Mulheres trabalhadoras
Claudia Mazzei: as mulheres trabalhadoras muitas vezes não podem adoecer
31 de maio de 2015
Cláudia Mazzei Nogueira, professora do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, na Baixada Santista, fala ao Esquerda Diário sobre a relação da saúde da mulher com o mundo do trabalho e a situação da saúde das mulheres trabalhadoras em um país governado por uma presidente.
Esquerda Diário: Como você vê a saúde da mulher trabalhadora no Brasil hoje? Ter uma presidente mulher melhorou em algo a situação da saúde das mulheres?
Apesar de insuficiente, houve alguns pequenos avanços. No entanto, esse avanço não é suficiente pra proteger seja a saúde ou os direitos não só da mulher como da própria família dessa mulher. Nesse sentido citaria a ampliação da licença maternidade, ainda que não atinja todas as mulheres trabalhadoras. Foi um ganho que se vincula diretamente a uma tranquilidade e uma menor tensão pra mulher trabalhadora no sentido de poder se dedicar ao seu filho ou filha recém nascida, podendo ter um aleitamento materno mais prolongado e realmente mais natural e não via mamadeira – por mais que essa mulher possa tirar o leite, pois é fundamental pro desenvolvimento físico e mental da criança. Ainda assim é necessário lutar pela ampliação da licença paternidade pra que não fique configurada que a função do cuidar e da atenção e´da responsabilidade da mulher.
Sobre ter uma presidente mulher, não posso responder com segurança, mas diria que ainda que a presidente Dilma tenha escolhido Eleonora Meniccuci pra Secretaria de Políticas da Mulher, há uma negatividade na possibilidade de levar adiante determinados projetos. Eleonora é especialista no âmbito da pesquisa mas também da extensão no sentido de lutar por ampliação de políticas sócias em relação á mulher no que tange a questão da reprodução feminina, ou seja, o direito do aborto. Mas a pauta do aborto tem ficado secundarizada, e essa questão do aborto é fundamental pra discutir a saúde das mulheres.
Esquerda Diário: Um de seus livros mais conhecidos se chama “A feminização no mundo do trabalho”. Qual relação você vê entre a precarização do trabalho e a precarização das condições de saúde das mulheres?
A relação pra mim é ampla. Embora a precarização atinja toda a classe já esta mais do que explicitado e comprovado que esta precarização atinge mais intensamente a força de trabalho feminina. Esta intensificação resulta também numa intensificação da ausência de saúde das mulheres trabalhadoras. Ou seja, quando a gente pensa na força de trabalho feminina inserida na força de produção que é desigual precisamos levar em conta a divisão sócio sexual do trabalho no espaço da reprodução (esse espaço é não só contemplado como espaço da reprodução biológica de futuras forças de trabalho, mas da própria reprodução da lógica capitalista na manutenção da hierarquia presente na família patriarcal). Este espaço da reprodução acaba recaindo sobre as mulheres, ou seja, a dupla ou tripla jornada de trabalho.
Neste sentido quando pensamos nesta conformação deste espaço da reprodução, a mulher ainda hoje é tida como a responsável pelos cuidados da família e do lar. O homem ainda é considerado hoje o provedor. E isso é tão claro que quando a gente vai fazer entrevista com as mulheres que são chefes de família e perguntamos como é a relação com o espaço da casa muitas respondem que são “pai e mãe” na casa. Às vezes mesmo sem a existência da figura masculina, ela mesma reproduz que os papeis estão mantidos. Não se reconhece como a mulher provedora, se reconhece como a cuidadora, função da mãe, e a função do pai é de provedora. Enquanto não conseguirmos superar essa consciência altamente cooptada pela lógica do capital nós não vamos conseguir libertar as mulheres desta funções.
Um dos principais problemas também é que a mulher tem que ser altamente produtiva no espaço da produção para provar que é tão produtiva quanto o homem. A mulher tem que se dedicar muito mais intensamente pra ser reconhecida. Lembrando que hoje a mulher ainda ganha 30% a menos que os homens para uma mesma função. Isso acarreta uma intensificação do trabalho da mulher no espaço produtivo que se combina à responsabilidade do cuidar no espaço da reprodução. Isso resulta em fragilização da saúde das mulheres, que muitas vezes nem podem e nem se permitem adoecer. A sociedade impõe que o papel delas não é o de ser cuidada, mas o de cuidar.
Esquerda Diário: No estudo sobre a divisão sexual do trabalho no porto de Santos você se propõe a uma primeira incursão sobre as implicações à saúde das mulheres trabalhadoras inseridas neste ramo. Pode nos contar mais sobre este estudo?
