Nova face do movimento estudantil
Ocupações de universidades e escolas mostram nova face do movimento estudantil
Organizações recuperam visibilidade com protestos que impedem atividades. Na pauta, estão temas ligados à educação e críticas a Temer
Por: Marcelo Gonzatto 12/11/2016
Cartazes na entrada da escola de educação física, fisioterapia e dança da UFRGS apresentam as reivindicações Foto: André Ávila / Agencia RBS
As ocupações em mais de 180 campi de universidades por todo o país, incluindo pelo menos 38 cursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), são a face mais visível de uma nova configuração do movimento estudantil brasileiro.
Depois de enfrentar período de pouca unidade e visibilidade na década passada, recuperou força a partir dos protestos de junho de 2013 e hoje é impulsionado pela maior proximidade entre secundaristas e universitários, bandeiras de luta renovadas e estratégias de mobilização descentralizadas. Com esse novo perfil, busca garantir protagonismo em um período de manifestações contra o governo federal como as realizadas na sexta-feira.
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Um dos motores da nova militância é a tomada de escolas, prédios de faculdade e institutos federais — criticada por parcela dos estudantes por suspender as aulas. Esse modelo de enfrentamento surgiu em 2006, no Chile, durante a chamada Revolta dos Pinguins. O nome é referência ao uniforme usado por alunos do Ensino Médio que decidiram se apoderar dos colégios para cobrar mudanças no sistema educacional. A estratégia foi repetida pelos chilenos em 2011 e, quatro anos depois, importada para o Brasil via São Paulo com auxílio de um manual traduzido do espanhol.
Do Sudeste, se espalhou para outros Estados como o Rio Grande do Sul, onde dezenas de estabelecimentos foram tomados no primeiro semestre.
Algumas das principais pautas que mobilizaram o movimento estudantil brasileiro nas últimas décadas
Anos 1940
O Petróleo é nosso
Criada em 1937, a União Nacional dos Estudantes teve como uma de suas primeiras bandeiras a defesa das riquezas naturais do país. Engajou-se na campanha contra a exploração estrangeira do petróleo que levaria, alguns anos mais tarde, à criação da Petrobras
A visão de muitos militantes universitários, que hoje se encastelam nas faculdades contra reformas propostas por Michel Temer, é de que os "secundas" — como são chamados os secundaristas no jargão estudantil —, tomaram o leme da luta educacional. O que ocorre agora nos campi é, também, uma tentativa de recuperar espaço.
— Houve inversão de hierarquias. Pelas experiências recentes dos secundaristas, eles deram um passo à frente em relação aos universitários. Agora, estamos em uma relação mais próxima — analisa o ex-coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UFRGS Matheus Gomes.
1950
Não ao aumento das passagens de bonde
Os estudantes realizam uma campanha contra o aumento da passagem de bondes no Rio de Janeiro e vários sindicatos operários se unem à luta. A polícia invade o prédio da UNE em repressão ao movimento. Depois, os alunos iniciam uma campanha contra a American Can, empresa americana que ameaça a indústria brasileira de latas
1960
Reforma universitária já e Abaixo a ditadura
A década começa com os estudantes debatendo a reforma no Ensino Superior, mas em seguida a luta contra a ditadura se transforma na grande razão de mobilizações do movimento. A UNE se torna uma entidade clandestina, mas procura mobilizar a população para fazer frente aos militares.
1970
Abaixo a ditadura
Líderes estudantis desaparecem durante o regime militar. Passado o momento mais agudo da repressão, os estudantes passam a discutir a reconstrução da UNE.
1980
Diretas já
O movimento estudantil apoia a candidatura de Tancredo Neves à presidência da República e participa ativamente da campanha "Diretas Já", que pedia a volta do voto direto para escolher o presidente.
1990
Fora Collor. Não ao Provão
Os alunos tomam a frente dos protestos de rua contra o então presidente Fernando Collor, suspeito de corrupção, que levam a seu impeachment. Depois, se mobilizam contra a implantação dos exames nacionais de avaliação do Ensino Superior conhecidos como Provão.
2016
Não à PEC do teto dos gastos públicos, Não à reforma do Ensino Médio e Não à Escola Sem Partido
Depois de defender algumas bandeiras como mais recursos para a educação, o movimento dos estudantes se reorganiza para combater projetos propostos pelo governo de Michel Temer.
A visão de muitos militantes universitários, que hoje se encastelam nas faculdades contra reformas propostas por Michel Temer, é de que os "secundas" — como são chamados os secundaristas no jargão estudantil —, tomaram o leme da luta educacional. O que ocorre agora nos campi é, também, uma tentativa de recuperar espaço.
— Houve inversão de hierarquias. Pelas experiências recentes dos secundaristas, eles deram um passo à frente em relação aos universitários. Agora, estamos em uma relação mais próxima — analisa o ex-coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UFRGS Matheus Gomes.
Na atual onda de ocupações nos campi, adolescentes do Ensino Médio chegaram a dar orientações aos colegas mais velhos sobre como se organizar. Uma delas foi Scheila Azevedo, 19 anos, aluna da Escola Estadual República Argentina.
— A gente falou sobre a importância da organização, com divisão em tarefas de limpeza, de comunicação, e de dar destaque às reivindicações — conta Scheila, que manteve contatos informais com graduandos de Biologia da UFRGS.
A capacidade de mobilização do movimento, que reuniu mais de 5 mil pessoas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em assembleia que decidiu apoiar as ocupações, na quinta-feira, também reflete novo mecanismo de articulação. Em vez de aguardar e seguir convocações de líderes estaduais ou nacionais, cada curso, faculdade ou universidade marca assembleias e define o rumo a ser tomado.
Nenhuma resolução é adotada sem passar pelo crivo dos próprios ocupantes. Para o cientista político e professor da Unisinos Bruno Lima Rocha, isso privilegia a "ação direta" nos estabelecimentos de ensino e reduz o nível de influência de correntes e partidos sobre as decisões:
— A novidade é o método, a radicalidade e a democracia de base. Estudantes que não faziam política estão participando e massificando as ocupações.
O engajamento é estimulado pelo atual cenário político. A ascensão de Temer à Presidência favoreceu a aproximação de movimentos de esquerda no ambiente estudantil. Em meados dos anos 2000, sob a gestão do PT, por exemplo, os universitários divergiam sobre a proposta de reforma do Ensino Superior. As correntes mais ligadas ao governo da época e aquelas mais hostis aos petistas, vinculadas a PSTU e PSOL, dividiram-se e chegaram a organizar congressos separados para avaliar o tema no Estado.
Agora, compartilham bandeiras de luta. O principal alvo do alunado é a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos — que na Câmara recebeu o número 241 e agora, no Senado, é a 55 —, mas também os projetos da reforma do Ensino Médio e da Escola sem Partido. A pauta sensibilizou até colegas de instituições particulares como a PUCRS, que se somou à nova onda incluindo algumas reivindicações próprias, a exemplo do combate ao aumento de mensalidades.