente de a educação é não somente o caminho para mudanças estruturais no Brasil e na América Latina, mas também alicerce de um Estado de bem-estar social, ela insiste que a chave para um bom sistema educacional passa pelo alto nível de formação do corpo docente. “Para que alguém se torne professor na Finlândia, tem de ter um nível bom, com cinco anos de formação que contemplam dois de mestrado. Então, sabemos que podemos contar com eles, não precisamos nos preocupar, pois sabem o que estão fazendo. Mas isso é possível graças a um nível de formação alto exigido dos professores”, observa. “O segredo do nosso sistema educacional são os professores. Eles fazem seu trabalho com liberdade, não dizemos quais livros ou materiais usar ou como devem ensinar, se dentro ou fora da sala de aula. Os melhores estudantes acabam se tornando professores.“
Leia a entrevista a seguir:
Carta Educação – Os países escandinavos sempre foram vistos como exemplos para os latino-americanos, especialmente no que diz respeito a temas relativos a um Estado de bem-estar social (educação, saúde etc), cujas bases aqui estão muito aquém. Quais seriam os elementos necessários para a criação de sistema de proteção social? De que maneira a igualdade trazida pelo estado de proteção social ajuda a ter uma educação de melhor qualidade?
Sanni Grahn-Laasonen – Acredito que tudo começa com a educação. A educação cria o Estado de bem estar social, promove direitos humanos e democracia. Educação é também a base para o crescimento econômico, já que para um país se tonar inovador precisa ter um sistema educacional bom. Então eu começaria focando nisso, na educação desde a primeira infância. Na Finlândia, por exemplo, temos jardins da infância, educação primária e educação básica totalmente grátis e um dos nossos valores mais fortes é o da igualdade. Ou seja: não importa o conhecimento que se tem, o tipo de família da qual vem, quem são seus pais, onde se vive, todos têm uma educação excelente. Então não é apenas para pais que têm dinheiro e querem oferecer uma boa educação a seus filhos, mas para todos. Toda criança tem acesso a uma educação de alta qualidade, e todas as escolas são boas, não interessa a cidade ou região sobre a qual estamos falando na Finlândia.
CE – Um dos tópicos sobre o qual a senhora e sua comitiva vieram falar é a formação de professores. Os docentes na Finlândia são supervalorizados, ganham bem, são escolhidos entre os melhores alunos, e possuem bastante liberdade, uma vez que escolhem a maneira como ensinam, o material e o espaço a serem utilizados no aprendizado. Desde quando o sistema funciona assim? Não existe o risco de haver, portanto, formações e processos de aprendizagem diferentes?
SGL – É necessário se ter professores excelentes para existir um bom sistema educacional. Para que alguém se torne professor na Finlândia, tem de ter um nível bom, com cinco anos de formação que contemplam dois de mestrado. Então, sabemos que podemos contar com eles, não precisamos nos preocupar, pois sabem o que estão fazendo. Mas isso é possível graças a um nível de formação alto exigido dos professores. Eu acho que temos de confiar neles e mostrar isso, para que tenham liberdade e possam, ao mesmo tempo, ter responsabilidade. Tudo é baseado na confiança.
Somos um dos mais bem posicionados países no Pisa (Programme for International Student Assessment), da OCDE. Mas com educação sempre temos de ter um olhar adiante. O segredo do nosso sistema educacional são os professores. Eles fazem seu trabalho com liberdade, não dizemos quais livros ou materiais usar ou como devem ensinar, se dentro ou fora da sala de aula. Os melhores estudantes acabam se tornando professores. Se me pedissem conselho de algum país, eu diria: invista em professores e em sua educação.
CE – Existe uma grande discussão em torno do currículo escolar: se ele deve ser compartimentado em disciplinas como matemática, química, biologia, gramática ou se deve trabalhar dentro de uma perspectiva interdisciplinar. Desde o início do ano, os centros de ensino da Finlândia começaram a aplicar um novo método conhecido como “phenomenon learning”. Como funciona esse método e de que maneira ele prepara o aluno para um pensamento transdisciplinar?
SGL – Isso não significa que deixamos de ter disciplinas. Continuamos a tê-las, mas o novo é que estamos tentando trazer coisas que estão acontecendo na vida real para a sala de aula, para estudar do que se trata segundo diferentes pontos de vista. Então escolhemos um fenômeno – mudança climática ou crise econômica, por exemplo – e então você começa a olhar o fenômeno a ser estudado por diferentes perspectivas, seja o background de História, Biologia ou Matemática que você tem. É um tipo de mecanismo que ajuda os alunos a aprender a pensar.
E dentro das disciplinas, estamos trabalhando em um novo currículo que fala sobre diferentes habilidades, com diferentes tecnologias e espaços de aprendizagem. Não é apenas trazer computadores para as salas, mas saber como utilizar tecnologias como games e outras ferramentas para os alunos se sentirem motivados a aprender.
Na Finlândia, é importante dizer, os políticos não elaboram o currículo educacional. Quem é responsável por isso é um conselho nacional, composto em sua maioria por experts. Eu tenho orgulho disso, pois não acho que políticos deveriam fazer esse tipo de coisa.
CE – Todos os anos, a Finlândia apresenta uma boa colocação no Pisa. Como funcionam os sistemas de avaliação de alunos no País? Como a senhora vê o Pisa, ao colocar no mesmo grupo países com estruturas tão distintas?
SGL – Não temos testes padrões na Finlândia. E eu diria que não estamos fazendo as coisas para nos sairmos melhor no Pisa. Estamos focados em ensinar, em elementos, por exemplo, que podem melhorar a educação de professores e promover a liberdade desses ao ensinar.
Não queremos provas padrões na Finlândia porque queremos que o professor tenha espaço para ensinar, que os estudantes possam aprender. Todo o foco deveria estar voltado para aprender e ensinar. E disso virão os bons resultados.
CE – O mestrado na Finlândia era de graça até este ano, mas a partir do ano que vem qualquer aluno estrangeiro que não seja de países da União Europeia passa a pagar para estudar lá. Por que a decisão de começar a cobrar?
SGL – A maioria dos países ao redor do mundo cobra, então por isso resolvemos cobrar. Ainda temos uma bolsa para alguns estudantes de fora. E esperamos conseguir muitos outros, de diferentes lugares do mundo.
CE – Como enxerga a discrepância entre homens e mulheres na América Latina, onde as diferenças de gênero e falta de representatividade das mulheres ainda é gritante – apesar de representarem mais de 50% da população brasileira, as mulheres são menos de 10% das vagas da Câmara dos Deputados e pouco mais de 15% das do Senado. Isso é reflexo do sistema educacional? Como mudar isso?
SGL – Eu acredito que sim e, de novo, acho que a educação poderia ajudar a mudar isso. A Finlândia é um dos primeiro países no mundo a dar às mulheres o direito de votar. No Parlamento creio que somos cerca de 84 mulheres dentre 200 membros legislativos, ou seja, somos quase metade da Casa. Na Finlândia, eu não tenho de fazer escolhas entre família ou carreira, eu posso ter ambas. Eu tenho uma filha de 3 anos de idade, e meu marido também trabalha fora e cuida dela. Na Finlândia isso é possível. O que eu diria para o mundo inteiro é: mulheres, podemos fazer qualquer coisa, não deveria haver barreiras no mundo para nós.
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