Para fundamentar, comento uma questão anterior. Comecei a utilizar a categoria de divisão sócio sexual do trabalho. Porque? Estou partindo de que a questão das relações do trabalho de gênero são construções sociais. A divisão sócio sexual do trabalho vai no sentido de mostrar que estas relações estão presentes numa construção social e não previamente dadas por uma questão feminina ou masculina, embora eu reconheça enormes especificidades e necessidades de ambos sexos. Uma desigualdade nessa divisão vai passar por uma construção social, e se entendo que esta divisão contempla uma questão da construção social me propicia um enfrentamento mais direto e que pode alcançar mais resultados nessa luta por uma igualdade substantiva na divisão sócio sexual do trabalho.
No caso do porto de Santos é bem interessante. Estamos pesquisando a categoria das mulheres amarradoras do porto. São as que fazem a atracação do navio, só de olhar a grossura das cordas pra puxar e fixar esse navio já dá desespero porque é um peso enorme. Isso vem mostrar que aquela pré-determinação de que a mulher é mais fraca ou mais frágil acaba se mostrando que não é bem assim. Essas mulheres amarram tanto quanto os homens os números de navios necessários, não amarram menos, é a mesma proporção e como lá é concurso o salário acaba sendo o mesmo pros homens e mulheres.
Ainda assim estas trabalhadoras se preocupam com sua saúde e consideram os salários muito baixos. Por conta disso fazem a opção de hora extra. O que há bastante é o trabalho em equipe, também nos casos de adoecimento, elas tomam tem preocupação em não inclinar a coluna, e quanto uma não está bem a outra cobre seu lugar, dentro de certa camaradagem. Mas mesmo com as horas extras a incidência de adoecimento não é muito grande. O interessante de analisar neste caso do porto de Santos é que o tipo de adoecimento mais forte e comum é o mental. Elas reclamam muito do preconceito, por exemplo, demorou muito tempo pra terem um banheiro feminino. A maior incidência que há, por exemplo, é de suicídio. Justamente pelo enorme preconceito, com outros trabalhadores dizendo que não é trabalho para mulher, a dedicação ao trabalho para poder “provar” tem que ser muito maior, e isso tem impactos na saúde.
No caso da Guarda Portuária é um trabalho mais individual. No caso destas mulheres foram identificados em 10 anos três suicídios, sendo duas por enforcamento e uma com a arma de fogo da própria guarda. Elas relatam que é muito duro e difícil para elas enquanto mulheres se sentirem tão inseguras numa escuridão, por exemplo no turno da noite quando o porto está deserto. A insegurança tem a ver com a possibilidade de estupros, um perigo que não atinge os homens.
O caso do porto de Santos mostra que apesar de todo o preconceito as mulheres estão cada vez mais ocupando espaços de trabalho considerados masculinos. Isso não é só no setor portuário, é na construção civil, de caminhoneiros, de taxistas. Porém, enquanto não alterarmos a divisão sócio sexual do trabalho no espaço da reprodução, significa que ao invés de ser um ganho, será uma intensificação da exploração da mulher, pois ela está trabalhando muito mais. Ao invés de um passo pra “emancipação” (que só poderia se dar com o fim do capitalismo) acaba sendo algo muito limitado e muito parcial. Embora a gente tenha essa positividade da ampliação e da conquista por mais espaços de trabalho no mundo da produção ainda estamos mantendo o espaço da reprodução como responsabilidade feminina.
Esquerda Diário: Alguma consideração final?
Gostaria de comentar que uma das minhas orientandas foi apresentar esse resultado da pesquisa das amarradoras num congresso da Previdência Social e quando ela começou a apresentar que as mulheres atuavam como amarradoras e faziam hora extra pra chegar num salário razoável os médicos da saúde do trabalhador que estavam assistindo começaram a questionar essa possibilidade , dizendo que as mulheres eram muito mais frágeis que os homens e não podiam trabalhar fazendo hora extra. Queriam utilizar os dados de nossa pesquisa pra abrir uma denúncia. Nossa posição foi não, essa pesquisa é pra auxiliar na defesa dos direitos das trabalhadoras. Acreditamos que a trabalhadora tem autonomia pra decidir o seu limite, essa não é uma pesquisa pra dar elementos e munição pra que venham tolher o direito de decisão da mulher simplesmente por eles definirem que a mulher seria o sexo frágil.
Hoje não tem como dizer que a mulher é fraca e o homem forte. Conheço muitas mulheres fisicamente e emocionalmente mais fortes, e muitos homens fisicamente e emocionalmente muito fracos. Esta divisão de que a mulher é o sexo frágil e o homem forte hoje vai por água abaixo.
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