Meritocracia, cotas e educação

Meritocracia, cotas e educação

A TAL DA MERITOCRACIA, COTAS E EDUCAÇÃO

Um dos pontos defendidos por alguns programas (Políticos, e não de tv!), a meritocracia é a concessão de benefícios calcada no mérito, no merecimento. O nosso sistema é baseado na meritocracia, desde a pontuação nas provas à promoção no trabalho. Mas, o que ela tem a ver com educação?

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Quando uma pessoa é agraciada com benefícios ou promoções, a leitura que se faz é que ela mereceu, devido a seu esforço e dedicação, por ter se destacado frente a um grupo de iguais, que, comparados a ela, não obtiveram resultados tão relevantes. Ou seja, trata-se de ser melhor que os demais, o que é medido através de provas, concursos, processos seletivos, e, que por isso, tem tudo a ver com emprego e educação. Uma pessoa se destaca nessas provas e é beneficiado com empregos bons, bem-pagos, posições, bolsas estudantis, vagas em universidades públicas... Enquanto isso, os outros, aqueles que não são inteligentes o suficientes ou não são estudiosos o suficiente ganham o que "merecem". No entanto, quem são os outros e o que eles merecem? Imagine um rapaz, o Matheus, nos seus 17 anos, que cresceu em uma família estruturada, de economia estável, que depois de estudar em escolas consideradas boas por serem voltadas para a aprovação no vestibular, passe para o concorrido curso de Medicina da Universidade Federal. Ele mereceu essa vaga com seu esforço e estudo, certo? Como dizia minha mãe "se tirou 8 não fez mais que sua obrigação!"

Agora imagine uma moça, a Ana, nascida em ambiente hostil, de violência banalizada e uma família legal, porém instável e sem muitas condições econômicas, que estudou em escolas estaduais, essas em que faltam professor, não possuem biblioteca, ou infraestrutura. Quais são as chances dessa moça passar para Medicina? Nenhuma, certo? A não ser que ela seja muito genial, consiga obter em sua casa um ambiente silencioso para o estudo, o que ela provavelmente não tem, já que tem que ficar com seus irmãos menores enquanto a mãe e o padrasto trabalham fora. Então, ela adia o sonho de ser médica e decide cursar enfermagem que é menos concorrido. Termina o curso já casada, morando com a sogra e o marido em uma casa maior que aquela em que foi criada. Engravida logo em seguida do jovem marido. Com esforço consegue trabalhar e ser mãe, e ainda ajudar a sogra que é exigente. Porém, meses depois de nascida a criança é abandonada por um pai inconsequente, e a moça fica sem o marido e sem condições de pagar a obra da casinha em que eles planejavam morar e que, a essa altura, está com um custo altíssimo. Volta para a casa dos pais, aonde ainda moram os irmãos mais novos e agora, ela e o filho. Acumula mais um emprego só para sanar as dívidas, o bebê fica com a avó aposentada com um salário mínimo para alimentar toda a família. Se ela conseguir sair dessa, pagar o fim da reforma, o mérito será todo dela. Ela é esforçada, ela merece um pouco de tranquilidade. Não acha? Mas, quais são as chances reais dessa nossa personagem conseguir superar todo e qualquer obstáculo que se coloque no caminho para alcançar uma vida mais digna e confortável, para dizer o mínimo?

Por esse motivo, quando alguém vem falar criticamente das cotas e dos programas de ingresso em universidades com frases genéricas e preconceituosas, a primeira coisa que tenho vontade de perguntar é: "você estudou em escola pública?", seguida por: "conviveu com alunos cotistas?". Essas pessoas que projetam frustrações em frases aleatórias e sem fundamentam parecem não refletir sobre as dificuldade que Matheus teve em alcançar um nível universitários em comparação com Ana. Isso sem mencionar que Ana teria ainda outras muitas dificuldades durante sua graduação que Matheus, com sorte, não precisará passar.

Quando há um benefício concedido a algum setor minoritário sob a tutela das cotas, o que está implícito é a tentativa historicamente atrasada de equilibrar a desigualdade de condições de emprego e estudo extirpada desses grupos há muitas gerações.

Nota-se com esses exemplos que a tal meritocracia seria justa em se tratando de indivíduos em igualdade de condições, o que, sabemos, não é o que ocorre, por desníveis educacionais, principalmente. Enquanto não se olhar o problema da discrepância social e econômica de frente, vamos continuar repetindo besteiras sobre projetos de inclusão - no sentido mais superficial da palavras - que tentam tapar o sol com a peneira em vez de tratar das raízes doentes que promovem tamanhos desníveis na sociedade. Portanto, tentando evitar que pessoas estudadas cometam a ignorância histórica de repetir asneiras só por constatarem que algum privilégio seu ou dos seus está sendo reduzido (Atenção: reduzido e não extinto!), perceba que o grupo beneficiado pela educação de base, pelo acesso à informação, pela escolha de qual carreira seguir, em suma, pela alegria de tomar as rédeas da própria vida não varia. Em compensação, são gerações consecutivas em famílias que exercem sub-empregos por falta de opção, ou ganhando mal, ou não conseguindo seguir a carreira dos seus sonhos. Portanto, a meritocracia é uma "gracinha" quando as oportunidades são dadas em proporções iguais ou semelhantes para todos os grupos e regiões e não pode ser tomada por possibilidade real. Não dá para defender a meritocracia em um país tão desigual. O que se pode defender é uma educação forte, integral e integrada para todas as crianças e adolescentes. Você consegue imaginar que sociedade construiríamos se o melhor colégio que você conhece fosse a média das escolas públicas de toda a sociedade brasileira?

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