Mudanças na Lei do FUNDEB
Mudanças na Lei do FUNDEB: repasse de recursos públicos para oferta privada em todas as etapas e modalidades da educação básica
Vera Maria Vidal peroni
Maria Raquel Caetano
Maria Otilia Susin
O conteúdo do projeto de Lei 739/2015 de autoria do Senador Cristovam Buarque, em tramitação no Senado, propõe alterações a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, ampliando para o setor privado (organizações sociais) a distribuição de recursos públicos da educação, para além do já repassado para instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas para que atuem em qualquer das etapas e modalidades da educação básica.
Esta proposta de lei ocorre no mesmo período em que tramita, também no Senado, a PEC 55, que propõe a redução de recursos da educação ao longo de 20 anos. Neste contexto, destacamos que, além de diminuir os recursos da educação, a proposta é ainda possam ser repassados ao setor privado.
Entendemos, ainda, que esta proposta de lei objetiva materializar distintas formas de privatização da educação, com destaque para a privatização pela execução direta da oferta da educação básica por instituições privadas, através de aporte de recursos públicos, e também a privatização do conteúdo da educação por meio de contratos de gestão.
A utilização dos contratos de gestão previsto no projeto de lei em pauta já está regulamentada na Lei n° 9637/98, que prevê “a especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade” (lei 9637/98, art 7, I), incorporando princípios claros de gestão gerencial na educação, com graves consequências para a gestão democrática. Como entendemos que a escola é um importante espaço de aprendizagem, por meio da vivência do processo democrático, as propostas do projeto de Lei em análise não são apenas mudanças na forma de gestão, mas de projetos societários em disputa. Em que pese a gestão democrática ser um princípio constitucional, a alteração na lei do Fundeb, além de propiciar a distribuição de recursos públicos para instituições privadas, o que chamamos privatização através da execução, também é uma ferramenta de estabelecimento da lógica gerencial na educação com consequências para o projeto democrático.
Observamos ainda que o argumento utilizado na justificativa do projeto de Lei é a “prática moderna de gestão na educação”, com o emprego mais eficiente de recursos humanos e financeiros, estabelecendo metas de desempenho que visam a melhoria dos indicadores da educação.
Duas questões destacamos desta justificativa. Uma delas é o “emprego eficiente” de recursos humanos, neste caso podendo representar a sua precarização, uma vez que as instituições, por não terem propriedade pública, não necessitarão realizar concursos público, ter planos de carreira, pagar o piso nacional, contratar professores com formação, dentre outras poucas conquistas que os trabalhadores da educação tiveram ao longo de muitas lutas. Ou seja, implicando na fragilização dos processos de gestão democrática até então conquistados pela sociedade brasileira. E a outra é a “relação da qualidade” com índices de avaliação, ocorrendo a priorização de disciplinas de algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras e que a qualidade da educação não se constitui apenas de resultados, mas do processo educativo como um todo.
Enfim, as consequências serão a introdução do processo de privatização da educação pública, como já vem ocorrendo em vários estados brasileiros e especialmente no estado de Goiás. O jornal Opção, na edição 2062 de 2015[1] , apresenta como chamada que “o Governador Marconi Perillo pretende repassar a administração de unidades educacionais estaduais para às organizações sociais”. O Governador entende que a gestão terceirizada em parceria com o setor privado, pode alcançar uma qualidade de ensino ainda maior.
A lógica privada no sistema público é uma das propostas da secretaria de educação do estado de Goiás, que já vem mantendo parcerias com o setor privado ligados ao mercado e a instituições internacionais, como a Unesco e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que vem atuando fortemente no apoio a mercantilização da educação pública no país.
O Movimento Todos pela Educação tem forte atuação em Goiás. Destacamos que a secretária de educação é membro da Comissão Técnica do Movimento Todos pela Educação e Diretora Executiva da Fundação Jaime Câmara[2], intitulada como principal grupo de mídia do centro-norte, cobrindo os estados de Goiás e Tocantins, o que facilita sua articulação com essas instituições. Fazem parte das relações com a educação de Goiás instituições como Ayrton Senna, que possui parcerias no ensino fundamental através de programas como Acelera, Se Liga e Gestão Nota 10, o Instituto Unibanco, com parcerias no ensino Médio. Dados do Movimento Todos pela Educação[3] informam que, o estado em 2014, firmou uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Instituto Natura, Itaú BBA, Samsung e Fundação Telefônica e o TPE, que implementou um projeto de ensino de matemática com o uso de tecnologias em escolas da rede estadual. O objetivo é avaliar o impacto do uso de tecnologias no aprendizado dos alunos do 9º ano, nas práticas pedagógicas dos professores e no desenvolvimento de habilidades não-cognitivas como colaboração e autonomia. Com base nos resultados, o TPE produzirá um documento de recomendação de políticas públicas para projetos de inovação e uso de tecnologias na Educação. O Instituto Jaime Câmara, em Goiás, apoia a SEDUC na implementação do projeto em que participam 70 escolas, 110 professores e mais de 7.500 alunos.
Outra instituição parceira do estado de Goiás é o MBC (Movimento Brasil Competitivo) liderado pelo empresário Jorge Gerdau. Um dos focos do MBC foi traçar objetivos para a área da educação, que constituiu um plano de reformas educacionais para a educação estadual em conjunto com a Bain & Company, uma empresa global de consultoria empresarial com escritórios em quatro continentes e o MDC. (Diário da Manhã em 06.5.2015, http://www.dm.com.br/economia/2015/05/gerdau-diz-que-goias-e-exemplo-de-gestao-para-o-pais.html).
A educação pública estadual no estado de Goiás já sofre as conseqüências de um modelo de gestão pública como se fosse privada, na lógica mercantil, em que professores, alunos e comunidade escolar como sujeitos da escola não fazem parte do processo de decisão.
Enfim, a proposta de lei materializa distintas formas de privatização da educação, tanto pela execução direta da oferta da educação básica por instituições privadas como pela privatização do conteúdo da educação por meio de contratos de gestão. As mudanças que vêm ocorrendo na gestão da educação nos últimos anos modificam o significado da educação, formando uma visão hegemônica mercantil.
[1]http://www.jornalopcao.com.br/reportagens/estado-deve-implantar-oss-na-area-da-educacao-aos-moldes-das-charter-schools-americanas-2-25931/.Acesso em 26.6.2015.
[2] O grupo se intitula como uma Organização internacional independente, compromissada em melhorar o estado do mundo, por meio do engajamento de empresas, líderes políticos e acadêmicos, para moldar agendas globais, regionais e da indústria. Disponível em http://www.gjccorp.com.br/#/grupo.Acesso em 25.6.2015.
[3] http://www.todospelaeducacao.org.br/projetos/todos-os-projetos/120/metodos-inovadores/.Acesso em 24.6.2015.